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A comunicação visual do livro didático: entre palavras & imagens

Capítulo 3 O LIVRO DIDÁTICO E A COMUNICAÇÃO VISUAL

3.3 A comunicação visual do livro didático: entre palavras & imagens

Somente porque alguma coisa é legível, não significa que esteja comunicando; [...] Alguns títulos tradicionais de livros, enciclopédias, ou muitos livros que os jovens jamais apanhariam numa prateleira, poderiam ser tornados mais atraentes. [...] Você pode ser legível, mas que emoção está contida na mensagem?

David Carson39

A imagem e a escrita, desde os tempos mais antigos, sempre tiveram uma estreita ligação, uma vez que as primeiras formas de escrita eram baseadas em pictogramas e desenhos, como observa Gombrich “[...] imagens e letras são na verdade parentes consangüíneos” (1999, p.53). A linguagem escrita é, portanto, também uma linguagem gráfica, onde pode-se escrever com variados tipos de letras, com diferentes formas, tamanhos, cores, pesos e contrastes.

O traço, vestígio do corpo, do gesto, seria o elemento comum entre o desenho e a palavra. A letra, na palavra, perde sua opacidade de traço porque se faz transparente, portadora de um significado; o que caracteriza a legibilidade. Ao ler,

não se presta atenção à letra em si, porque nela o traço perde a visibilidade que tem no desenho. (WALTY et al., 2001, p.15-16).

Há também a possibilidade de se fazer justamente o contrário e explorar o potencial da palavra como imagem: como fizeram os poetas futuristas e dadaístas ao romper com a simetria da página impressa e ao usar a tipografia para criar textos cujo conteúdo era inseparável do leiaute; como fazem os publicitários hoje; ou como experimentam os autores de poesia concreta, que procuram integrar a visualidade e o sentido das palavras. Para Lupton (2006, p.74) a integração física entre forma e conteúdo “talvez tenha sido o impulso mais persistente da arte e do design do século XX”.

Fig. 12 - Capa do livro Zang Tumb Tumb Obra dos autores Futuristas Filippo T. Marinetti e Cesare Cavanna40, 1914

Fig. 13 - Poema Desabar Poesia concreta de autoria de Carlos Drummond de Andrade41

Em qualquer livro, a função da comunicação visual é a de chamar a atenção, provocar a interação e promover a leitura. O meio impresso, diferente do que acontece com outras mídias, como a televisão e o rádio, que não necessariamente obrigam o sujeito a parar, exige atenção, intenção, pausa e concentração para refletir e compreender a mensagem. Para auxiliar a atingir estes objetivos, atualmente pode-se utilizar inúmeros recursos fotográficos e de ilustração, como as feitas com massa de modelar e depois fotografadas, esculturas em papel, digitalizações de imagens de vídeo, recortes, e inúmeros outros que, junto com uma diagramação criativa e bem planejada, podem

40 In: HOLLIS, 2000, p. 36. 41 In: WALTY et al., 2001, p. 56.

facilitar a compreensão do conteúdo e incentivar o relacionamento com o objeto livro. Um olhar, que nem sempre está atento, pode ser atraído por alguma cor, imagem ou forma interessante, despertando a curiosidade. Freire (1996, p.98) diz que “o exercício da curiosidade convoca a imaginação, a intuição, as emoções, a capacidade de conjecturar, de comparar [...]”. Neste sentido, Vygotsky (2003) fala da vinculação recíproca existente entre imaginação e emoção: que os sentimentos influenciam a imaginação e a imaginação influencia os sentimentos. Desta última, cita como exemplo as páginas de um livro, e como palavras e imagens podem mexer com nossa imaginação e provocar nossos sentimentos e emoções.

Em relação à materialidade do livro, convencionou-se chamar de “arte do livro” o conjunto de atividades que abrangem sua produção, seja industrial ou artesanal, excetuando-se a parte da criação literária.

Do projeto gráfico à impressão final, podem ser arroladas muitas faturas – intelectuais, manuais ou industriais – com a participação da arte pura ou aplicada, do artesanato e da tecnologia: projeto gráfico ou programação visual, composição, paginação, ilustração, fotografia, impressão do miolo, impressão de anexos ou encartes, impressão de capa e sobrecapa, encadernação e outras atividades subalternas ou não às citadas. (SILVEIRA, 2001, p.124).

Basicamente, a estrutura de um livro é composta por três elementos principais: tipografia, diagrama (grade esquemática ou grid) e imagens. Claro que nem todo livro precisa apresentar estes três elementos. Um livro pode se utilizar apenas da tipografia e trabalhar com o espaço, o alinhamento e o contraste para criar uma mancha gráfica atraente. E as imagens podem ser usadas sem qualquer texto, com o intuito de se levar a uma narrativa a partir da imaginação do leitor, como no caso dos assim chamados “livros de imagens”.

A força da palavra em seu poder de criar imagens, apenas na mente do leitor ou transformadas em traço gráfico pelo ilustrador; a associação explícita entre o traço e a letra, evidenciada no jogo literatura/artes plásticas; ou ainda a imagem a suscitar textos verbais, são diferentes facetas de um mesmo processo: a leitura “em rede” de produção e recepção. (WALTY et al., 2001, p. 69).

É interessante observar que em muitos livros teóricos coloca-se a questão de que o livro feito para crianças deve levar em conta vários aspectos de sua produção: ilustrações de qualidade, uso de cores, capa atrativa, tamanho do livro e das letras a fim de facilitar a

leitura, entre outras coisas. Porém estas preocupações não devem ser exclusivas deste tipo de livro. Os livros destinados ao público adolescente e adulto, bem como os didáticos, também precisam deste cuidado, pois o aspecto visual sempre será decisivo para a comercialização e aceitação, independente da faixa etária.

No caso de projeto de livros, a atividade ainda é povoada de formalidades e tradições. Especificamente, no mercado de livros didáticos as páginas tem uma comunicação visual quase que padrão e algumas capas tem imagens questionáveis em relação ao conteúdo. Entre os livros didáticos da 4ª. série, abordados nesta pesquisa, há casos em que as imagens, a diagramação, a escolha dos tipos ou do número de páginas é feita em função do livro pertencer a alguma coleção e não em função da necessidade de expressão de cada livro em particular (Fig. 9). Porém existem inúmeras técnicas utilizadas na direção de arte que permitem unificar visualmente uma coleção e mesmo assim expressar a particularidade de cada livro, cada disciplina.

Fig. 14 - Capas dos livros didáticos do Projeto Pitanguá da Editora Moderna

Em relação à comunicação visual dos livros didáticos o que se observa é uma mescla de princípios já aceitos com algumas novas soluções que entram na moda. Pode ser percebida pouca ousadia neste tipo de trabalho, uma vez que há uma grande equipe envolvida em sua produção, onde é necessária a aprovação de todos. Deste modo há uma tendência a repetir velhas fórmulas, facilmente aceitas e compreendidas, fazendo com que a expressão visual acabe ficando presa a velhos preceitos. Talvez não haja uma disposição, por parte dos editores, em apostar em um projeto mais inovador, já que na arte do livro persistem alguns princípios consagrados.

O design de livros tem sido dominado pelo aspecto clássico das páginas em equilíbrio absoluto [...]. Porém, por maior que seja a segurança e a confiabilidade que a técnica harmoniosa do design nivelado pode oferecer, propiciando, como no caso dos livros, uma configuração de composição visual que não interfere com a mensagem, a mente e o olho exigem um estímulo. A monotonia representa para o design visual uma ameaça tão grande quanto em qualquer outra esfera da arte e da comunicação. A mente e o olho exigem estímulos e surpresas, e um design que resulte em êxito e audácia sugere a necessidade de aguçamento da estrutura e da mensagem (DONDIS, 2007, p.118).

Alguns questionamentos podem ser levantados: qual o comprometimento dos programadores visuais em relação ao conhecimento do universo infantil, de sua cultura, da escola? Estarão as editoras e os programadores visuais brasileiros interessados ou inseridos em questões de arte? Na opinião de Barbosa (2003, p.21):

Não posso conceber um bom designer gráfico que não possua algumas informações de História da Arte. Não só designers gráficos, mas muitos outros profissionais de áreas similares poderiam ser mais eficientes se conhecessem, fizessem Arte e tivessem desenvolvido sua capacidade analítica por intermédio da interpretação dos trabalhos artísticos em seu contexto histórico.

Outra questão é a quantidade de profisionais envolvidos no processo de produção de um livro didático. Há editores, autores, ilustradores, designers gráficos, entre dezenas de outros para a confecção de uma única obra, que muitas vezes leva mais de um ano até ficar pronta. Se não houver uma sintonia e comprometimento entre os responsáveis, o resultado provavelmente será um livro que refletirá esta falta de unidade, tanto de conteúdo, como visual. Como relata Munakata (1997) já houve uma época em que a editoria de texto trabalhava separadamente da de arte, não havia integração. A profissionalização do ramo trouxe esta integração e a tendência de ver o livro como uma unidade entre forma e conteúdo. A edição de arte nos livros didáticos deixou de ser “enfeite” e passou a ser encarada mais seriamente por muitos profissionais da área. Hoje é necessário ter vários tipos de conhecimentos, desde técnicos - como padrões de legibilidade, tipografia - até pedagógicos – como o nível de compreensão conforme as faixas etárias.

Em relação à forma física, à materialidade dos livros didáticos, em geral são uniformes e pouco estimulantes, até mesmo devido a obrigatoriedade de padronização exigida pelo governo federal. Contrastam com outros tipos de obras que, graças aos recursos técnicos da indústria gráfica e aos recursos financeiros da indústria do livro,

apresentam uma diversidade de formas, de recortes, de aplicações na capa, dobraduras, colagens, cores especiais entre outros. Nos livros didáticos das séries iniciais do ensino fundamental das escolas públicas o que se observa é uma padronização (do formato, do tipo, da gramatura do papel e do acabamento) exigida em edital do PNLD. As editoras precisam atender às especificações técnicas mínimas para produção dos livros. O formato exigido é 205mm x 275mm, com capa em cartão branco de 250 g/m2 a 300 g/m2, revestido

na frente, plastificado ou envernizado com verniz UV42 e miolo do livro em papel offset

branco, com gramatura de 75 g/m2. O acabamento pode variar entre o tipo de lombada

canoa43, com grampo, para livros com até 96 páginas ou o tipo de lombada quadrada44,

para livros com mais de 96 páginas, com miolo costurado com linha, com cola, ou grampeado com dois grampos internos e colado à capa em toda a extensão da lombada, entre outras especificações (FNDE, 2008).

Quanto à avaliação dos livros didáticos, as equipes de avaliação de cada área trabalham a partir de critérios eliminatórios e critérios de qualificação. O edital do PNLD de 2007, que diz respeito às séries iniciais do ensino fundamental, faz referência à “estrutura editorial e os aspectos gráficos editoriais” nos critérios de qualificação. Este item não é encarado como exigência, como um critério eliminatório, mas sim apenas “espera-se” que ele apresente determinadas características:

1. o texto principal esteja impresso em preto e que títulos e subtítulos apresentem-se numa estrutura hierarquizada, evidenciada por recursos gráficos; 2. o desenho e tamanho da letra, bem como o espaço entre letras, palavras e linhas, atendam a critérios de legibilidade e também ao nível de escolaridade a que o livro se destina;

3. a impressão não prejudique a legibilidade no verso da página. É desejável que textos mais longos sejam apresentados de forma a não desencorajar a leitura, lançando-se mão de recursos de descanso visual;

4. o texto e as ilustrações estejam dispostos de forma organizada, dentro de uma unidade visual; que o projeto gráfico esteja integrado ao conteúdo e não meramente ilustrativo;

5. as ilustrações auxiliem na compreensão e enriqueçam a leitura do texto, devendo reproduzir adequadamente a diversidade étnica da população brasileira, não expressando, induzindo ou reforçando preconceitos e estereótipos. Essas ilustrações devem ser adequadas à finalidade para as quais foram elaboradas e, dependendo do objetivo, devem ser claras, precisas, de fácil compreensão, podendo, no entanto, também intrigar, problematizar, convidar a pensar, despertar a curiosidade;

42 Camada protetora que, aplicada às páginas, resulta em um acabamento parecido com a plastificação. 43 Quando o miolo do impresso é grampeado com dois grampos. Ex.: revista Veja.

Neste ponto pode-se perceber o paradoxo exposto pelo edital: que as ilustrações devem ser “claras, precisas, de fácil compreensão” e também “intrigar, problematizar, convidar a pensar, despertar a curiosidade”. Poderia uma imagem ser ambas as coisas?

6. o livro recorra a diferentes linguagens visuais; que as ilustrações de caráter científico indiquem a proporção dos objetos ou seres representados; que os mapas tragam legenda dentro das convenções cartográficas, indiquem orientação e escala e apresentem limites definidos;

7. todas as ilustrações estejam acompanhadas dos respectivos créditos, assim como os gráficos e tabelas tragam os títulos, fonte e data;

8. a parte pós-textual contenha referências bibliográficas, indicação de leituras complementares e glossário. É fundamental que esse glossário não contenha erros conceituais ou contradições com a parte textual e

9. o sumário reflita a organização interna da obra e permita a rápida localização das informações. (PNLD 2007, anexo IX, p. 36).

Embora a comunicação visual possa tanto favorecer quanto desfavorecer o interesse pela leitura e, consequentemente, a aprendizagem, o PNLD não considera a qualidade visual como um item importante para estar entre os critérios eliminatórios, uma vez que aparece no campo dos critérios de qualificação. Contudo pode-se encontrar no mesmo edital uma preocupação em relação ao aspecto visual em expressões como “diagramação que encoraje a leitura”. Outro ponto a ressaltar é que as características do projeto gráfico não são tratadas com expressões técnicas da área.

Em poucas palavras: em relação à materialidade do livro didático o edital do PNLD faz inúmeras exigências quanto ao formato, tipo de papel, e outras questões técnicas; já em relação ao seu aspecto visual, a diagramação interna, há apenas orientações e nenhuma exigência até o momento.

Considerando as contribuições dos autores, citados no capítulo, que ressaltam a integração entre imagem e palavra, observa-se que ambos devem receber atenção por parte dos técnicos e profissionais envolvidos com a produção e editoração do livro didático. Seu papel na construção de conhecimentos reveste-se de importância, bem como o caráter de mediação que se estabelece no contato da criança com o livro didático, o que justifica a necessidade de atualização contínua e de busca de aprimoramento no processo de produção.