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Lygia Clark : uma experiência de arte na vida de jovens cegos

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Academic year: 2017

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Educação, Arte e História da Cultura

ANA CARMEN NOGUEIRA

Lygia Clark - Uma experiência de arte na vida de jovens cegos

São Paulo

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N778L Nogueira, Ana Carmem Franco

Lygia Clark : uma experiência de arte na vida de jovens cegos / Ana Carmem Franco Nogueira – São Paulo, 2010 185 f. :33 il. ; 30 cm + 1DVD-ROM, CD-ROM

Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2010. Referências bibliográficas: f. 145-151.

1. Arte. 2. Deficiência visual. 3. Cego. 4. Educação. 5. Clark, Lygia. I. Título.

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ANA CARMEN NOGUEIRA

Lygia Clark - Uma experiência de arte na vida de jovens cegos

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Estudos Pós Graduados em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação, Arte e História da Cultura

Orientadora: Profª. Drª. Elcie F. Salzano Masini

Agencia Financiadora:

Mackepesquisa - Fundo de Apoio à Pesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie

São Paulo

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ANA CARMEN NOGUEIRA

Lygia Clark - Uma experiência de arte na vida de jovens cegos

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Estudos Pós Graduados em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação, Arte e História da Cultura

Aprovada em

Banca Examinadora

_____________________________________________________________ Profª. Drª. Elcie F. Salzano Masini

Universidade Presbiteriana Mackenzie - Orientadora

_____________________________________________________________ Profª. Drª. Mirian Celeste Martins

Universidade Presbiteriana Mackenzie

_____________________________________________________________ Profª. Drª. Eliana Ormelezi

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Gracias a la vida

Composição: Violeta Parra

Gracias a la vida, que me ha dado tanto Me dió dos luceros que cuando los abro Perfecto distingo lo negro del blanco Y en alto cielo su fondo estrellado Y en las multitudes el hombre que yo amo Gracias a la vida, que me ha dado tanto Me ha dado el oído, que en todo su ancho Traba noche y dia grillos y canarios Martirios, turbinas, ladridos, chubascos Y la voz tan tierna de mi bien amado Gracias a la vida, que me ha dado tanto Me ha dado el sonido y el abecedario Con él las palabras que pienso y declaro Madre, amigo, hermano y luz alumbrando La ruta del alma del que estoy amando Gracias a la vida,que me ha dado tanto Me ha dado la marcha de mis pies cansados Con ellos anduve ciudades y charcos Playas y desiertos, montañas y llanos Y la casa tuya, tu calle y tu patio Gracias a la vida, que me ha dado tanto Me dió el corazón que agita su marco Cuando miro el fruto del cerebro humano Cuando miro el bueno tan lejos del malo Cuando miro el fondo de tus ojos claros Gracias a la vida, que me ha dado tanto Me ha dado la risa y me ha dado el llanto Así yo distingo dicha de quebranto Los dos materiales que forman mi canto Y el canto de ustedes que es el mismo canto Y el canto de todos que es mi propio canto Gracias a la vida

Obrigada à meu pai que me ensinou a me maravilhar com a vida Obrigada à minha mãe que me ensinou a lutar

Obrigada ao meu marido que me ensinou a confiar

Obrigada à minha filha que me ensinou a amar incondicionalmente Obrigada a meus alunos que me ensinaram a viver

Obrigada à minha orientadora que me desafiou a continuar

Obrigada ao Mackenzie e ao Mackepesquisa que acreditaram em mim Obrigada à Lygia Clark que me presenteou arte como vida e a vida como arte Obrigada aos poetas e filósofos que me alimentaram

Obrigada aos amigos que me acalentaram. Obrigada à vida que me deu tanto;

tristezas, enganos, ilusões e incertezas

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Todos te buscam e só alguns te acham. Alguns te acham e te perdem. Outros te acham e não te reconhecem e há os que se perdem por te achar, ó desatino ó verdade, ó fome de vida!

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Resumo

O presente trabalho investiga o significado de uma experiência de arte baseada nas obras de Lygia Clark, ocorrida em um ateliê para deficientes visuais, em parceria com o Projeto Acesso: Centro de Apoio Pedagógico Especializado ao Deficiente Visual, na cidade de São Paulo, Brasil. O objetivo da pesquisa foi o de analisar o que os alunos realizaram no ateliê de artes no período de fevereiro a junho de 2008 e por meio de entrevistas realizadas após dois anos da experiência no ateliê, colher depoimentos de dois jovens cegos congênitos sobre essa experiência artística, e o significado da mesma em suas vidas. A fundamentação desta dissertação contém uma revisão teórica sobre as concepções de experiência, experiência estética e o corpo na experiência de espaço, com base em teóricos que seguiam a mesma linha de pensamento da fenomenologia de Maurice Merleau-Ponty. Para compreender o mundo da pessoa cega, baseamo-nos na abordagem fenomenológica acerca da pessoa com deficiência visual de Elcie Masini. O projeto Lygia Clark foi fundamentado em pesquisadores que elaboraram estudos de suas obras e suas ligações com a fenomenologia merleaupontiana, com descrição do contexto do ateliê de artes e o desenvolvimento de materiais adaptados a pessoas deficientes visuais. A análise das entrevistas – cuja linha diretriz foi experiência perceptiva dentro do ateliê – evidenciou que os alunos compreenderam a proposta do projeto Lygia Clark e foram capazes de inventar novas formas de expressão. As reflexões sobre os significados da experiência no ateliê para os sujeitos da pesquisa permite afirmar que, para eles, a arte foi importante como abertura para o mundo e ampliação de conhecimento.

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Abstract

The present study investigates the meaning of an experience of art based on works by Lygia Clark, held on a studio for the visual impaired, in a partnership with Projeto Acesso: Educational Support Center Specialized in the Visual Impaired, in Sao Paulo city, Brazil. The research objective was to, through interviews conducted after two years of experience in the studio, receive testimony of two young congenitally blind people about this artistic experience, and its meaning in their lives. The rationale behind this thesis contains a theoretical review on the concepts of experience, aesthetic experience and the experience of space in the body, based on theorists who followed the same line of the phenomenology of Merleau-Ponty. To understand the world of the blind people, we rely on phenomenological about the person with visual impairment of Elcie Masini. The Lygia Clark project was based on researchers who produced studies of her works and their connections with the merleaupontinian phenomenology, describing the context of the arts studio and the development of materials adapted to visually impaired persons. The interviews analysis - whose main line was perceptual experience within the studio - has shown that students understood the Lygia Clark project proposal and were able to invent new forms of expression. The reflections on the meanings of experience in the studio for the research subjects have shown that, for them, art was important as an opening to the world and to expand knowledge.

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Lista de ilustrações

Figura 1: Publicado em: Novi Orbis Indiae Occidentalis, 1621: Various incarnations of the "Land Down

Under". ... 30

Figura 2: Atividades de compreensão da passagem do tridimensional para o bidimensional. ... 58

Figura 3: Mesa paleta. ... 59

Figura 4: Fotos de Orientação e Mobilidade. ... 64

Figura 5: Unidade Tripartida, 1948/49 de Max Bill. ... 70

Figura 6: Fita de Moebius em xilogravura de M.C. Escher 1961. ... 74

Figura 7: Fotos do workshop Lygia Clark para professores (fotos: Ana Carmen Nogueira). ... 75

Figura 8: Duas obras da artista Lygia Clark... 78

Figura 9 Josef Albers. Structural Constellation, Transformation of a Scheme No.12 1950. ... 79

Figura 10: Espaço Modulado (1958). ... 80

Figura 11: Casulo. Lygia Clark ... 81

Figura 12: Bicho ponta. Lygia Clark, 1960. ... 84

Figura 13: Obra Mole. Lygia Clark. ... 86

Figura 14: Dentro e fora. Lygia Clark. ... 86

Figura 15: Fotos de obras adaptadas. ... 90

Figura 16: Esquerda: Composição nº 5, série Quebra da moldura; Lygia Clark, 1954. Direita: Obra adaptada. ... 94

Figura 17: Esquerda: Superfície modulada nº 2, Lygia Clark, 1955. Direita: Obra adaptada. ... 94

Figura 18: Esquerda: Planos em superfície modulada nº 1, Lygia Clark, 1957. Direita: Obra adaptada. ... 95

Figura 19: Esquerda: Planos em superfície modulada nº 5, Lygia Clark, 1957. Direita: Obra adaptada. ... 95

Figura 20: Esquerda: Espaço Modulado nº4, Lygia Clark, 1958. Direita: Obra adaptada. ... 96

Figura 21: Esquerda: Espaço Modulado, Lygia Clark, 1958. Direita: Obra adaptada. ... 96

Figura 22: Descoberta da linha orgânica. ... 97

Figura 23: Descoberta da linha orgânica. ... 97

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Figura 25: Alunos explorando as obras adaptadas. ... 99

Figura 26: Imagens dos trabalhos desenvolvidos pelos alunos. ... 101

Figura 27. Imagens de casulos elaborados pelos alunos. ... 104

Figura 28: Imagens da produção dos bichos de papel. ... 106

Figura 29: Bichos de papel dos alunos. ... 107

Figura 30: Imagens dos bichos de madeira. ... 108

Figura 31: Imagens dos bichos moles... 110

Figura 32: O banco de pedra do Asilo Saint Remy. Van Gogh. Obra, trabalho adaptado e trabalho conjunto. ... 124

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Sumário

Antecedentes ... 11

Introdução ... 15

1. O que é experiência? ... 20

1.1. A experiência estética ... 24

1.2. A experiência e a pessoa deficiente visual ... 29

1.3. A experiência estética da pessoa cega ... 36

1.4. Corpo – experiência de espaço ... 44

2. O ateliê: percurso do contato do cego com arte ... 50

2.1. O ateliê: potencialidades no encontro do cego com a arte ... 64

2.2. Lygia Clark: a arte como vida, a vida como arte ... 69

2.3. Os materiais adaptados ... 89

2.4. Os trabalhos desenvolvidos pelos alunos ... 99

2.5. Casulos ... 102

2.6. Bichos e outros bichos ... 105

2.7. Obras Moles ... 109

2.8. Exploração do espaço externo ... 111

3. A pesquisa de campo: dois anos depois ... 114

3.1. Sujeitos ... 116

3.2. Procedimentos ... 117

3.3. Local ... 118

3.3.1. Entrevista com os sujeitos da pesquisa, após dois anos das atividades desenvolvidas no ateliê. ... 118

3.4. Materiais e equipamentos ... 120

3.5. Procedimentos para a análise das entrevistas ... 120

4. Análise da experiência do ateliê na perspectiva dos alunos ... 122

4.1. Aprender ... 122

4.2. Compartilhar ... 128

4.3. Aproximar ... 130

4.4. Colaborar ... 131

4.5. Transformar ... 133

4.6. Reflexão sobre a experiência do ateliê na perspectiva dos alunos ... 135

Considerações finais ... 141

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Anexo 1 – Questionário básico para entrevista com os alunos ... 152

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Antecedentes

Formada em artes plásticas em 1981, durante um período dei aula para crianças e adolescentes, fiz desenho de estamparia e montei um ateliê de artes. Por alguns anos me afastei da área e fui trabalhar em um bureau de artes gráficas.

Em 2000, entrei no curso de Direito. Neste curso tive como colega de classe Paula. Paula tinha baixa visão e sofria muito com a incompreensão de todos em relação ao que era capaz de ver e não ver. Foi meu primeiro contato com uma pessoa com deficiência visual.

O curso de direito, não terminei, ficou para trás por uma série de dificuldades que a vida nos traz, mas a esse curso posso agradecer ter tido a oportunidade do primeiro contato com outro modo de perceber o mundo. Aprendi muito, principalmente a estudar, graças a meu professor de direito penal Prof. Ivan Martins Motta.

No turbilhão de uma crise que teve início em 2000, foram surgindo questões de quem era eu nesse mundo, e o que estava fazendo de minha vida. Quem precisava de mim? E no final, quem eu acreditava que precisava de mim foi quem me salvou.

A vida parece ser uma espiral girando em torno de um ponto central, afastando-se ou aproximando-se. Ela se centra, retorce, desce, sobe sobre si mesma trazendo ecos e vibrações daquilo que vivemos. Nosso ponto de partida pode retornar como ponto de chegada renovado pela nossa vivência no mundo. Assim, a arte e a educação voltaram à minha vida.

Em 2003, iniciei a especialização em educação especial com aprofundamento em deficiência visual, após ler a tese de doutorado de Nely Garcia “Programas de Orientação e Mobilidade no Processo de Educação da Criança Portadora de Cegueira”, defendida na Universidade de São Paulo, em 2001. Nessa tese Nely falava sobre o curso de especialização da Universidade Cidade de São Paulo. Fiz esse curso de Educação Especial. Minha busca era compreender como uma criança cega se desenvolvia neste mundo tão visual. Como trabalhar artes com crianças deficientes visuais? Como ela descobria os espaços e se locomovia?

O curso de Educação Especial abriu novas fronteiras e aguçou minha necessidade de saber mais. Durante o curso fizemos a transcrição de um livro infantil, de nossa livre escolha, para o Braille. Tínhamos, também, que transformar as ilustrações em ilustrações táteis e, a partir daí nasceu um grande interesse pela questão da acessibilidade à arte visual pela pessoa com deficiência visual. O curso não se preocupou em fazer um aprofundamento maior nas questões das ilustrações táteis e muito menos na questão da arte para pessoa com deficiência visual. Essa era minha busca pessoal.

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de congressos disponíveis na Internet, fui aprendendo cada vez mais sobre este campo tão interessante. Encontrei vários materiais relacionados à arte e pessoas com deficiência visual. Aprendi sobre técnicas de elaboração de ilustração de livros e adaptação de materiais. Infelizmente, encontrei pouca coisa sobre este assunto no Brasil, principalmente sobre a arte.

Fiz o Curso de Extensão “Ensino da Arte na Educação Especial e Inclusiva”, na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Foi Amanda Tojal, coordenadora do curso, quem abriu novos caminhos de conhecimento. Nesse curso foram estudadas as Inteligências Múltiplas na visão de Howard Gardner e Celso Antunes. Descobri a Didática Multisensorial do espanhol Miguel Albert Soler. Uma das propostas do curso era a de elaborar em equipe um Roteiro de Planejamento de Curso ou Programas de Artes para públicos Especiais ou Inclusivos. Faziam parte do grupo: Maria Carolina Tiengo, Maria Elisa Rizzi, Regina Maria Gabriel e eu. Apresentamos o “Projeto Ronda” que tinha por objetivo possibilitar o acesso à vida cultural e histórica do centro de São Paulo, para o público de pessoas com deficiência. O roteiro que desenvolvemos pré-estabelecia que um percurso seria feito a pé, utilizando os vários meios da multissensorialidade, para conhecer os espaços arquitetônicos do centro que refletissem a história da capital paulista. Atenderíamos pessoas com e sem deficiência, grupos que denominamos de “grupos inclusivos”. Pretendíamos atender pessoas com deficiência (visual, auditiva, intelectual e física, desde que possuíssem algum meio de locomoção) e pessoas que não tinham nenhum tipo de deficiência compartilhando novos saberes da cidade. Embora jamais tenha saído do papel, o projeto nos foi extremamente

gratificante e acreditávamos que poderia ter sido um sucesso caso fosse implementado. Ao término do curso trabalhei como voluntária no “Programa Ação Educativa para Públicos Especiais” da Pinacoteca do Estado de São Paulo, coordenado por Amanda Tojal. Como voluntária, acompanhava as visitas dos grupos de pessoas com deficiência e ajudava na mediação entre as obras daquele equipamento cultural e esse público.

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háptica; Maria José Lobato Suero, et al. El desarrollo de habilidades en las personas con necesidades especiales, e muitos outros.

Com Ostrower (1983) em seu livro Universos da Arte, vislumbrei a possibilidade de traçarmos um caminho parecido com o que ela havia feito com seus alunos operários de uma fábrica, a Encadernadora Primor, no Rio de Janeiro, em 1972. Se aqueles operários, que não conseguiam “enxergar” a arte pela falta de contato, não pela falta do sentido da visão, aos poucos foram aprendendo a compreender esse universo, supus que, com as mesmas ferramentas “adaptadas” à pessoa com deficiência visual poderíamos encontrar um caminho. “[...] não se tratava de transformar os operários em artistas. O máximo que eu poderia me propor seria educar sua sensibilidade” (OSTROWER, 1983, p. 21).

A questão da percepção da pessoa cega se mostrou importante e a busca por um caminho que não fosse do ponto de vista do vidente se tornava cada vez mais clara. No Rio de Janeiro, no I Colóquio Ver e não Ver: Cognição e Produção de Subjetividade com Portadores de Deficiência Visual, em outubro de 2007, assisti à palestra da professora Elcie Masini Experiências do Perceber, que falava do perceber sem a visão, da importância da interação com o meio e com o outro para compreensão do mundo, e me apresentou pensadores como Vigotski e Merleau-Ponty, além de alguns pesquisadores brasileiros sobre a aquisição de conhecimentos pelo cego congênito.

Nesta busca de conhecer melhor a pessoa com deficiência visual, o trabalho dentro do ateliê de artes foi se transformando e tomando consciência de que era necessário verificar constantemente se as informações que eram passadas estavam sendo realmente compreendidas e, se todos os conceitos eram entendidos ou apenas aceitos. O trabalho passou então a ser avaliado diariamente e a busca de compreender o outro se tornou uma meta.

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Novos caminhos foram surgindo e me desliguei do “Projeto Acesso” para entrar em um período de análise e aprofundamento teórico da experiência dos quatro anos de atividades junto à pessoa com deficiência visual.

Ainda em 2008 escrevi livros voltados ao público infantil com deficiência visual. Eram quatro pequenos livros com pequenos textos escritos em Braille e em tinta, os textos eram acompanhados de ilustrações táteis muito simples, como pontos e linhas. Nos livros eram trabalhados: estruturas de lateralidade, orientação espacial, temporal, coordenação motora, atenção e percepção tátil. Dei o nome de “Coleção Traça Traço”. Participei com esta coleção do Concurso de Apoio a Projetos de Publicação de Livros no Estado de São Paulo, no qual fui premiada. Os livros foram publicados em 2009.

O programa de mestrado “Educação, Arte e História da Cultura”, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, veio ao encontro de meu interesse de desenvolvimento acadêmico. Nos dois anos do programa tive a oportunidade de participar de seminários, congressos e encontros com trabalhos desenvolvidos a partir dos referenciais teóricos que foram apresentados nas disciplinas do curso em consonância com meu foco de pesquisa sobre arte e a pessoa com deficiência visual. Além disso, faço parte do Grupo de Pesquisa em Mediação Cultural – “contaminações e provocações estéticas”, sob coordenação da Profª Dra. Mirian Celeste Martins. Participei com um capítulo do Livro Aprendendo Significativamente organizado pelas professoras Profª Dra Elcie Masini, Profª Dra Maria de los Dolores J. Peña. Fui convidada pelo Prof Dr Marcos Rizolli para participar da Exposição Biblioteca Sensorial: Livros de Artistas, no Centro Histórico Mackenzie, onde apresentei o livro tátil Ressonâncias murmuradas.

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Introdução

Nosso interesse nesta dissertação foi analisar o significado da experiência de arte para jovens cegos congênitos, em ateliê de artes, durante o período em que nos aprofundamos no estudo da artista plástica Lygia Clark.

Esta pesquisa é um recorte dos quatro anos nos quais trabalhamos com pessoas com deficiência visual no “Projeto Acesso: Centro de Apoio Pedagógico Especializado ao Deficiente Visual”, na cidade de São Paulo, Brasil. Selecionamos, desse período de quatro anos de trabalho no ateliê, os seis meses nos quais trabalhamos o projeto “Lygia Clark”. Durante esse período, os alunos desenvolveram diversas produções artísticas, que constituíram referência para as entrevistas analisadas nesta pesquisa.

Para nos respaldarmos teoricamente, realizamos levantamento bibliográfico acerca dos significados de uma experiência estética, e dentre estes destacamos os significados propostos por Benjamin (1994), Chauí (2008), Fisher (1984), Larrosa

(2001), Merleau-Ponty (2004; 2006) e Ostrower, (1997). Também foi realizada revisão de literatura a respeito da relação do indivíduo com deficiência visual e o conhecimento, destacando-se Amiralian (1997), Garcia (2001) Masini (1994, 2007, 2008), Ormelezi (2000, 2008), Vygotski (1997), e sobre a importância da arte para pessoas com deficiência visual, com destaque para Oliveira (2007), Kastrup (2010), Kennedy (1993), Löwenhielm (2000), Bardisa (1992), Duarte (2008), S. Ballesteros

(2006) e D. Barsida (1992).

Optamos por não discorrer sobre as especificidades históricas e clínicas da deficiência visual, uma vez que diversas produções já discorreram sobre essa temática, como Masini (1994), Ormelezi (2000) e Amiralian (1997). Nossa análise está voltada para a percepção do aluno com deficiência visual, bem como para sua compreensão de mundo e sua relação com a arte. Buscamos compreender este ser que habita o nosso mundo, percorre os mesmos caminhos que percorremos, escuta as mesmas músicas que escutamos, age e reage, que está no mundo como todos nós, mas que o percebe de uma forma muito peculiar: pelo tato, sentidos háptico e cinestésico, audição, olfato e paladar.

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(1997). Procuramos analisar o “viver” pelas obras da artista Lygia Clark segundo Brito (1999), Farina (2005), Maluf (2007), Milliet (1992) e Rolnik (1999). Por fim, investigamos os significados desta experiência no ateliê para os jovens cegos.

Ao iniciarmos nossa pesquisa sobre a questão da experiência de arte de nossos alunos com deficiência visual, tínhamos consciência de que esta seria uma questão bastante interessante, mas não tínhamos a compreensão de que iríamos nos deparar com algo tão fundamental.

Nosso desconhecimento de um pensar mais aprofundado sobre a experiência limitou, durante um determinado período de tempo, um olhar diferenciado sobre o significado da experiência de artes dos jovens cegos.

Seria, então, a experiência o tema de investigação desta dissertação? Essa questão nos aterrorizou na elaboração do projeto de pesquisa e na qualificação, mas também foi uma mola propulsora para uma reflexão de pesquisador, e não de ator de um movimento. Chegamos, assim, à seguinte questão: A experiência artística pode ampliar o conhecimento do mundo de jovens cegos?

O objetivo deste estudo, dessa forma, definiu-se pela reflexão sobre a experiência de arte para jovens cegos ocorrida no ateliê. Consideramos que os dados registrados e analisados poderiam contribuir favoravelmente para as práticas pedagógicas imbricadas nas práticas artísticas, possibilitando espaços de formação capazes de acolher pessoas que se situam no mundo por diferentes vias perceptuais. Neste caminho, objetivamos um espaço freiriano, cuja “decência e boniteza” andassem de mãos dadas, onde pudéssemos oferecer um caminho de “possibilidades para sua própria produção ou a sua construção” (FREIRE, 1996, p. 47).

Para analisar a experiência nos apropriamos dos pensadores, poetas e filósofos citados anteriormente, bem como outros que serão citados no desenrolar da pesquisa. Utilizamos o termo apropriação como uma forma de empoderamento, no sentido freiriano de fortalecimento e evolução pessoal. Leila de Castro Valoura nos apóia nesta decisão, ao esclarecer o conceito de empoderamento de Paulo Freire: uma pessoa “empoderada é aquela que realiza por si mesma, as mudanças e ações que a levam a evoluir e se fortalecer” (VALOURA, 2006, s/n).

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transformaram. O compositor e cantor Milton Nascimento, alguns anos atrás, ao comentar sobre a música O que será que será,de Chico Buarque, dizia que gostaria de tê-la escrito. E foi assim que nos sentimos nessa forma de querer, de querer para si. Relacionamo-nos com os textos de teóricos e poetas que falam aquilo que queríamos falar, e ao falar, falam como se fosse por nós, e falando por nós nos oferecem caminhos de empoderamento e sabedoria.

Esses devaneios mostram-nos que, para compreender nosso objeto de estudo, foi necessário dar um tempo para cada pensamento, para cada passo. Foi também preciso observar da plateia e voltar ao palco para então observar a plateia; ser ator e público, ativo e passivo, e nesses exercícios de divisão e indivisão fica claro que, primeiro, é preciso desvendar os mistérios da experiência. O termo indivisão é aqui utilizado no sentido de que não é possível haver divisão entre “sujeito e objeto, alma e corpo, consciência e mundo, percepção e pensamento”

(CHAUÍ, 2008 p. 153).

Nesta pesquisa propomo-nos compreender o significado da arte como conhecimento do mundo para a pessoa cega, por meio dos trabalhos de nossa construção de saberes, realizados em parceria com os alunos no ateliê de artes, nos quais foram propostas algumas questões: “Como são os caminhos e as estratégias que favorecem o contato e a apropriação da arte?”, “Como essas pessoas compreendem arte?”, “Como fazer ações que possam ser transformadoras?”, “Como ampliar o seu repertório da arte?”, e ainda“O que pessoas cegas percebem, pensam e o que necessitam na relação com a arte e o mundo?”.

Para compreender o mundo da pessoa cega, nos baseamos na abordagem fenomenológica acerca da pessoa com deficiência visual de Masini (1994, 2007, 2008, 2010). Essa pesquisadora nos indicou que, para compreender a pessoa com deficiência visual, é necessário compreender seu referencial perceptivo, seu modo de estar no mundo. Masini indicou ainda que, além disso, é preciso atuar em conjunto com o deficiente visual na construção de saberes, respeitando seu ritmo, sua bagagem cultural, sua vivência social e suas representações de mundo.

Tais indicações nos levaram a outras questões, como os caminhos que devemos percorrer para a construção de saberes nas artes, e como podemos potencializar a aprendizagem e a construção de sentidos no fazer artístico.

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e como um projeto de arte pode auxiliar estes desenvolvimentos, que são tão diferenciados de pessoa para pessoa?

Durante nossos anos no ateliê, acumulamos fotos, vídeos e gravações que nos auxiliaram na compreensão da experiência artística dos jovens cegos. Procuramos relacionar esse material com os referenciais teóricos da arte, educação e educação especial.

No primeiro capítulo deste trabalho, intitulado O que é experiência?, percorremos os significados desse termo e o que pode ser entendido como experiência estética, bem como as questões relacionadas à percepção da pessoa com deficiência visual e do corpo no mundo. Refletimos sobre as questões da experiência, experiência estética e o corpo na experiência de espaço, com base em teóricos que seguem a mesma linha de pensamento da fenomenologia de Merleau-Ponty.

No segundo capítulo, O ateliê, apresentamos o ateliê de artes para pessoas com deficiência visual, seguindo a sua trajetória de ampliar o conhecimento da pessoa com deficiência visual sobre a percepção-arte-corpo-espaço. No item 2.1 focamos no projeto Lygia Clark que foi desenvolvido entre fevereiro e junho de 2008. Essa artista trazia consigo inquietações que eram semelhantes às que encontrávamos em nossos alunos: o espaço, os materiais, a ideia de ligar arte com a vida. Assim, neste capítulo aprofundamo-nos no estudo do pensamento dessa artista e na sua busca de ligar a arte com a vida, bem como compreender as questões do espaço e nosso habitar o mundo. Para nos auxiliar no conhecimento sobre esta grande artista, apoiamo-nos em autores de extensos estudos de suas obras e suas ligações com a fenomenologia merleaupontiana.

No terceiro capítulo, apresentamos o estudo desenvolvido, os sujeitos e os procedimentos de análise de material. Apresentamos uma análise das entrevistas sobre os trabalhos realizados no ateliê, à luz dos teóricos que se fundamentam na fenomenologia de Merleau-Ponty, assim como em pesquisadores que estão abrindo discussões sobre a arte e a pessoa cega. Nesta análise, a linha central refere-se à

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1. O que é experiência?

Larrosa (2004, p. 154) inicia-nos na reflexão sobre o que é experiência com a seguinte colocação: “A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca”.

O mesmo autor, comentando o texto Experiência e pobreza de Benjamin diz que “nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara”, completando sua reflexão sobre a perda da experiência lembrando-nos que “a informação não é experiência”, é quase uma “antiexperiência” (LARROSA, 2004, p. 154). Ao nos tornamos “informantes e informados” as coisas deixam de nos acontecer, deixam de nos tocar, não passam por nós.

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA 2004, p. 160).

Acreditamos que sabemos ver, ouvir, sentir, não prestamos mais atenção ao que está ao nosso redor naquele momento, não deixamos as coisas passarem por nós. Não nos damos um tempo para observação e muito menos para a escuta.

Chauí (2002, p. 161) esclarece o que é experiência e o que a experiência não pode ser:

(experiência) significa um sair de si rumo ao exterior, viagem e aventura fora de si, inspeção da exterioridade (...) não passividade receptiva e resposta aos estímulos externos, nem atividade de inspeção do mundo (...) iniciação aos mistérios do mundo.

A experiência assim seria um tornar-se cúmplice e observador. Cúmplice no sentido de colaborar em uma ação, e observador no sentido de um exame atento, apurado de um fato ou evento. A experiência é o nosso modo de ser no mundo.

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fragilidade, atenção, procura e indeterminação, momento de percepção do estar no mundo.

A experiência é a passagem da existência, a passagem de um ser que não tem essência ou razão ou fundamento, mas que simplesmente “ex-iste” de

uma forma sempre singular, finita, imanente, contingente. [...] Tanto nas línguas germânicas como nas latinas, a palavra experiência contém inseparavelmente a dimensão de travessia e perigo (LARROSA 2004, p. 160).

Mas quem é esse sujeito da experiência?

Larrosa (2004) esclarece que o sujeito da experiência não é o sujeito da informação, da opinião, do fazer, do julgar, do querer. O sujeito da experiência é o quese encontra disponível, apto à travessia, exposto aos riscos e que pode se ferir.

É incapaz de experiência aquele a quem nada lhe passa, a quem nada lhe acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada o toca, nada lhe chega, nada o afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada ocorre (LARROSA, 2001. p.25 ).

Assim, o sujeito da experiência é um sujeito que está no mundo para sentir, sofrer, ser feliz, observar, que se expõe em um espaço desconhecido cheio de obstáculos.

Lá no oceano, velejando por aí, Mal posso esperar

Para te ver crescido

Mas acho que nós dois teremos que ser pacientes Porque ainda temos um longo caminho pela frente Uma dura estrada para vencer

Sim um longo caminho pela frente Mas, enquanto isso

Antes de você atravessar a rua Pegue a minha mão

A vida é o que nos acontece

Enquanto estamos muito ocupados fazendo outros planos.

(LENNON, John. Beatiful boy (Darling boy). Tradução Camila Brettas), 1980)1

1 Out on the ocean sailing away

I can hardly wait

To see you come of age

But I guess we'll both just have to be patient 'Cause it's a long way to go

A hard row to hoe Yes it's a long way to go But in the meantime Before you cross the street Take my hand

(24)

Lennon, ao oferecer esta canção ao filho, oferta-lhe a esperança de um porvir, e a experiência do pai em fazer presente algo que quer compartilhar com seu filho. A vida é aquilo que acontece conosco, que passa conosco, que nos afeta, toca-nos e emociona, e nos oferece sentido. E assim, durante sua travessia, preste atenção, tome cuidado, há incertezas, muitas coisas podem acontecer. Podem ser coisas boas ou ruins, mas não devemos deixar de percorrer nosso caminho, dentro de nosso tempo.

Larrosa (2001, p. 27), confirmando a poética da canção de Lennon, diz que “O saber de experiência se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana”. Com grande delicadeza, Lennon tenta mediar seu conhecimento de vida com o conhecimento de seu filho, ainda menino. Seus saberes de vida, com os saberes de seu filho. Compartilha o seu modo de estar no mundo, o estar no mundo de incertezas, onde não é possível prever o que irá acontecer. A experiência é algo particular, que cada um vive e compreende de uma maneira.

Nessa postura diante da vida que a música de Lennon descreve, percebemos a importância da mediação dos saberes entre pais e filhos, educadores e educandos. Apresentar o mundo ao outro, aberto ao conhecimento, caminhar junto, criar oportunidades para novas experiências, são preocupações constantes de um educador em relação a seus alunos.

Paulo Freire (1996, p. 26) enfatiza a importância de “reforçar a capacidade

crítica do educando, sua curiosidade e insubmissão”. Nessa relação educando -educador, o autor sugere que compartilhemos a parceria como instigadores, curiosos e inquietos.

Faz parte das condições em que aprender criticamente é possível a pressuposição por parte dos educandos de que o educador já teve e continua tendo experiência da produção de certos saberes e que estes não podem a eles, os educandos, ser simplesmente transferidos (FREIRE, 1996, p. 26).

Como nos ensina Freire (1996), os educando vão se transformando em sujeitos da construção e reconstrução de saberes junto com o educador, sendo que a tarefa do educador não é apenas a de ensinar os conteúdos, mas ensinar a pensar.

(25)

Ostrower (1997) esclarece que o pensar só se tornará imaginar criativo pelo ato de se fazer algo, com a sua execução. Sem isso, o pensar não consegue agir como transformador nem para o individuo que pensa nem para as outras pessoas, “o imaginar - esse experimentar imaginativamente com formas e meios - corresponde a um traduzir na mente certas disposições que estabeleçam uma

ordem maior, da matéria, e ordem interior nossa” (OSTRWER, 1997, p. 32). Experimentar imaginativamente através das formas e dos meios nos fornece uma ordenação do mundo interior e exterior.

Desde as primeiras culturas, o ser humano surge dotado de um dom singular: mais do que "homo faber", ser fazedor, o homem é um ser informador. Ele é capaz de estabelecer relacionamentos entre os múltiplos eventos que ocorrem ao redor e dentro dele. Relacionando os eventos, ele se configura em sua experiência de viver e lhes dá um significado. Nas perguntas que o homem faz ou nas soluções que encontra, ao agir, ao imaginar, ao sonhar, sempre o homem relaciona e forma (OSTRWER, 1997, p. 9).

Ostrower (1997), ao falar do homem como um ser informador, o faz no sentido do homem que faz algo, que dá forma, que realiza um ato expressivo. Ao fazer algo, o homem se descobre e descobre o mundo. Formando a matéria, ordenando-a, configurando-a e dominando-a, bem como se ordenando interiormente, o homem experiencia. O sentido atribuído a informador por Ostrower é diferente do sentido atribuído ao sujeito da informação de que fala Larrosa (2001), quando afirma “informantes e informados” quer dizer que as coisas deixam de nos acontecer, deixam de nos tocar. Divergem esses autores quanto ao sentido de Informador, contudo parecem concordar quanto ao sentido de experiência: Ostrower focaliza a experiência naquele que faz algo, que configura, domina, ordena e se ordena; Larossa focaliza - a na atitude de sentir, demorar-se nos detalhes, cultivar a atenção

e a delicadeza, falar sobre o que nos acontece, escutar os outros. Está implícita em suas concepções de experiência o homem presente à situação em que se encontra, atento ao mundo que o cerca.

Merleau-Ponty afirma “[...] o mundo está ao redor de mim, não diante de mim”

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A experiência abre-nos para aquilo que se mostra; é um abrir-se para o mundo. Ela é diferenciadora sem ser divisora. “O mundo é simultaneidade de dimensões diferenciadas” (CHAUÍ, 2002, p. 165). A arte ensina à filosofia que devemos nos mover porque a experiência e o pensamento constituem um fluxo contínuo que estabelecemos com e dentro do outro e do mundo. Sendo assim, a arte ensina que não é possível um pensamento distanciado, que paira sobre o mundo, um pensamento de sobrevôo.

É oferecendo seu corpo ao mundo que o pintor transforma o mundo em pintura. Para compreender essas transubstanciações, é preciso reencontrar o corpo operante e atual, aquele que não é uma porção no espaço, um feixe de funções, que é um trançado de visão e de movimento (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 16).

Merleau-Ponty refere-se à singularidade do perceber, decorrente do corpo próprio – o corpo que cada um possui – que mantém a unidade do percebido na situação em que está ao vivenciar e explorar o que o cerca. Toda percepção de um objeto é acompanhada pela percepção do próprio corpo e dos sentidos que percebem o objeto – é uma estrutura que se comunica no mundo sensível. É um ser ativo que descobre o mundo e que se descobre em sua experiência perceptiva – é um aprender sobre o mundo, aprendendo a sentir o próprio corpo. Aos educadores vale ter presente o que nesse sentido diz Merleau-Ponty (2006, p. 278):

[...] será preciso despertar a experiência do mundo tal como ele nos aparece enquanto estamos no mundo por nosso corpo, enquanto percebemos o mundo com nosso corpo [...] se percebemos com nosso corpo, o corpo é um eu natural e como que o sujeito da percepção.

Entendemos, portanto, que a experiência é a situação pela qual passamos e que tem a capacidade de nos transformar. Ela nos traz instabilidade, mas ao mesmo tempo nos move, nos dá insegurança, mas oferece descobertas. A experiência é o abrir-se ao desconhecido, estabelecer relacionamentos, elaborar novas conexões e tecer novos conhecimentos. Mas nem toda experiência vem a ser uma experiência estética, e é sobre isso que refletiremos a seguir.

1.1. A experiência estética

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estética? Esse autor explica que o belo não surge em função dos objetos ou na consciência; o belo é o encontro entre a consciência e o objeto. “A beleza habita a relação.” (2008, p.57-58)

Na experiência estética suspendemos nossa “percepção analítica”, “racional” para sentir mais plenamente o objeto. Deixamos fluir nossa

corrente de sentimentos, sem procurar transformá-la em conceitos, em palavras. Sentimos (Grifo do autor) o objeto e não pensamos nele. No

momento dessa experiência ocorre como uma “suspensão” da vida cotidiana, uma “quebra” nas regras da “realidade” (DUARTE, 2008, p. 58-59)

Quando vivenciamos uma experiência estética, ensina Duarte (2008), nosso cotidiano fica em estado de suspensão para estarmos inteiramente naquele momento. Deixamos de lado nossa percepção racional do mundo para compreender a verdade contida no objeto estético, não em sua utilidade e nem em sua relação com outros objetos. Diante de um objeto estético nossos sentimentos se concretizam, interpretamos e damos sentido ao que estamos vivenciando, e assim a obra se completa.

Duarte (2008b, p. 92) esclarece que, na percepção estética, “o „ser‟ do objeto é o seu aparecer”. O prazer estético está no próprio ato de perceber o objeto, e em razão disso, a percepção estética seria uma percepção desinteressada, não estando à procura de uma verdade sobre o objeto, mas sim estando interessada na verdade

do objeto, assim como ele se mostra no sensível. A experiência estética seria como um espelho que reflete nossos sentimentos, e é através desses sentimentos que nos tornamos um indivíduo. A arte tem a capacidade de nos oferecer sentidos “não conceituáveis e irredutíveis a palavras” (DUARTE, 2008b, p. 93). Ela abre potencialidades de múltiplas maneiras de ser.

A origem da arte na experiência humana vem do prazer que se vive no cotidiano, nas coisas que se faz e se admira.

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Para Fischer (1979) o homem quer ampliar-se com algo que seja mais do que apenas ele próprio, ultrapassar parcialidades com coisas que sejam exteriores a ele mesmo, num anseio de alçar à plenitude sua individualidade.

[...] o homem quer ser mais do que apenas ele mesmo. Quer ser um ser total (Grifo do autor). Não lhe basta ser um indivíduo separado; além da parcialidade da sua vida individual, anseia uma plenitude que sente e tenta alcançar, uma plenitude de vida que lhe é fraudada pela individualidade e todas as limitações; uma plenitude que busca um mundo mais compreensível e mais justo, um mundo que tenha significações (FISCHER, 19979, p.12).

Segundo Fisher (1979) o homem sente que tudo que é da humanidade lhe pertence. Ferreira Gullar, quando comemorava o Prêmio Camões da edição 2010, disse que ficava muito feliz em ver como as pessoas ficavam contentes ao cumprimentarem-no, como se também elas houvessem sido premiadas. Assim, a arte, como bem esclarece Fisher (1979, p. 13), seria uma maneira das pessoas colocarem em “circulação suas experiências e ideias”. Para esse autor, “a obra de arte deve apoderar-se da plateia não através da identificação passiva, mas através de um apelo à razão que requeira uma ação e decisão” (FISCHER, 1979, p. 15). Ao entrarmos em contato com uma obra de arte, esta deve se apoderar de nós, não por uma identificação passiva, mas por nos levar a novos pensamentos que podem ser transformadores; ao lermos uma poesia, as imagens poéticas nos levam a novos pensamentos e reflexões.

Como afirma Bachelar (2008, p. 6) “a poesia é um compromisso da alma”. A

poesia nos traz imagens poéticas de experiências vividas que são os ruídos de nosso passado incorporado ao nosso presente se abrindo para o futuro. “É necessário estar presente, presente à imagem no minuto da imagem” (BACHELAR, 2008, p. 1). Esse filósofo defende a poetização do cotidiano, da capacidade criativa e afetiva do ser humano.

Para esclarecer filosoficamente o problema da imagem poética, é preciso chegar a uma fenomenologia da imaginação. Esta seria um estudo do fenômeno da imagem poética quando a imagem emerge na consciência como um produto direto do coração, da alma do ser homem tomado em sua atualidade (BACHELAR, 2008, p. 3).

Bachelar reitera assim a concepção de fenomenologia de Merleau-Ponty

(2006, p. 1): “uma filosofia que repõe as essências na existência, e não pensa que se

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“facticidade”. A Fenomenologia da Percepção ensina sobre a experiência original do corpo – experiência do mundo - que percebe e por meio do qual se situa. “Buscar a essência do mundo não é buscar aquilo que ele é em ideia, uma vez que o tenhamos reduzido a tema de discurso, é buscar aquilo que de fato ele é para nós antes de qualquer tematização” (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 13). Em concordância com essa concepção, assevera Bachelar (2008, p. 3), “só a fenomenologia – isto é, a consideração do início da imagem numa consciência individual – pode ajudar-nos a reconstituir a subjetividade das imagens e a medir a amplitude, a força, o sentido da transubjetividade da imagem”. A imagem poética é criada a partir dos movimentos de nossas experiências. “Numa imagem poética a alma afirma a sua presença”

(BACHELAR, 2008, p. 6).

Merleau-Ponty (2004, p. 128) ilustra o que ficou exposto nas afirmações dos autores citados, em seu ensaio sobre a busca de Cézanne: “a inteligência, as ideias, as ciências, a perspectiva, a tradição novamente em contato com o mundo natural”. Esse filósofo dizia que não há conhecimento do mundo que não se produz por meio do corpo; assim, o artista é um corpo no mundo, sua experiência no mundo é também experiência do corpo. O corpo se encontra engajado no ato de perceber o mundo, e isso se dá em um movimento ativo de ver e ser visto, perceber e ser percebido. O pintor Paul Klee (2001, p. 45) refletindo sobre seu processo reitera essa concepção quando afirma: “No começo está o ato. Entretanto, mais além se encontra a ideia”.

Klee (2001b, p. 61) diz que a “arte só se consuma quando surge uma

complicação [...] alguma coisa se tornou visível, que, sem o esforço para torná-la visível, nunca seria vista”. Mas ao passarmos para o domínio da arte devemos pensar na finalidade de se fazer visível, se é apenas para recordar o que se viu ou para revelar o invisível, e esse é o “ponto essencial de toda criação artística”.

Chauí (2002, p. 165) retomando a visão merleaupontiana de experiência e arte, afirma que “o artista ensina ao filósofo o que é existir humano. A experiência é esse fundo que sustenta a manifestação da própria experiência”. E é nessa figura que se torna fundo, que ocorre a ausência que pede uma presença. Essa autora relembra que Guimarães Rosa “dizia-se falado pela linguagem que o „empurrava‟ a escrever”

(CHAUÍ, 2002, p. 167), e completa “Experiência: algo age em nós quando agimos,

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tínhamos visto. Ao penetrar o mundo familiar, tocando-o, habitando-o de um modo novo, torna palpável o impalpável, visível o invisível e desvela mistérios e belezas de um mundo desconhecido.

Um corpo esta aí quando, entre vidente e visível, entre tocante e tocado, entre um olho e o outro, entre a mão e a mão se produz uma espécie de recruzamento, quando se acende a faísca do senciente-sensível, quando se inflama o que não cessará de queimar até que um acidente do corpo desfaça o que nenhum acidente teria bastado para fazer... (MERLEAU-PONTY, 2004, p.18)

Ostrower (1997) explicaque a experiência estética se traduz na capacidade de se ordenar aquilo que percebemos e que é transposto para formas, que não são necessariamente visuais, mas que seriam compreendidas mentalmente, sendo-lhes então oferecido um sentido. Já a imaginação criativa seria “um pensar específico sobre um fazer concreto” (OSTROWER, 1997, p. 38). Neste sentido, encontramos uma declaração de Beuys que vem nos auxiliar na compreensão do que seria uma experiência estética.

A arte me levou ao conceito de uma escultura que começa na palavra e no pensamento, que aprende a construir ideias com palavras, e a transferir, para as formas, o sentir e o querer. Se o pensamento não falhar nessa tarefa, aparecerão as imagens que espelham o futuro. As idéias tomarão forma (Joseph Beuys2. A revolução somos nós. SESC Pompéia, SP.15/09 a

28/11/2010).

Para Beuys, se o pensamento não falhar, e se for possível uma ordenação das coisas interiormente, as ideias serão transformadas em forma, em expressão de algo. Serão assim as ressonâncias internas de coisas que captamos do exterior, que internalizamos e que são repercutidas para o mundo.

Klee (2001) utiliza a metáfora da árvore para que possamos entender como o artista observa, percebe e vive o estar no mundo. O artista, diz Klee (2001), organiza os fenômenos que observa na natureza de acordo com suas próprias experiências, e essa organização, mundo e vida, seriam as raízes da árvore. São dessas raízes que aflui a seiva vital que irá passar por ele. Portanto, o artista é o tronco. A seiva vital que passa por ele pressiona, tensiona para o que ele vislumbra ser a obra de arte, que como uma copa de árvore desdobra-se para todos os lados, no tempo e no espaço, e tudo o que o artista faz é “recolher e encaminhar aquilo que vem das

2Joseph Beuys (1921-1986). Joseph Beuys A revolução somos nós exposição, que leva 250 obras

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profundezas da terra. Não servir nem dominar: apenas comunicar” (KLEE, 2001, p.53). “E a beleza da copa não lhe pertence, apenas passa através dele” (KLEE, 2001, p. 53).

Fisher (1979, p. 14) explica que para “ser um artista é preciso dominar, controlar e transformar a experiência em memória, a memória em expressão, a matéria em forma”. A arte deriva de uma experiência com a realidade ao nosso redor, e ela é construída objetivamente. A cada manifestação artística os nossos horizontes ampliam-se. Dilatar os horizontes oferece ao ser humano liberdade para fazer diferentes conexões, e amplia nossa visão da vida. O sentimento de beleza, de algo que nos é belo, é algo que é desenvolvido por meio dessas experiências completas, que produzem algo visível, audível ou tangível.

São as nossas experiências que nos ajudam a compreender o mundo, são nossas referências pessoais que dão suporte para nossa análise e reflexão. A maneira como interagimos, como as coisas nos tocam, nos emocionam e nos envolvem depende de nossa bagagem cultural e do meio no qual vivemos.

A experiência estética está ligada à experiência de criar, e envolve todos os sentidos. Assim, a experiência estética encontra-se intimamente ligada ao ato de fazer algo, de observar e de ser observado, de ser e estar no mundo. A experiência estética envolve todos nossos sentidos, envolve nosso corpo no mundo e como nós o percebemos. Foi com a ajuda desses teóricos, artistas e pensadores que nos voltamos para as questões da pessoa com deficiência visual e de sua capacidade de compreensão do mundo e apropriação da linguagem da arte. A seguir, vamos detalhar na experiência e a pessoa com deficiência visual.

1.2. A experiência e a pessoa deficiente visual

Como pensar a experiência das pessoas com deficiência visual?

Se pensarmos na metáfora da experiência como um momento de passagem, de travessia, perpassada por perigos e insegurança, quais seriam os desafios para uma pessoa que não enxerga?

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sentimento de perda e desolação. O sujeito cego é visto como um ser incapaz de agir, que vive na “escuridão” total, tanto no sentido físico quanto no psicológico.

A imagem que sempre nos vêm à mente quando pensamos na travessia sem o sentido da visão é a imagem que o homem do final da Idade Média possuía do mundo. Isto é, para além daquilo que era conhecido. Nos confins do mundo havia um domínio de monstros perigosos e ocultos, prestes a atacar. O desconhecido era muito perigoso.

Figura 1: Publicado em: Novi Orbis Indiae Occidentalis, 1621: Various incarnations of the "Land Down Under"3.

Descrição da figura gravura criada pelo cientista-artista Honório Philopobus em 1621 que foi originalmente publicada pela, Novi Orbis Indiae Occidentalis. Atualmente foi publicada no livro de Joseph Nigg, The Book of Fabulous Beasts. A gravura é um mapa que conta a lenda de São Brandão que saiu da Irlanda em uma embarcação junto com alguns monges em busca do paraíso. No centro tomando grande parte da gravura encontramos a baleia Jasconius, um peixe gigante do tamanho de uma ilha. Sua cabeça está voltada para a margem direita. Do alto de sua cabeça jorram dois jatos de água em direção ao continente europeu e africano. Na frente da baleia perto do canto superior direito encontramos parte do mapa da Europa representando a península ibérica. No canto inferior direito entramos parte do mapa da África Ocidental, onde se encontram a Mauritânia e o Senegal. No centro perto da margem inferior está um barco com três homens. O barco esta voltado para a diagonal esquerda na direção oposta à África. Dois homens estão sentados de costas para o continente Africano. Eles têm aparência de monge, cabeça raspada no alto e roupas característica dos franciscano ou beneditino, ambos leem um livro. O terceiro homem está de pé com um remo na mão. O homem pé possui barba e cabelos longos e uma auréola em volta de sua cabeça, que tradicionalmente representa uma santidade. Ele está na frente dos dois monges, no lado oposto do barco. Acima de sua cabeça está a baleia-ilha. No dorso das costas da baleia vemos várias figuras ajoelhadas em semicírculo, no centro há uma figura de costas com paramentos de padre, à sua frente um altar com um crucifixo. Mais para a esquerda seguindo o corpo da baleia Jasconius, está uma caravela atracada sobre o dorso da baleia perto de seu rabo. Acima da caravela atracada, na sua

3 Unsual and Marvelous Maps. Disponível em:

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parte central da margem superior encontramos a ilha de São Brandão. Seguindo a margem superior em direção ao canto esquerdo há duas caravelas apontando para direção da diagonal esquerda. Entre o rabo da baleia e o centro da margem esquerda encontramos mais uma caravela. Abaixo da caravela, entre a ilha baleia e o canto inferior esquerdo estão as ilhas canárias e a ilha da fortuna. No canto esquerdo encontramos uma caravela navegando para o lado esquerdo.

A pessoa com deficiência visual parece ser alvo constante de interrogação por parte daquele que possui o sentido da visão.

Como ela consegue? Como ela entende? Como ela aprende?

Esses pensamentos nos remetem ao nosso interesse em propiciar experiências diferenciadas à pessoa com deficiência visual, mais explicitamente em oferecer oportunidades de conhecer o mundo e o mundo cultural. Então, como dar acesso às poéticas artísticas, às experiências do mundo, tendo como referencial não a percepção da pessoa com visão, mas sim a dos demais sentidos?

Estar diante de uma pessoa cega ou com baixa visão é estar diante de experiências distintas das nossas, e este contato coloca-nos diante de diferentes percepções, diferentes maneiras de perceber o mundo.

Masini salienta que “para poder saber do DV (deficiente visual), é, pois, necessário aproximar-se de seu corpo e da experiência que ele tem através dos sentidos de que dispõe, de maneira total e não fragmentada” (MASINI, 1994, p. 91).

Para que uma pessoa com deficiência visual organize-se no mundo, é preciso fornecer oportunidades para a exploração de todas as experiências perceptivas.

Por ser a visão o sentido que mais nos coloca em contato com as coisas, principalmente a distância e em detalhes, parece no mínimo intrigante pensar como o cego estrutura seu mundo mental e como se apropria do conhecimento das coisas que não pode vivenciar pelo tato, olfato e audição

– como o conceito de lua e nuvem, por exemplo. (ORMELEZI 2000, p. 37).

Então, qual é a chave de acesso para tornar visível o invisível, dizível o indizível, pensável o impensável?

Em nossa mente, o não-ver é identificado com a incompreensão, incompetência, ou incapacidade de compreender e conhecer com profundidade verdades do mundo.

Tenho claro na memória a lembrança do momento em que olhei para meu bebê cego e pensei: O que faço agora? Como poderei me comunicar com ele? Qual forma de educá-lo? Como ele irá conhecer o mundo, aprender com as outras crianças, sem enxergar? (SIAULYS, 2007, p. 180).

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psicossociais. Em vista disso, é preciso saber de seu passado para traçar-lhes um futuro, o que significa a “necessidade dialética de compreender os fenômenos em eterno movimento, descobrir suas tendências e seu porvir determinado por seu presente” (VYGOTSKI,1997, p. 45). “Assim como a vida de todo organismo está

orientada pela necessidade de adaptação biológica, a vida da pessoa está orientada pelas necessidades do ser social”4(VYGOTSKI, 1997, p. 45, tradução nossa).

Pensando nestas questões levantadas por Vigotski, da maneira como encaramos a deficiência como uma insuficiência, uma carência de algo que não pode ser restabelecido, o não-ver pode vir a significar para muitos dos videntes o fracasso nas relações humanas e no desenvolvimento profissional e intelectual. A representação da falta de visão habitualmente é a de falta de possibilidades, e se alguém não enxerga não aprende, não convive com o outro, não se preocupa com.

Temos a impressão de que é muito difícil compartilhar as coisas do mundo com pessoas que possuem uma deficiência sensorial.

Ormelezi (2008, p. 152) afirma: “muitas vezes, pais, professores e a sociedade confundem a não visão com a não existência, pondo em dúvida a capacidade de aprender, desenvolver-se e relacionar-se”.

Vygotski (1997) assinala que uma criança com alguma imperfeição não é inevitavelmente uma criança deficiente. O grau da sua imperfeição e da sua normalidade irá depender da compensação social. Esse autor é enfático em afirmar que, dos pontos de vista pedagógico e psicológico, uma criança cega ou surda não difere em nada de uma criança normal. O cego ou surdo é capaz de ter uma vida ativa como todas as pessoas; o que difere é a ausência de uma das vias que percebe e analisa os elementos exteriores da natureza. Portanto, em sua educação deve haver uma substituição de uma das vias por outras, para que possam analisar o ambiente exterior, reordenar o mundo em partes singulares com as quais estão vinculadas nossas reações ao meio, que são os vínculos condicionados.

O tato no sistema de conduta do cego, e a visão no surdo, não desempenham o mesmo papel nas pessoas que vêem e escutam normalmente: as obrigações e funções do tato e da visão em relação ao organismo são outras: eles devem criar uma enorme quantidade desses

4 [...]

“la exigencia dialéctica de comprender los fenómenos en eterno movimiento, descubrir sus tendencias y su porvenir, determinado por su presente.” “Así la vida de todo organismo está orientada

por la exigencia biológica de la adaptación, la vida de la personalidad está orientada por las

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vínculos com o ambiente – vínculos que nas pessoas normais recorrem a outras vias-. Daí é que vem a sua riqueza funcional – adquirida pela experiência – que, erroneamente, acreditavam ser inata própria da estrutura orgânica5 (VYGOTSKI, 1997, p. 77, tradução nossa).

Seguindo o pensamento de Vigotski, entendemos que a pessoa cega não se sente imersa nas trevas, que a cegueira não é uma desgraça, mas que se converte em desgraça em função da reação social. “A cegueira é um estado normal e não patológico para a criança cega, e ela a percebe apenas indiretamente, secundariamente, como resultado de sua experiência social refletida nela”6 (VYGOTSKI, 1997, p. 79, tradução nossa).

Somente a cegueira ou outros defeitos parciais não transformam o indivíduo em deficiente. A deficiência perturba o curso normal do contato da criança com a cultura de seu meio. Cultura essa que está adaptada a uma pessoa sem defeitos, ou problemas, físicos ou mentais. O que torna uma pessoa cega, ou com baixa visão, deficiente, é sua exclusão da sociedade, do mundo cultural, do convívio com os outros. Esse mesmo autor (VYGOTSKI, 1997) coloca que a cegueira não é apenas a falta de visão, mas uma reestruturação de todo o organismo e da personalidade. Desta forma a cegueira, ao criar uma nova configuração da personalidade, oferece nova força e reorganiza de forma criativa e orgânica a psique do homem. Por isso, a cegueira não é um defeito, mas uma fonte de revelação, uma abertura para novas possibilidades.

Se colocarmos em dúvida as capacidades de construção e reconstrução de saberes desses indivíduos, estamos restringindo as oportunidades de contato com o mundo, com as coisas e com a sociedade. Restringem-se também as possibilidades desses indivíduos tornarem-se sujeitos formadores, com capacidade de agir e transformar, limitando-os a sujeitos da informação que apenas recebem, como se nada passasse por eles.

5 El tacto en el sistema de la conducta del ciego, y la vista en el sordo, no desempeñan el mismo

papel que en las personas que ven y oyen normalmente: las obligaciones y funciones del tacto y de la vista con respecto al organismo son otras: deben crear una enorme cantidad de tales vínculos con el ambiente – vínculos, que en las personas normales, recorren en otras vías-. De ahí proviene su riqueza funcional –adquirida en la experiencia- que erróneamente se tomaba por innata, propia de la estructura orgánica.

6 La ceguera es un estado normal y no patológico para el niño ciego, y él lo percibe sólo

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Masini (2007) e Siaulys (2007) concordam que, para que uma pessoa com deficiência visual possa ter oportunidades de conhecer o mundo, de se iniciar nos mistérios do mundo, é preciso compreender seu modo de estar no mundo. “Faz-se, pois, necessário acompanhá-la na totalidade de sua maneira de ser: como age, como se comunica e se expressa, como sente, como pensa” (MASINI, 2007, p. 21).

Siaulys (2007) fala da importância da intervenção precoce como forma de oferecer oportunidades de experimentações do mundo, de aguçar a curiosidade e colocar a pessoa cega dentro do mundo familiar, explicando, descrevendo e compartilhando modos de conhecimento.

Foi com brincadeiras, conversas, contato corporal e sua participação em tudo o que acontecia ao redor que fomos encontrando o caminho, juntas. Procurava brinquedos e inventava brincadeiras, conversávamos, explicava-lhe tudo o que acontecia em casa. (SIAULYS, 2007, p. 181).

Anaute e Amiralian (2007) esclarecem-nos sobre a importância da intervenção precoce como forma de propiciar aos pais uma orientação de como se relacionar com seu filho com deficiência, oferecendo um “contato adequado, eficaz e autêntico com o meio que os circunda, permitindo, assim, que venham a desenvolver um sentido real de eu, do outro e da realidade”. Essas autoras acreditam que é pela mediação nas relações sociais que o homem se constrói. “Acreditamos que o bebê necessita da presença segura da mãe, que lhe inspire a fé em si mesmo e no mundo. O bebê só tem a possibilidade de usar os seus mecanismos mentais se o contato com a mãe-ambiente for suficientemente bom” (ANAUTE e AMIRALIAN, 2007, s/n). A qualidade do ambiente no qual esse bebê cresce é que será geradora das suas possibilidades de desenvolvimento. “A formação da identidade dessas crianças só se dará por meio da interação com os outros” (ANAUTE e AMIRALIAN, 2007, s/n). O que se busca é que essas pessoas tornem-se seres capazes, responsáveis, e que consigam explorar todas as suas habilidades e potencialidades, conseguindo ainda interagir na sociedade de forma afirmativa e positiva.

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Quando isso não é possível de acontecer, pessoas com deficiência visual muitas vezes acabam sendo encarceradas dentro de seu próprio mundo, deixam de se interessar pelo que acontece fora do seu alcance. Pais, professores, todas as pessoas que convivam com pessoas cegas ou com baixa visão devem se preocupar em proporcionar oportunidades de descobertas do mundo, de experiências compartilhadas para que efetivamente todos façam parte ativa da sociedade.

Masini (2003) propõe uma Aprendizagem Totalizante para que as pessoas com deficiência sensorial compreendam aquilo que lhes é transmitido. Essa aprendizagem considera a pessoa e sua experiência para oferecer condições de compreender aquilo que lhe é ensinado, e está ligada estreitamente aos conceitos da Aprendizagem Significativa da Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel (TAS) e do Aproximar-se, da Daseinsanalyse.

A aprendizagem Significativa “é aquela que ocorre quando o aprendiz organiza, elabora e compreende o que é ensinado” (MASINI, 2003, p. 237).

Masini (2008) afirma que, de acordo com Ausubel, para que a aprendizagem tenha significado é preciso perceber, compreender e elaborar as informações que lhe são transmitidas. Além disso, é necessário “saber quais são as representações, e/ou os conceitos e/ou ideias que o aprendiz já dispõe, para que ele possa elaborar a nova informação a partir do que já conhece”. (MASINI, 2003, p. 238).

Masini (2003, p. 238), citando Boss, oferece-nos o conceito de aproximar-se – “estar aberto para o que se mostra do outro, levando-se em conta a totalidade de seu comportamento comunicativo” – e explica:

Aproximar-se na Aprendizagem Totalizante é estar aberto para o que o aprendiz revela de sua experiência vivida, dos objetos incorporados na sua vida, das brincadeiras com amigos, da sua linguagem e hábitos familiares. Envolve condições existenciais e não apenas o aspecto intelectual. Neste sentido é do aproximar-se das relações motivacionais da sua vida, que depende a possibilidade de alcançar os seus significados para propiciar-lhe uma aprendizagem significativa (MASINI, 2003, p. 238).

Masini (2008), ensinando sobre o Aproximar-se, chega ao conceito de solicitude oferecido por Heidegger, que seria ter consideração e paciência com o outro.

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variações. Uma delas é o cuidar do outro pondo-o no colo, mimando-o, fazendo tudo pelo outro, dominando-o, ou manipulando-o, ainda que de forma sutil. A outra maneira de cuidado com outro é colocar-se diante do outro, propiciando que este assuma seus próprios caminhos, cresça, amadureça e encontre-se consigo mesmo. Esta é uma solicitude que propicia emancipação (MASINI, 2008, p. 70. Grifo do autor).

Por meio de sua pesquisa na Aprendizagem Totalizante, Masini chega à conclusão de que esta forma de contato entre educando e educador é capaz de oferecer sentido às coisas e de aproximar os dois polos, educando e educador, em um movimento dinâmico de troca de experiências, respeito mútuo e de desenvolvimento intelectual, pessoal e social.

Se for por meio de nossas experiências que compreendemos o mundo, e se são as nossas experiências que nos dão suporte para análise e reflexão, como é pensar a experiência estética da pessoa com deficiência visual? Podemos pensar em uma experiência estética sem o sentido da visão? O que é belo para o cego? Como ele percebe? Como ocorre a fruição por meio da arte? Como afirmar a potência criadora da arte para todas as pessoas? No item a seguir iremos nos aprofundar mais nesse assunto.

1.3. A experiência estética da pessoa cega

A pele não serve apenas para nos envolver e proteger do meio externo, ela faz a comunicação entre o meio externo e o interno. É através do sentido do tato que a pessoa deficiente visual adquire um conhecimento concreto e preciso do mundo que a cerca. Só o tato e a exploração tátil estão em condições de fornecer informações exatas acerca da forma de um objeto, de suas dimensões, seu peso, sua dureza, das características da sua superfície e sua temperatura. Soler (1999)

afirma que é por meio do tato que nosso cérebro recebe um grande número de informações sobre o mundo que nos cerca, pois os receptores deste sentido estão espalhados por toda a superfície cutânea, e estão conectadas com as vias nervosas, para enviar ao cérebro sinais codificados.

Lowenfeld (1956, p.160-161) reitera essas informações, quando afirma:

Imagem

Figura  1:  Publicado  em:  Novi  Orbis  Indiae  Occidentalis,  1621:  Various  incarnations  of  the
Figura 2: Atividades de compreensão da passagem do tridimensional para o bidimensional
Figura 3: Mesa paleta.
Figura 4: Fotos de Orientação e Mobilidade.
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Referências

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