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Comparabilidade entre empresas associadas e não associadas – o regime

CAPÍTULO V As Decisões da Comissão Europeia: Análise Crítica

1.2 A identificação errónea do sistema de referência

1.2.1 Comparabilidade entre empresas associadas e não associadas – o regime

De acordo com a lei em vigor antes da implementação do regime

“groepsrentbox” nos Países Baixos, quando num contexto de grupo uma empresa

procedia a uma injeção de capital numa outra empresa do grupo, esta recebia a título de remuneração dividendos, que se encontravam isentos de imposto sobre as sociedades, ao abrigo das regras que isentam as participações. Por outro lado, no caso de a mesma empresa conferir um empréstimo em vez da injeção de capital, os juros auferidos como remuneração desse mesmo empréstimo estariam sujeitos à taxa normal de imposto (à data de 25,5%). Já ao nível da empresa que recebia o capital, os juros pagos por um empréstimo eram considerados dedutíveis, ao passo que o pagamento de dividendos ao acionista não.

O regime neerlandês groepsrentebox previa assim uma redução do imposto sobre os juros recebidos ou pagos no contexto de financiamentos intragrupo (designadamente, uma taxa especial de 5%), bem como novas regras sobre a sua dedutibilidade, sendo que a medida visava reduzir as diferenças no tratamento fiscal entre dois instrumentos de financiamento intragrupo, i.e., participação no capital e crédito, garantindo que o método de financiamento utilizado num contexto de grupo é principalmente determinado por critérios económicos. O regime em causa pretendia no fundo introduzir um certo nível de neutralidade fiscal nestas operações.

A Comissão decidiu iniciar o procedimento de investigação ao regime por ter tido dúvidas a respeito do caráter geral do mesmo, uma vez que só as empresas integradas num grupo poderiam beneficiar da redução do imposto prevista pelo regime em causa, e não as empresas não integradas, pelo que a medida era suscetível de favorecer seletivamente os grupo multinacionais.226

No entanto, após uma análise mais aprofundada do regime em causa, a Comissão acabou por considerar que “a vantagem conferida a uma sociedade que conceda um empréstimo a uma sociedade associada não pode ser considerada discriminatória, uma

vez que não se pode comparar um empréstimo a uma sociedade associada com um empréstimo a uma sociedade não associada”, acabando assim por concluir que “no que respeita às atividades de financiamento através de crédito, as sociedades associadas não estão numa situação jurídica e factual comparável à das sociedades autónomas”.227

De acordo com a Comissão as sociedades associadas, ao contrário das autónomas, ao obterem um financiamento, não estariam no âmbito de uma operação meramente comercial, uma vez que a empresa-mãe e a filial partilham dos mesmos interesses, o que não aconteceria numa operação estritamente comercial com um terceiro (financiador), em que cada parte tentaria maximizar os seus lucros à custa da outra. É difícil discordar da Comissão quanto a este ponto, e embora possamos considerar outros motivos para a não aplicação do regime geral de tributação enquanto sistema de referência, estender o significado e o contexto da decisão da Comissão quanto ao regime “groepsrentebox” para os casos dos APPT parece-nos forçoso.

No entanto, ainda no contexto desta decisão é interessante verificar o tom bastante mais “brando” na argumentação da Comissão, que acaba mesmo por relembrar que as taxas do imposto sobre as sociedades não estão harmonizadas na UE, e os Países Baixos não controlam as taxas aplicadas pelos outros países. Se as empresas conseguem beneficiar da diferença entre as taxas fiscais, isto é, da falta de harmonização, os Países Baixos não são responsáveis por isso.

Talvez a atual postura mais agressiva da Comissão em relação aos Estados- Membros se deva aos recorrentes escândalos financeiros, ou talvez à teimosia de alguns Estados-Membros em manterem práticas claramente contrárias a princípios básicos vigentes na União, facto é que a mudança de postura é bastante clara.

1.2.2 A comparabilidade entre as sociedades residentes e não residentes – o Caso

Royal Bank of Scotland

Outro argumento utilizado, em particular pela Irlanda e pela Apple nas suas defesas, é o de que as sociedades residentes e não residentes não se encontram numa

227 Comissão Europeia, decisão relativa ao auxílio estatal concedido à Apple (2016), para. 228, e decisão

situação factual e jurídica comparável, uma vez que uma sociedade residente está sujeita a imposto sobre o seu rendimento a nível mundial, ao passo que uma sociedade não residente, como a ASI e a AOE, apenas estariam sujeitas a tributação sobre o rendimento comercial direta ou indiretamente obtido por intermédio, ou a partir, de uma sucursal ou agência irlandesa.228

A Comissão, por seu lado, refere que apesar de aceitar aquela distinção, não considera que a mesma justifique a identificação de um sistema de referência distinto do regime normal de tributação das sociedades na Irlanda.

Para fundamentar o seu ponto de vista, a Comissão cita o Caso Royal Bank of

Scotland, que opunha o banco que deu nome ao caso ao Estado helénico devido à

imposição de uma taxa de imposto sobre o rendimento das sociedades mais gravosa (de 40%) para os bancos estrangeiros que desenvolvessem atividades na Grécia através de sucursais do que para os bancos com sede naquele Estado-Membro (de 35%).

Na sua decisão o TJUE considera que para determinar se uma diferença de tratamento fiscal como a do caso em apreço era discriminatória, e como tal, incompatível com o direito da União, era necessário aferir se, para efeitos da tributação dos lucros realizados naquele Estado-Membro, uma sociedade com sede no mesmo, por um lado, e uma sucursal de uma sociedade com sede noutro Estado-Membro, por outro, se encontram numa situação objetivamente comparável.229

A conclusão final do Tribunal é de que embora seja inegável a diferença entre a obrigação fiscal ilimitada das sociedades residentes e a obrigação fiscal limitada das sucursais, essa “circunstância, que resulta da soberania fiscal limitada do Estado onde se situa a fonte do rendimento em relação à do Estado da sede da sociedade, não é suscetível de impedir que se possam considerar as duas categorias de sociedades,

228 Comissão Europeia, decisão relativa ao auxílio estatal concedido à Apple (2016), supra n. 6, para. 236. 229 TJUE, Acórdão de 29 de Abril de 1999, Royal Bank of Scotland (C-311/97), ECLI:EU:C:1999:216,

mantendo-se o resto igual, como estando numa situação comparável no que diz respeito ao modo de determinação da matéria coletável”.230