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Lygia Clark: a arte como vida, a vida como arte

2. O ateliê: percurso do contato do cego com arte

2.2. Lygia Clark: a arte como vida, a vida como arte

As questões estéticas levantadas pelos movimentos artísticos do início dos anos de 1950 ofereciam caminhos interessantes e acessíveis aos nossos alunos. Esses movimentos artísticos, que atuavam principalmente no eixo Rio - São Paulo, tinham como ideologia o desenvolvimento cultural da América Latina. A estética adotada era a do concretismo, que acreditava na arte não figurativa, abstrato- geométrica.

O Grupo Frente foi fundado por Ivan Serpa em 1954. Faziam parte do grupo Aloísio Carvão, Lygia Clark, João José da Silva Costa, Vincent Ibberson, Lygia Pape, Carlos Val, Décio Vieira, Abraham Palatnik e Hélio Oiticica. Esse grupo, junto com o Grupo Ruptura, de São Paulo, representava a vanguarda construtivista no Brasil.

O construtivismo trouxe as primeiras formulações de ruptura com os esquemas da arte dominantes no Brasil. Brito (1999) nos informa que, até então, a arte moderna no Brasil não havia compreendido os efeitos do cubismo e suas repercussões. Pintores como Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e Portinari são na

verdade pré-cubistas que incorporaram alguns elementos do cubismo em sua obra. Esses artistas ainda estavam presos aos antigos esquemas de representação.

A arte moderna começa com a ruptura do espaço organizado a partir da perspectiva e segue como uma constante interrogação sobre a natureza da relação quadro/realidade. Cézanne levado adiante pelos cubistas é um questionamento dessa relação e funda uma nova posição do artista ante o quadro (BRITO, 1999, p. 35).

Esse autor segue informando-nos que, ao se romper com os esquemas tradicionais de representação, a arte moderna desloca o eixo de observação sujeito- artista, alterando-o da arte-realidade para artista-arte. No Brasil, foi a vanguarda construtivista quem entendeu os conceitos fundamentais da arte moderna, e a partir destes conceitos produzem os discursos concretos e neoconcretos com a intenção de levá-los para frente. Querem levar à frente o trabalho de Maliêvitch, Mondrian e Max Bill.

Figura 5: Unidade Tripartida, 1948/49 de Max Bill.

Descrição da figura: Unidade Tripartida, 1948/49 de Max Bill. Premio da Primeira Bienal

Internacional de São Paulo, em 1951. É uma escultura em forma de uma Fita de Moebius feita em aço inoxidável. A Fita de Moebius é um espaço topológico obtido pela colagem das duas extremidades de uma fita, após efetuar meia volta numa delas. A topologia é um ramo da matemática que estuda as características do espaço como convergência, conexidade e continuidade. Recebeu esse.nome dado em homenagem ao matemático alemão August Ferdinando Moebius (1790-1868) que estudou este objeto.

A arte concreta dos anos 1940-1950 tinha de ser racionalista, objetiva, deveria privilegiar os procedimentos matemáticos e se integrar à sociedade, explica Britto (1999). Assim, o artista era um pesquisador de formas que seriam aproveitadas na indústria. A arte concreta queria atingir a coletividade indistintamente.

Britto (1999) diz que, no Brasil, o concretismo buscava as bases para a pesquisa artística:

como o concretismo suíço era mais ou menos “cientificista”, não só a sua idéia de percepção visual e do campo óptico já estava informada pela teoria da Gestalt e suas leis como a concepção implícita em seu processo de produção se aproximava metaforicamente dos procedimentos colocados em prática pela ciência e pela tecnologia (BRITTO, 199, p. 39).

A arte concreta queria extrair o conteúdo da obra de arte. Os artistas concretistas propunham que fosse extraído qualquer tipo de mensagem. Deveria ser extraído qualquer tipo de subjetividade em favor da comunicação pela percepção visual. A arte estava baseada no pensamento matemático, e voltada para uma linguagem universal, o que acabou restringindo seu vocabulário plástico a formas geométricas.

Já os neoconcretistas queriam trazer de volta o experimentalismo e a subjetividade na arte por meio “da efetiva participação do público no processo de criação e na manipulação de objetos interativos” (PÁSCOA, 2005, p. 8).

Segundo Britto (1999), o ponto central da polêmica criada entre os concretistas e os neoconcretista gira em torno da linguagem (visual-literária).

Passou-se da semiótica saxônica (Peirce) e da teoria da informação (Nobert Wiener) para uma filosofia mais especulativa (Merleau-Ponty e Susanne Langer); passou-se do âmbito da rigorosa manipulação de elementos discretos para uma área que, sem renegar de todo esses postulados, recolocava questões ontológicas no centro das teorizações sobre linguagem (BRITTO, 1999, p. 55).

As críticas dos neoconcretistas aos concretistas são similares às criticas de Merleau-Ponty à teoria Gestalt, continua esse autor. A teoria Gestalt não conseguia “extrair todas as consequências conceituais de suas próprias descobertas científicas” (BRITTO, 199, p. 56). No neocroncretismo, encontramos uma crítica ao pensamento mecanicista em arte, mas não aos procedimentos tidos como mais abertos, tais como as pesquisas da geometria não euclidianas, como a Fita de Moebius.

Britto (1999) segue em sua comparação entre os dois movimentos irmãos, esclarecendo que no concretismo o ser humano era incluído como agente social e econômico, enquanto que o neoconcretismo colocava o ser no mundo e pretendia pensar a arte nesta inter-relação.

Em meio a tudo isso, podemos notar que Lygia Clark possuía pensamentos próprios na maneira de elaborar e viver arte.

Nunca fui considerada pintora concreta ortodoxa. Fiz parte de grupos para depois ajudar a rompê-los; o que eu queria era outra espécie de comunicação. Comecei a observar que a maneira de perceber uma obra concreta era dentro do que eu chamava de tempo mecânico. Fiquei preocupada em expressar um outro tempo que eu chamei depois de orgânico. Menos perceptivo, mas um tempo vivencial. Era como se o gráfico da visão da forma seriada dos concretos fosse percebida com o olho através deste desenho e o que eu propunha era que olho se abrisse e que o espectador penetrasse no espaço e fosse penetrado por ele (ROLNIK, 1999, p. 33 [manuscrito s/d, in Arquivo L. Clark]).

Essa artista se recusava a ser catalogada segundo movimentos estéticos ou estilísticos, pois tinha necessidade de desenvolver uma poética de “desrepresentação, de superação dos suportes, de deslocamento do privilégio do olhar para uma ampla percepção sensorial, de integração do corpo na arte e da arte no corpo coletivo” (Milliet, 1992, p. 14).

Nada está pronto, formula Merleau-Ponty (2004). É preciso olhar o mundo como se tudo estivesse por ser feito. É preciso despertar o corpo para os outros corpos, e é nessa realização contínua que iremos compreender o mundo.

É preciso que com meu corpo despertem os corpos associados, os “outros”, que são meus congêneres, como diz a zoologia, mas que me freqüentam, que freqüento, com os quais freqüento um único Ser atual, presente, como animal nenhum freqüentou os de sua espécie, seu território ou seu meio (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 14-15).

Assim como Merleau-Ponty, Lygia tem grande interesse nas associações dos corpos, nos processos que vão surgindo durante a sua ação criadora e na descoberta da interação com outros corpos. Milliet (1992) opina que, em Clark, a atividade criadora está completamente ligada à sua vivência, ao ser no mundo. Sua constante busca a leva a uma sequência lógica e orgânica, onde cada etapa antevê a próxima.

Lygia Clark, com suas inquietações, foi a porta de entrada para a compreensão e desvelamento de sua obra. Lygia apresenta uma lógica nos processos de criação que tem início na Quebra da moldura e nas Linhas orgânicas, obras de sua autoria que dividem os planos e cores, e se transformam em

Superfícies Moduladas. Estas ganham dobras sobre si, criando espaço interno,

destacando-se da parede e rompendo os limites da tela. São os Casulos, e neles se desenvolvem os Bichos, com suas articulações, que se propõem a serem tocados e

transformados por quem os observa. Os Trepantes são uma decorrência dos Bichos, só que agora não possuem mais articulações: são chapas de metal que precisam estar enroscadas em algum objeto. As Obras Moles são uma variante dos

Trepantes, feitas de borracha, e abraçam os corpos. Desta sensação da obra com o

corpo, Lygia inicia sua pesquisa dos materiais e das sensações provocadas por eles, criando um diálogo entre a obra e o corpo. São os Objetos Relacionais.

Maluf (2007, p. 26) observou que as obras de Lygia possuem certa continuidade no desenvolvimento e compreensão do pensamento fenomenológico.

Passando de nomes que se referiam estritamente à construção espacial da obra (Superfícies Moduladas, Espaços Modulados, Contra-relevos) para títulos que se referiam a elementos da natureza (Ovo, Casulos, Bichos) até chegar a uma nomenclatura viva, “em processo”, que fazia alusão à ação e à continuidade (Caminhando, Respire Comigo, Diálogo, Objetos Relacionais).

Essa trilha traçada por Lygia, sua procura por um diálogo com o espectador e a absorção deste para dentro da obra conduziu-nos para uma abertura para o que não éramos nós, e a um distanciamento de nós mesmos. A cada trabalho, a cada obra, cada expressão nos levava a coisas já vividas, abrindo-nos para um novo modo de perceber o mundo, provocando novas inquietações. São experiências, mutações, experimentações, invenções, um movimento incessante que conduz essa artista.

Exercendo a experimentação como disciplina do não conformismo, do estiramento de limites, realiza não apenas o já aceito, o reconhecível, mas ousa o transbordamento da arte para a vida, atingindo o “singular estado da arte sem arte” (Milliet, 1992, p. 15).

Assim como Lygia, partimos para nossas experimentações do sujeito para o objeto. Do estar em um local para a exploração das superfícies. Do concreto para o abstrato, da arte para a não arte. Percursos, processos e explorações que evidenciam o interesse de Lygia e que Maluf (2007) apresenta como sendo o interesse de toda a vida de Merleau-Ponty, traçando um paralelo entre os dois. Segundo essa pesquisadora, Merleau-Ponty tinha grande interesse em acompanhar como o ser humano compreendia o mundo, como ocorria o processo da criação artística, como se dava o contato das pessoas com a obra de arte e com o mundo. O interesse de Merleau-Ponty era na questão da experimentação e na experiência,

pois neles os resultados não estão prontos, existe uma instabilidade onde tudo pode mudar.

O mundo não é um objeto do qual possuo comigo a lei de constituição; ele é o meio natural e o campo de todos os meus pensamentos e de todas as minhas percepções explícitas. A verdade não habita apenas no “homem interior”18, ou antes, não existe homem interior, o homem está no mundo, é no mundo que ele se conhece (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 6).

Lygia queria sua obra no mundo, como o homem estava no mundo, e desta forma eles se reconheceriam. E assim fizemos dentro do ateliê, sua obra mostrou-se viva e desencadeou novas percepções e inquietações. Em toda sua trajetória, Clark queria incluir o espectador em sua obra, queria que ele saísse de sua posição contemplativa e participasse da obra.

Com independência, Lygia adere ao movimento concreto, elaborando pinturas geométricas que exploravam as possibilidades compositivas do plano e espaço.

Em relação à questão sobre o espaço, Farina (2005) informa-nos que as questões levantadas pela Fita de Moebius influenciaram um grande número de artistas do século XX, como M.C. Escher, Brancusi e Lygia Clark.

Figura 6: Fita de Moebius em xilogravura de M.C. Escher 196119.

Descrição da figura: Fita de Moebius em xilogravura de M.C. Escher 1961. A xilogravura é um

processo de gravação em relevo que utiliza a madeira como matriz e possibilita a reprodução da imagem gravada sobre papel ou outro suporte adequado. Essa gravura possui duas cores, verde e vermelha. A fita de Moebius tem a propriedade de ter apenas um lado e uma borda. Se rastrear o caminho da fita irá perceber que está caminhando sempre do mesmo lado.

Farina (2007, p. 153, tradução nossa) explica que a Fita de Moebius, tira bidimensional com uma volta no meio,

18

“In te redi; in interiore homine habitat veritas.” Santo Agostinho.

19 Disponível em: http://nuclear-imaging.info/site_content/2009/02/03/moebius-mobius-strip-in-art-and- culture/. Acesso em 15/09/2010

[...] torce a imagem convencional do espaço colocando em paradóxica comunicação o dentro e o fora. Interior e o exterior passam a ser dimensão de um mesmo espaço, propriedades do espaço no qual se constitui um pensamento e uma estética. A fita de Moebius coloca em cena a torção da direção do sensível do século XX, tanto no campo discursivo como no estético20.

Esse novo olhar provocado pela Fita de Moebius promove práticas estéticas agora preocupadas com espaço, forma, abertura de limites, gesto e pensamento do espectador. Essa nova direção leva a arte à procura de um novo pensamento, que vai ligar a arte com a vida, e as práticas estéticas à composição pensamento-vida

(FARINA, 2005).

Em Lygia, encontramos na obra Caminhando (1963) seu momento de exploração desse novo espaço proposto pela Fita de Moebius. Nesta obra, o objeto deixa de possuir valor estético para oferecer vivências. A obra desmaterializa-se e fica concentrada na ação do espectador.

A seguir, podemos constatar essa desmaterialização e a interação do espectador com a proposta da artista, em workshops que oferecemos a professores em diferentes ocasiões.

Figura 7: Fotos do workshop Lygia Clark para professores (fotos: Ana Carmen Nogueira).

Descrição da figura: Fotos do workshop Lygia Clark para professores (fotos: Ana Carmen Nogueira).

São três fotos. Foto 1 à esquerda mostra uma pessoa cortando uma Fita de Moebius seguindo à proposta da artista Lygia Clark na obra “Caminhando”. Foto 2, centro. Apresenta a mão de uma pessoa segurando o resultado do recorte da Fita de Moebius. Foto 3, direita. Resultado sobre a ação do recorte na Fita de Moebius.

Com esse trabalho, Lygia auto intitula-se “propositora”, mostrando o processo de desestruturação das artes e transgressões que vivia essa artista.

“Caminhando” é o nome que dei à minha última proposição. A partir daí, atribuo uma importância absoluta ao ato imanente realizado pelo participante. O “Caminhando” tem todas as possibilidades ligadas à ação em si: ele permite a escolha, o imprevisível, a transformação de uma virtualidade em um empreendimento concreto (CLARK, 1964, s/n).

20 La cinta de Moebius tuerce la imagen convencional de espacio, poniendo en paradójica

comunicación el dentro e el afuera. Interior y exterior pasan a ser dimensiones del mismo espacio, propiedades del espacio en el cual se constituye un pensamiento y una estética. La cinta de Moebius escenifica la torsión en el régimen de lo sensible del siglo XX, tanto en lo que se refiere al terreno discursivo como al estético.

É o ato do participante que fará com que a obra se realize. A arte não é mais durável, ela é um processo de realização. Modificam-se os sistemas de comunicação artística, as galerias e museus já não comportam as ações. É necessária a abertura de novos canais de comunicação. O produto final já não importa, o que importa são os processos. Esse momento radical de Lygia já era sentido, de maneira sutil, nas suas primeiras obras de 1954, nas quais a artista queria fazer com que o espectador entrasse na obra.

Toda a minha pesquisa começou, quando descobri a linha que aparece quando duas superfícies planas e da mesma cor são justapostas, esta linha não aparece quando as duas superfícies são de cores diferentes (CLARK 1954, s/n).

A linha orgânica foi uma descoberta que estruturou toda a obra de Lygia, transformando o espaço e abrindo caminho para a tridimensionalidade. “Os planos passam a ser justapostos por linhas, frestas que dinamizam a superfície [...] Estamos aqui na fronteira entre pintura e escultura” (ROLNIK, 1999, p. 10). Milliet

(1992, p. 57) ressalta que a descoberta da linha orgânica encaminha para as superfícies moduladas, que irão levar às descobertas tridimensionais.

Lygia Clark, neste período, investiga formas e a linha que divide os planos de uma composição. As linhas orgânicas surgem quando estas dividem dois planos com a mesma cor, cortando o quadro, criando espaço e tensão entre os planos.

Em 1954, Lygia apresenta Composição nº 5, onde encontramos a inclusão da moldura no quadro, assim oferecendo um escape da pintura para fora da tela, que toca a parede e encontra o mundo, produzindo uma nova superfície.

Essa nova superfície se torna possível pelo com-tato da tela com a parede, porque esta é geradora do plano de composição estética e do plano de composição com o mundo (FARINA, 2005, p. 156).21

Essa pesquisadora esclarece que a moldura, apesar de ser um elemento que não faz parte da pintura, acaba interferindo nela, uma vez que evidencia a pintura, mas não é pintura. A moldura adere à superfície da pintura separando-a da superfície da parede. Ela enquadra a superfície da pintura ao mesmo tempo em que a isola. Para Farina (2005), Lygia sentia que, naquele momento, a moldura era a

21 Esa nueva superficie se hace posible por el con-tacto de la tela con la pared, porque es generadora del plano estético de composición y el plano de composición con el mundo.

personificação física do enquadramento institucional da pintura: uma prótese do real. A moldura não era moldura e nem era parede, não era a obra e nem era o mundo.

Os quadros de Lygia Clark não têm moldura de qualquer espécie, não estão separados do espaço, não são objetos fechados dentro do espaço: estão abertos para o espaço que neles penetra e neles se dá incessante e recente: tempo. Esta pintura não 'imita' o espaço exterior. Pelo contrário, o espaço participa dela, penetra-a vivamente, realmente. É uma pintura que não se passa num espaço metafórico, mas no espaço 'real' mesmo, como um acontecimento dele (GULLAR, 1999, p. 269).

Para esse autor, em Lygia não existe separação entre o espaço e a obra, pois ela constrói o quadro como um objeto e como expressão. Em suas pinturas, a superfície não é suporte, é a própria obra.

Lygia Clark, pintora, não utilizava a superfície a favor da pintura, em sua pintura, não falava sobre o mundo, mas sim pintava o mundo das superfícies do plano e os planos de superfície. Por isso, romper com a moldura para devolver a superfície do quadro para a superfície da parede significou abrir a pintura a outro plano, e o plano para outro espaço, significou poder se concentrar em seus problemas estéticos de superfície, plano e espaço (FARINA, 2005, p. 156-157, tradução nossa)22.

Lygia Clark explora a superfície plana não como suporte da representação, mas como objeto no espaço. Gradualmente, seu trabalho vai se transformando, incorporando a moldura à obra, oferecendo o dilema figura/fundo para, depois, na etapa seguinte, desarticular o quadro, permitindo que as formas se relacionem diretamente com o espaço exterior.

A linha orgânica ganha corpo na obra de Lygia Clark, à medida que vai organizando os espaços. É uma linha de espaço, uma linha entre corpos no espaço e entre os espaços que construíam as disposições dos corpos.

Por meio do espaço que se abre pela linha se escuta o murmúrio do mundo. Cria-se um espaço de murmúrio por meio de uma linha de contato, do roçar entre a obra e o mundo, entre o plano de composição estética e a estética do mundo. A linha é um espaço de ressonância (FARINA 2005, p. 159, tradução nossa).23

22 Lygia Clark, pintora, no utilizaba la superficie a favor de la pintura, no aludía al mundo en la pintura, sino que pintaba el mundo de las superficies: pintaba la superficie del plano y los planos de superficie. Por eso, romper la moldura para devolver la superficie del cuadro a la superficie de la pared, significó abrir la pintura a otro plano, y el plano a otro espacio, significo poder concentrar-se en sus problemas estéticos de superficie, plano y espacio.

23

A través del espacio que se abre en la línea se escucha el rumor del mundo. Se crea un espacio de rumor a través de una línea de contacto, del roce entre la obra y el mundo, entre el plano de composición estético y a estética del mundo. La línea es un espacio de resonancia.

O plano torna-se cada vez mais limpo com cortes geométricos dinamizados por linhas e frestas, e começa a se distanciar da pintura tradicional.

A “superfície modulada” realizando a planimetria do tridimensional constitui um espaço articulado, não ilusionista. Na construção plana, a “linha orgânica” estrutura e energiza a superfície, atravessando-a de ponta a ponta, criando dinamismo incontido que tende a se propagar para o espaço externo. Nela está implícito o movimento, porque a organicidade da linha- espaço deriva do ajustamento de planos mantidos em repouso, colados sobre a superfície, entretanto sugerindo combinações hipotéticas como num quebra-cabeça (MILLIET, 1992, p. 58).

Lygia Clark reduz o uso de cores para preto, branco e cinza, descarta os materiais tradicionais da pintura e passa a usar madeira, passando também a pintar com tinta industrial.

Figura 8: Duas obras da artista Lygia Clark.

Descrição da figura: Apresentamos duas obras da artista Lygia Clark. A imagem à esquerda mostra

a obra Plano em Superfícies Moduladas nº 2 (1956). Essa obra foi feita com tinta industrial sobre madeira. Tamanho: 90,1 x 75 cm. Apresenta uma justaposição de módulos como fossem um quebra- cabeças formando um retângulo final. As peças se apresentam na horizontal e vertical. À direita está