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1.4 O TEMA E OS CONCEITOS: DISCUSSÃO TEÓRICO-CONCEITUAL

1.4.3 O conceito de territorialidade

A tarefa de analisar o desenvolvimento da avicultura de corte a partir do sistema integrado de produção, expressa a necessidade de abordar esse mecanismo de produção como uma ação estratégica das agroindústrias avícolas. Uma ação estratégica que tem sido decisiva no momento de territorialização destas empresas nos municípios de Conceição da Feira e de São Gonçalo dos Campos e, assim, a discussão a respeito do conceito de territorialidade se torna indispensável. Assim como o território, o conceito de territorialidade também tem sua gênese nas ciências naturais, sendo posteriormente introduzido nos estudos das ciências sociais, mas ainda com certa dificuldade no que se refere à diferenciação entre territorialidade animal e territorialidade humana.

Sack (1986 apud BRITO, 2002 p. 17) distinguindo a territorialidade humana da territorialidade animal afirma que a primeira corresponde à “tentativa por

um indivíduo ou um grupo para afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relações, pela delimitação e afirmação do controle sobre uma área geográfica”.

Esse conceito, assim definido, revela um caráter de estratégia para que, através da apropriação e controle sobre uma determinada porção do espaço, um agente - um indivíduo, uma empresa, um grupo social, por exemplo – possa intervir fortemente sobre outros agentes, fenômenos e relações, visando a realização de seu interesses na dinâmica territorial.

O autor aponta, nesse preambulo, o aspecto das relações que ocorrem entre os agentes na apropriação do território afirmando que “a territorialidade para os seres humanos é uma poderosa estratégia geográfica para controlar pessoas e coisas através do controle de uma área” (SACK 1986 apud CORRÊA 1994 p. 256).

Para Raffestin (1993, p. 160) territorialidade é definida como "um conjunto de relações que se originam num sistema tridimensional sociedade - espaço – tempo em vias de atingir maior autonomia possível, compatível com os recursos do sistema". Na perspectiva colocada por esse autor, o conceito de territorialidade expressa não só uma relação entre o espaço e a sociedade, como também, as relações mediadas pelo poder entre os homens que compõe esta sociedade.

Assim, a questão fundamental aí é a relação com a exterioridade, ou seja, a relação com o espaço e também entre os homens. Esse elo, por sua vez, não se refere apenas ao espaço modelado, mas também aos indivíduos e os grupos que aí se inserem (RAFFESTIN, 1993). Destarte, a territorialidade encontra-se fixada no bojo das relações dos homens com o espaço (território) e também das relações entre os homens no processo de reprodução da vida. Em outros termos, a territorialidade, conforme o referido autor (p. 161):

resume, de algum modo, a maneira pela qual as sociedades satisfazem, num determinado momento, para um local, uma carga demográfica e um conjunto de instrumentos também determinados, suas necessidades em energia e em informação (p. 161).

Para Rafesttin, a territorialidade se revela nas relações entre os atores [agentes] sintagmáticos no processo de construção territorial. Assim, a territorialidade se manifesta em todas as escalas espaciais e sociais, dentro do quadro da produção, da troca e do consumo das coisas. “É sempre uma relação, mesmo que diferenciada, com outros atores [agentes]” (RAFFESTIN, 1993, p. 161).

Para Corrêa (1994, p. 251), territorialidade é o:

conjunto de práticas e suas expressões materiais e simbólicas capazes de garantirem a apropriação e permanência de um dado território por um determinado agente social, o Estado, os diferentes grupos sociais e as empresas.

Logo, a territorialidade representa as ações e estratégias demandadas no território pelos diversos agentes sociais, visando ao estabelecimento de determinadas relações com os demais agentes construtores do espaço. Desta forma, o referido autor também expressa esse conceito como uma gama de ações que visam estruturar o território de modo a estabelecer as condições necessárias à permanência e ao crescimento do(s) agente(s) que as implementam.

Novamente aqui, impõe-se a necessidade de continuar apontando o enquadramento teórico-conceitual que norteiam a busca por respostas às questões colocadas para realização da presente pesquisa.

Por esta razão no que toca ao conceito de territorialidade, esta pesquisa toma como base teórica e conceitual a linha desenvolvida por Corrêa (1994) e Raffestin (1993). As abordagens realizadas pos estes autores não são mutuamente excludente e, assim, no que se refere a Corrêa (1994), procura-se valorizar o conceito de territorialidade como um conjunto de ações e estratégias materiais e simbólicas que, operadas pelos agentes sociais, são estabelecidas no espaço lhes proporcionando a apropriação e permanência de um dado território. Portanto, a utilização deste autor como base teórica na presente pesquisa segue no sentido de considerar a territorialidade como a expressão das ações e estratégias das agentes sociais que, dentro da temática aqui abordada, são as empresas agroindustriais avícolas.

No tocante à utilização das abordagens de Raffestin (1993), o objetivo é valoriza a questão das relações de poder que permeiam o conjunto das ações e estratégias dos agentes sociais, conduzindo as relações entre estes agentes e, destes com o território. É uma perspectiva que permite enfatizar que, ao implementar ações estratégicas que conduzem para uma apropriação do espaço, os agentes sociais territorializam-se participando de uma dinâmica movida por suas relações com o espaço, mas, também, com outros agentes.

Na dinâmica da avicultura de corte, os agentes sociais – principalmente as empresas avícolas – desenvolvem ações que constituem estratégias de territorialização e estabelecem relações de influencia e/ou controle com outros agentes - em especial, com os produtores integrados. São ações guiadas para atender os interesses e objetivos dos agentes que as implementam e resultam na alteração ou manutenção do quadro social, econômico e político no qual se insere.

Segundo Raffestin (1993), “a análise da territorialidade só é possível pela apreensão das relações reais recolocadas no seu contexto sócio-histórico e espaço temporal” (p. 162). Assim é preciso destacar que a constituição do setor agroindustrial avícola encontra-se inserida dentro do processo de expansão do sistema capitalista, via modernização do campo. Destarte, a expansão da avicultura de corte decorre das transformações tecnológicas, genéticas, econômicas e sociais às quais está atrelado o movimento de expansão das relações sociais capitalistas de produção como um todo, que, ao expandir-se em um determinado lugar, produz-lhe uma especificidade própria, uma territorialização.

A análise da dinâmica de desenvolvimento da avicultura de corte nos municípios de São Gonçalo dos Campos e Conceição da Feira, nesse sentido, passa pela questão da territorialidade das agroindústrias avícolas, o que conseqüentemente remete à compreensão das relações sociais de produção dentro do processo de expansão do sistema capitalista no campo.

Segundo Oliveira (1986, p. 5), “esse processo contínuo de industrialização do campo traz na sua esteira transformações nas relações de produção na agricultura, e, concomitantemente, redefine toda a estrutura socioeconômica e política no campo”. Tais transformações refletem a dinâmica de expansão do modo capitalista de produção e, ao mesmo tempo, representam as bases da territorialidade dos complexos agroindustriais que caracterizam esse processo.

A introdução de inovações tecnológicas resultando na diversificação e no aumento da produção é um dos reflexos dessa dinâmica e expressam a inserção das agroindústrias no espaço e a sua conseqüente estruturação territorial, através da implantação de “novos” objetos produtivos. Entretanto, esses fatores dificilmente iriam desempenhar tal tarefa se não houvesse também transformações nas relações produtivas, que, inclusive, são proporcionadas pelo uso dessas inovações.

As engrenagens que movem essa dinâmica são as ações e estratégias conduzidas, principalmente (mas não unicamente) pelas agroindústrias avícolas. Mas, o que constitui as ações e as estratégias?

Segundo Raffestin (1993), a estratégia “descreve a combinação de uma série de elementos a serem convocados para chegar a um objetivo” (p. 42).

Para Santos (1996) “a ação é um processo, mas um processo dotado de um propósito. [...] é subordinada a norma, escritas ou não, formais ou informais e a realização de propósito reclama sempre um gasto de energia” (p. 78).

Tanto as estratégias quanto as ações implicam na presença de um agente que atua no sentido de atingir fins e objetivos. A excussão dessas ações revela a necessidade de interagir com outros agentes e exige um gasto de energia que resultam na transformação das relações sociais e, ainda, do espaço – o que implica na criação de objetos técnicos produtivos. Desse modo, é oportuno resgatar as colocações de Santos (1996, p. 63) quando afirma que “sistemas de objetos e sistemas de ações se interagem. De um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações leva a criação de objetos ou se realiza sobre objetos preexistentes”.

Considerando as especificidades das questões desta pesquisa que envolve a temática da avicultura de corte, ações e estratégias referem-se, neste estudo, à atuação das empresas avícolas da Bahia e, especialmente, nos municípios de Conceição da Feira e São Gonçalo dos Campos. Atuação que orienta o processo de territorialização destas empresas e, portanto, constitui a sua territorialidade.

O fato é que, neste processo, a atuação destas empresas avícolas resultam na criação de “novos” objetos produtivos (unidades de produção) mas, também na (re)orientação das relações de produção no interior do circuito produtivo da avicultura.

Assim, há uma preocupação central neste trabalho que é discutir a territorialidade da avicultura de corte a partir da (re)orientação dessas relações de produção e trabalho, no interior do sistema integrado de produção avícola implantado pelas agroindústrias avícolas, nos municípios de Conceição da Feira e São Gonçalo dos Campos.

Como afirmamos anteriormente, a territorialidade implica na presença de agente que, através de suas ações estratégicas interagem entre si e com o espaço. A expansão da avicultura de corte a partir da implantação do sistema integrado de

produção constitui uma das bases da territorialidade das agroindústrias avícolas que desenvolvem a ação de implementá-lo. Tal sistema resulta numa interação destes agentes (as empresas avícolas) com um determinado espaço, mas é concomitantemente uma interação com outros agentes sociais, isto é, com os produtores integrados. Tal fato permite afirmar que a territorialidade é também uma relação, mesmo que diferenciada, com outros agentes.

É uma interação construída a partir das relações econômicas, reveladora, ao mesmo tempo, das relações de poder visto que, como aponta (FOULCALT, 1977 apud CASTRO, 2005, p.98), estas

não se encontram em posição de exterioridade com as outras relações – como econômicas, [políticas] ou de conhecimento -, são efeitos imediatos das partilhas, desigualdades e desequilíbrios que se produzem nas relações entre desiguais

Para Raffestin (1993) o poder é relacional, pois, funciona como parte intrínseca de toda relação, manifestando-se por ocasião da relação. Segundo este autor:

[...] relação é o ponto de surgimento do poder, e isso fundamenta sua multidimensionalidade. A intencionalidade revela a importância das finalidades e a resistência exprime o caráter dissimétrico que quase sempre caracteriza as relações. [...] significa que o poder está ligado muito intimamente à manipulação dos fluxos que atravessam e desligam a relação, a saber, energia e informação (p. 53-54).

Longe de querer apresentar uma definição rígida do conceito de poder - o que, inclusive, não é o objetivo central deste trabalho – é preciso ressaltar alguns elementos que caracterizam as relações de poder que permeiam as relações de produção e trabalho estabelecidas entre as empresas agroindustriais avícolas e os produtores integrados.

Há um aspecto comum nas acepções sobre relações de poder colocadas anteriormente. Tal aspecto refere ao fato das relações de poder se estabelecer no âmbito das diversas relações sociais que apresentam um caráter assimétrico, em que os agentes envolvidos são diferenciados, desiguais, no que diz respeito às possibilidades e meios que dispõem para executar seus planos, atingir seus objetivos, atender seus interesses.

A implantação do sistema integração avícola constitui uma ação estratégica, por parte das empresas, voltada para a orquestração das relações produtivas. Essa orquestração, por sua vez, envolve interações entre agentes diferenciados pois possuem uma capacidade diferenciada de agir sobre as coisas, as pessoas, os objetos e sobre as relações sociais. É uma relação entre desiguais e tal fato implica no estabelecimento de relações assimétricas e, é exatamente aí que essas interações produtivas revelam ser relações de poder em que têm intrinsecamente um componente de assimetria. O poder se manifesta em situações relacionais assimétricas (CASTRO, 2005).

Os principais agentes – empresas avícolas e produtores integrados – envolvidos na dinâmica do sistema integrado avícola não são homogêneos uma vez que, dispõem de capacidades diferentes para mobilizarem recursos visando alcançar seus objetivos. Neste caminho que o sistema de integração avícola forma uma dinâmica de relação de produção e de poder visto que “supõe assimetrias na posse de meios e nas estratégias para seu exercício e, o território é tanto um meio como uma condição de possibilidade de algumas destas estratégias” (CASTRO, 2005, p. 93).

Entende-se, assim, que as relações de poder implicam no estabelecimento de um campo de forças em que agentes sociais diferenciados, no caso em estudo, empresas avícolas e produtores integrados, agem e interagem com a intenção de estabelecer condições – sejam elas: econômicas, políticas e/ou sociais – que lhes possibilitem a permanência e reprodução em um determinado espaço. Nesse processo, o território constitui um elemento importante, pois, através dos seus recursos, pode viabilizar ou dificultar a realização dos interesses dos agentes. Sendo assim, significa meio e uma condição para estratégias e ações destes agentes. É neste contexto que se assenta uma das dimensões da territorialidade das empresas agroindustriais avícolas.

A territorialidade se processa a partir do relacionamento entre os diferentes agentes sociais. Relações estas são permeadas por interesses diversos cujas ações para atingi-los revelam um caráter de conflito, de resistência, que envolve o uso do território. Nessa perspectiva, a liderança exercida por determinados agentes advém, sobretudo, de sua capacidade de mobilizar os recursos e instrumentos capazes de auxiliar na realização de seus interesses. Tal liderança é estabelecida pelos diferentes “pesos” político (por vezes

institucionalizado), econômico, social e/ou cultural que cada agente possui e expressa nas relações entre eles.

É essa dinâmica que, em grande parte, norteia o processo de territorialização das agroindústrias avícolas nos municípios de Conceição de Feira e São Gonçalo dos Campos – Ba. Territorialização que neste trabalho é compreendida como a materialização no espaço das relações sociais de produção, estabelecida entre os agentes sociais e tem como uma de suas dimensões, as formas territoriais (unidades produtivas, por exemplo) criadas ou reestruturadas.

Este processo de territorialização resulta da dinâmica comandada pela territorialidade dos referidos agentes. Assim, a territorialidade é apreendida, aqui, como um conjunto de ações e estratégias que são implementadas pelas empresas agroindustriais avícolas, num “jogo” de interesses espacializados, cujo objetivo essencial é estabelecer as condições que garantam a sua permanência e reprodução a partir da apropriação de um espaço, tornando-o território. Isto ratifica uma perspectiva que permite evidenciar dois aspectos do conceito de territorialidade: o aspecto da ação e estratégia dos agentes e o aspecto da relação estabelecida entre eles. O objetivo é analisar a territorialidade, isto é, as ações e estratégias executadas pelas agroindústrias avícolas na implantação e funcionamento do sistema integrado de produção avícola, evidenciando, outrossim, a dinâmica das relações combinadas entre a empresa integradora e os produtores integrados nos municípios de Conceição da Feira e São Gonçalo dos Campos.

2 FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO TERRITORIAL DOS MUNICÍPIOS DE SÃO