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4. Análise da experiência do ateliê na perspectiva dos alunos

4.2. Compartilhar

Um dos trabalhos que Paula e Bruno trouxeram foi da exposição Todos os Cantos de dezembro de 2006. Esse trabalho foi muito significativo por ter sido o primeiro trabalho que foi elaborado por eles para que o vidente compreendesse seu universo. O trabalho foi baseado nas suas experiências perceptivas sobre o mundo. Na sala do ateliê montaram vários cantos, onde cada um tinha um significado. Em cada canto queriam mostrar algum sentimento, ou como eles percebiam o mundo. O primeiro canto era o canto do medo. Escolheram máscaras de bruxas, teias de aranha artificial, modelos de borracha de insetos, caveira de borracha. Além disso, selecionaram as músicas que compuseram a trilha sonora dos cantos. Havia ainda o canto das pessoas especiais, canto das alegrias, canto de como sentimos e o canto das lembranças.

Figura 33: Imagens da exposição, Todos os Cantos.

Descrição da figura: Seis fotos da exposição: Superior esquerdo: Canto do medo. Centro superior:

Canto das pessoas especiais; Superior direito: Canto das Alegrias; Inferior esquerdo: Canto das alegrias. Inferior central: Como sentimos; Inferior direito: Lembranças (fotos Ana Carmen Nogueira)

Paula - Significou bastante os cantos que nós fizemos. Os cantos dos medos, os cantos das pessoas especiais das nossas vidas. Lembramo-nos das músicas que marcaram a infância, das pessoas que marcaram a infância. Nossa aquele ano significou bastante para mim aquela apresentação Dos cantos. As pessoas especiais...

AC- Foi a primeira apresentação que a gente fez. Vocês que fizeram para apresentar para as pessoas do jeito que vocês sentiam. As pessoas tinham que estar cegas também, não é?

Paula – É tinham. Foi muito legal, porque deu para perceber que as pessoas gostaram do que estava acontecendo. A primeira vez que fizemos uma apresentação dos trabalhos foi em julho de 2006. A exposição Todos os Cantos foi a segunda, em dezembro de 2006. A primeira nós estávamos presos, nesta não, estávamos soltos. Nós corremos atrás de tudo.

Bruno - Na primeira apresentação que tinha aquela música do eco, das taquaras. Cada canto tinha um desenho, se eu não me engano. Não desenho, não. Acho que a gente pegou uns bonecos e montou em um canto. Canto do medo, canto de coisas assim, canto das coisas que a gente gosta. O canto do medo tinha uma caveira, não é? Tinha umas caveirinhas, eu acho que eu me lembro do canto do medo. Eu me lembrei de uma coisa. Tinha teia. A gente fez com cola, a teia? Foi bom mostrar os trabalhos, porque, assim as pessoas veem que podemos fazer as coisas. E daquela apresentação para frente só foi melhorando. Nós temos capacidade para conseguir nosso objetivo.

Bruno e Paula ressaltaram a importância de compartilhar seus conhecimentos e descobertas com as outras pessoas como uma maneira de demonstrar suas capacidades e em contrapartida receberem o reconhecimento da sociedade como pessoas além de suas deficiências.

Compartilhar é partilhar algo com alguém.

Larrosa (2001, p. 27), diz “O saber de experiência se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana”. Compartilhamos o nosso modo de estar no mundo, ao compartilharmos nosso conhecimento de mundo com o outro, devemos estar abertos ao conhecimento, devemos caminhar juntos, criar oportunidades para novas experiências. Devemos, como sugere Paulo Freire (1996) compartilhar a parceria como instigadores, curiosos e inquietos.

Vimos em Vygotski (1997) que para a pessoa cega, a falta da visão perturba o curso normal do contato com a cultura de seu meio. O que torna uma pessoa cega, ou com baixa visão, deficiente, é sua exclusão da sociedade, do mundo cultural, do convívio com os outros.

Outra lembrança comum e também bastante importante foi o projeto "Egito Antigo" (2007). Para ambos o projeto Egito Antigo foi um momento de homenagem e de bastante conhecimento e descobertas. A questão da mortalidade surgiu pela grande dificuldade e o sentimento de desolação diante da morte que os jovens tinham. Fizemos um estudo sobre o Egito Antigo com o texto “A Questão da Imortalidade: Tesouros do Egito Antigo” baseado no Family Guide to The Quest for Immortality Treasures of Ancient Egypt - National Gallery of Art, Washington.

Durante o processo de elaboração do conhecimento do Egito Antigo, criaram o seu próprio Egito, sua mitologia e assim compreenderam o mundo ao redor e o ser

humano. Os jovens partiram de estudos teóricos, elaboraram as informações e as transformaram. Além disso, tiveram a possibilidade de compartilhar conhecimento e

emoções com outras pessoas. Como diz Vygotski (1997, p.110), o cego supera sua

deficiência pela compensação social por meio da linguagem, por meio da comunicação com o vidente, pela observação, análise e compreensão das diferenças.

Paula - Mas eu também gostei do Egito. Porque depois eu pude colocar para fora tudo o que eu estava sentindo, da tristeza da morte da minha avó. Eu fiz a múmia dela. Eu achei lindo esse trabalho que eu fiz. Eu gostei muito e, gostei muito também, que o Bruno e o Ricardo gostaram da minha ideia e o legal é você dividir experiências com as pessoas. O Bruno e o Ricardo na época também tinham perdido pessoas queridas. Então pude compreender que não era só eu que sentia aquela tristeza com a perda de uma avó. Então, aquela apresentação também foi maravilhosa.

Bruno - Um dia eu fiz um trabalho que eu recordei da minha avó. Eu lembro até que eu trouxe uma letra das músicas que ela gostava que era Roberto Carlos. A gente estudou os deuses. O Rá que era o sol, que de manhã ele nascia, criança, por volta de meio dia ele era adulto, e a tarde ele ficava velho. Tinha que enfrentar uma serpente. Ele morria, tinha que pegar um barco para renascer de novo. Foi muito legal ter estudado os deuses. Tinha a deusa do inferno que eu esqueci o nome. Maat, que ela ia pesar o coração de quem morria. Se ficasse maior que a balança dela, ela devorava a pessoa.