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16 A definição de índio ou silvícola aparece no ordenamento jurídico brasileiro no art. 3º, I, da Lei nº 6.001 de 19

de dezembro de 1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio e no art. 1º, item “b”, da Convenção 169 da OIT.

17 A definição de remanescentes das comunidades de quilombolas aparece no ordenamento jurídico brasileiro no

art. 2º do Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Compreendidos tais aportes basilares, passa-se, neste momento, a descrever as disposições e organizações da Lei do SNUC.

De fato, a Constituição Federal de 1988 foi um marco significativo das unidades de conservação no Brasil, pois, ao prescrever, no art. 225, a incumbência do Poder Público para definir espaços territoriais especialmente protegidos, deu ensejo à criação da Lei 9.985, de 18 de julho de 2000, que regulamenta aquele dispositivo constitucional e institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC (ANTUNES, 2010, p. 561).

Ressalta-se que a mencionada lei é significativa para o ordenamento jurídico brasileiro. A uma, porque foi o primeiro instrumento normativo que buscou precisar e catalogar as categorias de unidades de conservação, que até então eram confundidas entre si e sobrepostas (ANTUNES, 2010, p. 568). A duas, porque se apresentou como ferramenta de resgate de áreas que estavam degradadas e como mecanismo de fazer prosperar áreas que ainda se encontram saudáveis (MILARÉ, 2007, p. 697-698).

O conceito de unidade de conservação adveio apenas com a promulgação da Lei do SNUC (MILARÉ, 2007, p. 698). De acordo com o art. 2º, inciso I, da referida lei, entende-se por unidade de conservação o espaço territorial, bem como seus recursos, incluindo as águas jurisdicionais, que possuem relevância natural. As unidades de conservação são instituídas por meio de lei pelo Poder Público, havendo a delimitação do território, com objetivos de conservação. Tais áreas encontram-se sob um regime especial de administração, com meios apropriados para proteção.

Para que uma unidade de conservação se configure tanto jurídica quanto ecologicamente é essencial que haja, portanto, “a relevância natural; o caráter oficial; a delimitação territorial; o objetivo conservacionista; e o regime especial de proteção e administração” (MILARÉ, 2007, p. 698). O critério mais relevante é o da sustentabilidade do espaço natural em si, ou seja, a perpetuação dos sistemas vivos, de modo a manter o equilíbrio ecológico (MILARÉ, 2007, p. 699).

Desse modo, segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA, 2019), as unidades de conservação têm a função de preservar o patrimônio biológico do território nacional, assegurar amostras de diversas populações, habitats e ecossistemas tanto do território quanto das águas jurisdicionais.

Os objetivos do SNUC estão dispostos ao longo dos treze incisos, presentes no art. 4º, da lei em comento. Destacam-se alguns destes objetivos, quais sejam, a proteção de espécies ameaçadas de extinção, tanto no âmbito nacional quanto regional; a contribuição para a

preservação e restauração da diversidade dos ecossistemas naturais; a proteção e recuperação de recursos hídricos e do solo; e a recuperação e restauração de ecossistemas degradados.

As diretrizes do SNUC estão previstas no art. 5º. São algumas delas: assegurar as ferramentas e métodos necessários ao envolvimento da sociedade na estipulação e na revisão da política nacional de unidades de conservação; participação das comunidades locais na criação, implantação e gestão das unidades; outorgar autonomia administrativa e financeira, quando possível às unidades; assegurar a representatividade de amostras significativas de diversas populações, habitats e ecossistemas do território nacional e das águas jurisdicionais; e assegurar a sustentabilidade econômica das unidades.

A estrutura do SNUC é semelhante à do SISNAMA (MILARÉ, 2007, p. 701). Nos termos do art. 6º da Lei do SNUC, os órgãos de gestão encontram-se distribuídos em três níveis de encargos. O primeiro nível é formado pelo órgão consultivo e deliberativo, ou seja, pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), responsável por acompanhar a implementação do SNUC. O segundo nível consiste no órgão central, isto é, no Ministério do Meio ambiente (MMA), que apresenta como escopo coordenar o SNUC. Por fim, no terceiro nível, aparecem os órgãos executores, sendo eles o IBAMA e o ICMBio, e, em caráter supletivo, os órgãos estaduais e municipais, com a atribuição de efetivar o SNUC, subsidiar as propostas de criação e gerenciar as unidades de conservação, em suas respectivas esferas de atuação.

As unidades de conservação, segundo a Lei nº 9.985, dividem-se em dois grandes grupos: Unidade de Proteção Integral e Unidade Uso Sustentável. Esses grupos possuem características específicas, para melhor atender os objetivos preconizados pela lei (ANTUNES, 2010, p. 565).

De acordo com o §1º, do art. 7º, o objetivo primordial das Unidades de Proteção Integral é preservar a natureza, admitindo-se apenas o uso indireto dos recursos naturais, ou seja, o uso que não envolva consumo, coleta, dano ou destruição desses recursos (art. 2º, IX). Já o objetivo substancial das Unidades de Uso Sustentável, de acordo com o §2º, do art. 7º, é harmonizar a conservação da natureza com o uso sustentável dos recursos naturais. Por uso sustentável, entende-se aquele em que a exploração é feita de modo a assegurar a perenidade dos recursos naturais renováveis, em que a biodiversidade e outros atributos biológicos são mantidos (art. 2º, XI).

De acordo com o art. 8º, da Lei do SNUC, o grupo das Unidades de Proteção Integral é constituído por cinco categorias de unidade de conservação, sendo elas: a Estação Ecológica, a Reserva Biológica, o Parque Nacional, o Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre. Já o grupo das Unidades de Uso Sustentável, conforme o art. 14 da mesma lei, é composto por sete

categorias de unidade de conservação, quais sejam: Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural.

Segundo dados do Cadastro Nacional das Unidades de Conservação (CNUC, 2019), aproximadamente 18% da área continental e 26% da área marinha do território nacional estão protegidas pelas unidades de conservação. Há 2.309 unidades no total, sendo 742 Unidades de Proteção Integral18 e 1.56719 da categoria Uso Sustentável. Observe-se os gráficos abaixo:

Gráfico 1 – Dados das Unidades de Proteção Integral

Fonte: CNUC (2019).

18 Correspondendo a aproximadamente 6% da área continental e 3% da área marinha, com área total protegida de

662,176.41 km² (CNUC, 2019).

19 Correspondendo a aproximadamente 12% da área continental e 23% da área marinha, com área total protegida

Gráfico 2 – Dados das Unidades de Uso Sustentável

Fonte: CNUC (2019).

A presente pesquisa debruça-se sobre as Unidades de Proteção Integral, motivo pelo qual será este o grande grupo abordado adiante.

2.5.1 Unidades de Proteção Integral

As Unidades de Proteção Integral possuem normas limitativas, tendo em vista que o seu objetivo primordial é de preservar a natureza, sem a interferência humana direta (MILARÉ, 2007, p. 704). Nesse grupo é permitido somente o uso indireto dos recursos naturais, sendo permitidas, apenas a título ilustrativo de atividades de uso indireto, a recreação e educação em contato com a natureza, o turismo ecológico e a pesquisa científica (MMA, 2019).

Como explicado na seção anterior, há cinco categorias de unidade de conservação que compõem o grupo de proteção integral (art. 8º, da Lei do SNUC), as quais se passa a descrever, em breves linhas.

As estações ecológicas são áreas destinadas à pesquisa científica e à preservação da natureza, de acordo com o art. 9º da mencionada lei. Segundo dados atualizados em julho de 2019, do Cadastro Nacional de Unidade de Conservação (CNUC, 2019), há 95 Estações Ecológicas no território nacional (incluindo federais, estaduais e municipais), citando como exemplos, extraídos do observatório de unidade de conservação (2019), a Estação Ecológica do Tripuí (MG), a Estação Ecológica da Ilha do Mel (PR) e Estação Ecológica do Grão Pará (PA). A Reserva Biológica, nos termos do art. 10, consiste em uma área natural destinada a preservação integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus contornos. Não é permitida interferência humana direta ou modificações no ambiente, com exceção de medidas de recuperação de ecossistemas alterados, e ações necessárias para preservar o equilíbrio natural. Há 64 Reservas Biológicas, ao todo, no Brasil (CNUC, 2019), entre as quais se destacam a Reserva Biológica Atol das Rocas (RN), da Mata Escura (MG) e das Araucárias (PR), exemplos extraídos do observatório de unidade de conservação (2019).

Conforme o art. 11, o objetivo dos Parques é a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, sendo permitidos na área dos Parques a pesquisa científica, o ecoturismo e atividades de educação e interpretação ambiental em contato com a natureza. O Parque Nacional de Yellowstone (EUA) foi o primeiro, em nível mundial, a ser criado. No Brasil, o primeiro Parque Nacional criado foi o de Itatiaia, em 1937, no estado do Rio de Janeiro (MILARÉ, 2007, p. 706), com o objetivo de oferecer lazer às populações urbanas e incentiva a pesquisa científica (DIEGUES, 2001, p. 116).

Há no território brasileiro 455 Parques nos níveis federais, estaduais e municipais (CNUC, 2019), entre os quais se destacam como exemplos extraídos do observatório de unidade de conservação (2019), os Parques Nacionais da Chapada das Mesas (MA), da Chapada dos Veadeiros (GO) e o Parque Estadual da Ilha Anchieta (SP).

Os Monumentos Naturais, segundo o art. 12, consistem em áreas destinadas à preservação de sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica, podem ser constituídos por áreas particulares (§1º). Existem 56 Monumentos Naturais no Brasil, incluindo federais, estaduais e municipais (CNUC, 2019). Entre eles se destacam o Monumento Natural das Árvores Fossilizadas (TO) e do Rio Formoso (MS).

O Refúgio da Vida Silvestre, por sua vez, consiste no espaço destinado à proteção de ambientes naturais com o objetivo de assegurar condições para existência ou reprodução de espécies da fauna residente ou migratória e da flora local, como se extrai do art. 13. Ele pode ser constituído por áreas particulares (§1º). Há no território nacional 72 Refúgios de Vida Silvestre, nos níveis federais, estaduais e municipais (CNUC, 2019), sendo o Refúgio de Vida

Silvestre de Corixão da Mata Azul (MT) e o Refúgio de Vida Silvestre de Una (BA) alguns exemplos retirados do observatório de unidade de conservação (2019).

3 DESVELANDO A RAZÃO DE SER DAS UNIDADES DE PROTEÇÃO INTEGRAL

Feitas a contextualização e sistematização da Lei nº 9.985, passa-se a analisar a razão de ser das Unidades de Proteção Integral, que se dará sob o enfoque relacional ser humano- natureza, notadamente de que modo houve a separação homem-natureza, a autoproclamação da superioridade em relação aos demais seres e a autoridade do ser humano sobre as outras formas de vida, perpassando pelo modelo religioso judaico-cristão, pelo domínio da natureza por parte da ciência e a criação do artifício pela tecnologia.

Adotar-se-á a dicotomia que há entre ser humano e natureza como base para compreensão da exploração dos recursos naturais e a pressão sofrida nas áreas ainda preservadas, que culminaram na criação de espaços protegidos, sem interferência humana direta. Será desenvolvida, também, a ideia dos mitos de uma natureza intocada, para melhor entendimento sobre a razão de ser da institucionalização de áreas protegidas não-habitadas.