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4 DIMENSIONANDO OS PROBLEMAS E OS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS

5.3 Sugestões de resolução por meio da via conciliatória: possibilidades entre acordo de

5.3.1 Contornos gerais sobre o termo de compromisso

O termo de compromisso é o instrumento institucional próprio para a mediação dos conflitos fundiários em Unidades de Proteção Integral e povos tradicionais. Encontra-se previsto no art. 39 e parágrafos, do Decreto Federal nº 4.340, de 22 de agosto de 2002, que regulamenta os artigos da Lei do SNUC. A Instrução Normativa nº 26 do ICMBio, de 4 de julho de 2002, por sua vez, estabelece diretrizes e regulamenta os procedimentos para a elaboração, implementação e monitoramento de termos de compromisso entre o Instituto Chico Mendes e populações tradicionais residentes em unidades de conservação onde a sua presença não seja admitida ou esteja em desacordo com os instrumentos de gestão.

Nessa ordem de ideias, o termo de compromisso é um acordo de caráter transitório, que surge “no contexto de reconhecimento dos direitos de populações tradicionais, conquistados por meio de lutas sociopolíticas democráticas de natureza emancipatória, pluralista, coletiva e indivisível” (SIMON; MADEIRA FILHO; ALCÂNTARA, 2015, p. 2).

O instrumento conciliatório é elaborado de forma participativa entre a população e a gestão da unidade. É responsável por regulamentar a utilização dos recursos naturais, do território e da presença das comunidades tradicionais nas áreas em que sua presença não seja permitida, enquanto não se encontra um arranjo definitivo para a situação. Menciona-se que o processo para a construção da resolução do conflito também deve estar previsto no termo de compromisso (BRASIL, 2014, p. 105).

42 Conforme informações disponibilizadas no sítio do Ministério do Meio Ambiente: “Toda UC deve ter um

conselho gestor, que tem como função auxiliar o chefe da UC na sua gestão, e integrá-la à população e às ações realizadas em seu entorno. O conselho gestor deve ter a representação de órgãos públicos, tanto da área ambiental como de áreas afins (pesquisa científica, educação, defesa nacional, cultura, turismo, paisagem, arquitetura, arqueologia e povos indígenas e assentamentos agrícolas), e da sociedade civil, como a população residente e do entorno, população tradicional, povos indígenas, proprietários de imóveis no interior da UC, trabalhadores e setor privado atuantes na região, comunidade científica e organizações não-governamentais com atuação comprovada na região” (MMA, 2019a).

43 Segundo o MPF (BRASIL, 2014, p. 100), “as Câmaras Técnicas constituem uma estratégia para organizar o

trabalho do Conselho permitindo separar os assuntos de acordo com o interesse e a experiência dos conselheiros. Permitem o aprofundamento de estudos e a proposição da discussão de temas específicos”.

Destaca-se que a elaboração do termo de compromisso está em consonância com os objetivos do SNUC, uma vez que dentre eles encontra-se o de “proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e economicamente” (art. 4º, XIII). Além disso, também está em sintonia com as diretrizes que regem o SNUC (PINHA et al., 2015, p. 35). Nesse sentido:

Art. 5o O SNUC será regido por diretrizes que:

IX - considerem as condições e necessidades das populações locais no desenvolvimento e adaptação de métodos e técnicas de uso sustentável dos recursos naturais;

X - garantam às populações tradicionais cuja subsistência dependa da utilização de recursos naturais existentes no interior das unidades de conservação meios de subsistência alternativos ou a justa indenização pelos recursos perdidos (BRASIL, 2000).

Pelo conjunto de ideias expostas, o termo de compromisso é, atualmente, o meio pelo qual há a regulamentação da presença das comunidades nas Unidades de Proteção Integral, enquanto não sejam reassentadas. As condições que asseguram a permanência devem ser reguladas, de modo participativo, havendo disposições sobre técnicas e materiais para o uso dos recursos naturais, respeitando os modos de vida, os meios de subsistência e as moradias das famílias que se encontram em áreas em que suas presenças não sejam permitidas (PINHA et

al., 2015, p. 34).

Importante ressaltar a estreita relação que o termo de compromisso possui com o reassentamento (LINDOSO, 2014, p. 76), tendo em vista que regulamenta expressamente as condições de permanência das comunidades até que sejam reassentadas, como se infere do art. 39, do Decreto nº 4.340 de 2002 (grifo nosso).

Nesse contexto, o primeiro termo de compromisso foi firmado em 2007, com a comunidade tradicional do Sucuriju, na Reserva Biológica do Lago Piratuba (AP) (PINHA et

al., 2015, p. 37). De acordo com informações do MMA (2015, p. 47), a criação da Reserva

Biológica fez com que os pescadores tradicionais de Sucuriju agissem na ilegalidade, uma vez que continuaram a praticar a pesca, atividade da qual sobrevivem desde o século XIX. Por vinte anos tentou-se impedir a pesca, sem sucesso, intensificando os conflitos no local.

As tratativas para elaboração do acordo iniciaram em 2005 e perduraram por vinte meses. As negociações se deram em momentos distintos, quais sejam, em oficinas participativas, em assembleias comunitárias e em um evento formal para assinatura do documento (PINHA et al., 2015, p. 54). A implementação do termo de compromisso significou

um avanço na gestão, uma vez que houve a transformação do conflito em oportunidade para a conservação da natureza (PINHA et al., 2015, p. 54). No mais, as medidas de se definir técnicas tradicionais seletivas para pesca de pirarucu, tais como o arpão e a zagaia, contribuíram para que os moradores, até então vistos como ameaças, se transformassem em guardiões, impedindo que pescadores externos entrassem na área. De acordo com o monitoramento realizado, não houve diminuição do pirarucu (MMA, 2015, p. 47).

O termo de compromisso é considerado como uma inovação institucional, na medida em que a ideia do manejo adaptativo é incorporada no interior da unidade, além de viabilizar a construção de relações de confiança e parceria entre os gestores da unidade e a comunidade (LINDOSO, 2014, p. 157). Assim, há a possibilidade de aproximação entre o saber científico e o tradicional, corolário de uma sociedade que passa a reconhecer a importância da integração dos saberes locais para a conservação da natureza (LINDOSO; PARENTE, 2014, p. 114). Na Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins (EESGT), caso trabalhado pela autora Lílian de Carvalho Lindoso (2014, p. 114), por exemplo, foi regulamentado o uso de fogo, importante técnica tradicional para a manutenção dos recursos naturais do bioma local, no interior da Unidade de Proteção Integral por meio do termo de compromisso (LINDOSO, 2014, p. 114).

Não obstante se tratar de uma inovação institucional, uma vez que estabelece o reconhecimento mínimo de legitimidade das práticas tradicionais, como acima descrito, e de ser o instrumento próprio para retirar famílias locais de uma situação de ilegalidade involuntária, Lilian de Carvalho Lindoso (2014, p. 139) apresenta algumas limitações do termo de compromisso. No caso da EESGT, a autora afirma que o instrumento acaba limitando as atividades da comunidade e não resolve a situação, deixando os gestores em uma situação confortável, já que exercem o controle sobre o uso dos recursos e seus interesses conservacionistas ficam assegurados na negociação. Há, apenas, uma interrupção temporária do conflito.

Destaca-se, ainda, a vulnerabilidade dos termos de compromissos firmados, frente aos conflitos existentes nas unidades. Isso porque a decisão para elaboração do termo de compromisso é subordinada à vontade dos gestores e dirigentes que, dependendo da orientação ideológica, podem não ter interesse em dar seguimento às negociações (SIMON; MADEIRA FILHO; ALCÂNTARA, 2015, p. 8). Situação essa que aconteceu no Parque Estadual de Aparatos da Serra (RS), onde o diretor do ICMBio se recusou a finalizar a elaboração do termo de compromisso, mesmo após reuniões de composição com as comunidades inseridas no Parque e análise realizada pela procuradoria do ICMBio, simplesmente por não concordar com

a permanência das famílias no interior na unidade (SIMON; MADEIRA FILHO; ALCÂNTARA, 2015, p. 8).

Além do mais, os termos de compromisso são instrumentos bilaterais, ou seja, também estabelecem obrigações ao órgão gestor. Assim, pode haver certa resistência por parte do mesmo, considerando o surgimento de novas tarefas e esforços para as equipes, tais como o monitoramento, as rodas de debate, atividades lúdicas e interativas e assim por diante (PINHA

et al., 2015, p. 54). Desafios adicionais na administração podem gerar desconfortos e recusas.

Pelo conjunto de ideias apresentadas, infere-se que o termo de compromisso é um ato discricionário do gestor e dos dirigentes, restando submisso ao viés ideológico e à disposição desses. A depender da escolha da gestão, pode haver consequências ilógicas, como a perpetuação do conflito, a permanência da situação de ilegalidade das comunidades e o uso indiscriminado e não regulamentado dos recursos naturais, que se objetiva proteger.

Sem desconsiderar outras causas, dada a dimensão de complexidade do conflito, não é difícil imaginar que a pouca vontade dos gestores e dirigentes em firmar acordos seja uma realidade existente no Brasil. Segundo dados mais recentes extraídos da pesquisa realizada por analistas ambientais do ICMBio que atuam ou atuaram em distintas funções na COGCOT (MADEIRA et al., 2015, p. 12), até 2015 havia apenas oito termos de compromisso em implementação44. Observe-se a tabela abaixo:

Tabela 2 – Situação dos termos de compromisso

Fonte: José Augusto Madeira et al. (2015).

44 Entres os quais se destacam, por exemplo, os termos de compromisso implementados com os quilombolas, na

Reserva Biológica do Rio Trombetas (PA); com os “geraizeiros”, na Estação Ecológica da Serra Geral no Tocantins (TO); com as comunidades extrativistas, no Parque Nacional de Juruena (AM); com os ribeirinhos, no Parque Nacional do Jaú (AM); com os pescadores artesanais e agricultores familiares, na Reserva Biológica do Lago Piratuba (AP) (SIMON; MADEIRA FILHO; ALCÂNTARA, 2015, p. 8).

Nesse contexto, no dia 1º de outubro de 2018 foi celebrado termo de compromisso entre o MPF e o ICMBio, para definir diretrizes de atuação do conflito socioambiental, decorrente da regularização da área do Parque Nacional da Serra da Canastra. O objetivo é que o ICMBio apresente ao MPF um plano de trabalho de regularização da área do PNSC, ressalvadas aquelas ocupadas por povos tradicionais (cláusula primeira).

Menciona-se que restou à incumbência do ICMBio firmar, posteriormente, termos de compromisso com os proprietários dos imóveis incidentes na área não regularizada do PNSC, tanto os que não tenham sido reconhecidos como integrantes de povos tradicionais, quanto os que tenham sido reconhecidos. Em relação àqueles que não foram reconhecidos como membros de povos tradicionais, os “critérios de área passíveis de serem utilizadas, as atividades que serão permitidas, exigências, condicionantes e compensações ambientais” (item I, cláusula sexta) serão definidos nos termos de compromisso futuros, até que haja efetiva consolidação dominial da área.

Por outro lado, em relação aos proprietários que tenham sido reconhecidos como membros de comunidades tradicionais45, foram assegurados o respeito aos modos de vida e a

observância de normas específicas de proteção, até que se sobrevenha solução definitiva para o conflito. Veja-se:

I - O ICMBIO se compromete a firmar termos de compromisso com os proprietários de imóveis reconhecidos na perícia judicial como membros de população tradicional na área não regularizada do Parque Nacional da Serra da Canastra, respeitando os direitos que lhes são garantidos pela Convenção 169 da OIT (Decreto nº 5.051/2004), pela Convenção sobre a Diversidade Biológica (Decreto nº 2.519/1998), pela Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (Decreto Legislativo nº 485/2006), pela Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (Decreto nº 5.753/2006), pela Lei nº 9.985/2000, pelo Decreto nº 4.340/2002 e pelo Decreto nº 6.040/2007. O termo de compromisso será de longo prazo e renovável até que sobrevenha uma solução definitiva que leve em conta os interesses de conservação e os de respeito aos modos de vida das populações tradicionais (BRASIL, 2018, cláusula sétima, I).

Pode-se observar, portanto, que o tratamento conferido aos proprietários membros de comunidades tradicionais é um pouco mais favorável se comparado ao conferido aos demais proprietários. Esses devem ter suas atividades monitoradas até que sejam desapropriados, ao passo que aqueles devem ter respeitados os modos de vida.

Levando-se em conta o que foi exposto, embora o termo de compromisso não resolva o conflito socioambiental de modo definitivo, fato é que traz consequências importantes, já que

45 Em relação aos proprietários de imóveis não identificados na perícia judicial como membros de população

permite, ainda que temporariamente, a presença de povos tradicionais em Unidades de Proteção Integral. Com a regulamentação da situação, há melhorias na convivência entre os gestores e as comunidades, até que se encontre uma solução definitiva para o conflito.

Ressalte-se que o termo de compromisso pode ser interpretado como “um caminho de transição para que os direitos sejam de fato assegurados” (LINDOSO; PARENTE, 2014, p. 114). Por ser transitório, depende de uma “disposição institucional ou situação institucional mais favorável” (SIMON; MADEIRA FILHO; ALCÂNTARA, 2015, p. 8). É nesse sentido que o presente trabalho pretende contribuir, tendo em vista que sugere uma via alternativa, por meio da releitura do §1º, do art. 7º, da Lei do SNUC.

5.4 Sugestões conciliatórias entre os interesses de conservação cultural e ambiental: a