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2 FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO TERRITORIAL DOS MUNICÍPIOS DE SÃO GONÇALO DOS CAMPOS E CONCEIÇÃO DA FEIRA

2.2 FORMAÇÃO TERRITORIAL DOS MUNICÍPIOS DE SÃO GONÇALO DOS CAMPOS E CONCEIÇÃO DA FEIRA

2.2.1 A ocupação territorial e dinâmica atual do Município de São Gonçalo dos Campos

2.3.1.1 Dinâmica do espaço rural de São Gonçalo dos Campos

Embora a criação de gado tenha influenciado na formação territorial de São Gonçalo dos Campos, o município historicamente teve a agricultura como base de sua atividade econômica e, nesse sentido, a cultura fumageira ganha maior destaque, sobretudo, pela importância desse produto no comércio de escravos. Assim, desde a colonização, a cultura, beneficiamento e a comercialização do fumo formavam a atividade econômica básica do município, sendo complementar à produção açucareira do Recôncavo Baiano, uma vez que a mão-de-obra escrava utilizada nos engenhos e nas plantações de açúcar advinha das trocas de fumo por escravos no litoral africano.

Por esse fato, no Recôncavo e, mais especificamente em São Gonçalo dos Campos, a produção fumageira, introduzida desde o século XVII, conheceu, durante um período relativamente longo, um processo de difusão que alcançou o mercado de diversos países europeus e africanos.

No município, essa produção possuía características que de certa forma a diferenciava da produção canavieira, pois era desenvolvida tradicionalmente por pequenos proprietários que utilizavam basicamente a mão-de-obra familiar embora existissem grandes propriedades produtoras de fumo que utilizavam mão-de-obra escrava.

Durante um longo período o município de São Gonçalo ficou conhecido pela produção do fumo de melhor qualidade da Bahia. Segundo Silva (2001), em meados do século XIX, a produção do fumo tornou-se fabril com a implantação de

fábricas artesanais que utilizavam mão-de-obra familiar na produção de charutos, cigarros e rapé.

Com a extinção do trabalho escravo, a produção fumageira no município passou a ser controlada pelas grandes fábricas exportadoras instaladas no final do século XIX. Destaca-se nesse momento a presença do capital estrangeiro, sobretudo, alemão, envolvido no beneficiamento e comercialização do produto. Como afirma Silva (2001, p. 27), “essa presença de crédito e capitais alemães nas firmas fumageiras baianas demonstra o papel de intermediário desses grupos estrangeiros entre a Bahia e os mercados externos”.

Na primeira metade do século XX, durante o período áureo da cultura do fumo, o município de São Gonçalo contava com a presença de grandes armazéns, em sua maioria representantes de empresas estrangeiras. Dentre essas empresas pode-se citar a Suerdieck Exportadora S/A, a Dannemann, a Mongeroth Leone Ltda., a Este Asiático Exportação e a Sociedade Exportadora Garrido.

A dinâmica apresentada pela produção fumageira influenciou efetivamente na organização espacial do município refletindo também no setor de comércio que se tornava bem mais intenso durante o período da produção de fumo. Entretanto, a crise fumageira, iniciada na década de 1960, por fatores de ordens diversas, culminou na retração do comércio local, provocando elevados índices de desemprego em um município onde a maior parte da população encontrava-se empregada em atividades fumageiras. Paralelamente, a crise provocou modificações no uso da terra, pois, as terras antes ocupadas com o fumo, gradativamente deram lugar às culturas de subsistência e às pastagens destinadas, principalmente, para a pecuária bovina.

A tabela n° 2 apresenta dados referentes à utilização de terras da área rural do município de São Gonçalo dos Campos. As lavouras constituem a forma de exploração presente em grande parte dos estabelecimentos, ocupando, com lavouras temporárias, 1,408 ha (8,7%) e, com lavouras permanentes, 262 ha (1,6%) das áreas rurais do município, o que totaliza 1670 ha, ou seja,10,3%. Por outro lado, das áreas rurais de São Gonçalo dos Campos, 3.925 ha (24,3%) destinam-se ao uso de pastagens naturais e 8.647 ha (53,6%) são explorados via pastagens plantadas, o que totaliza cerca de 12.572 ha, ou seja, 77,9% das terras.

Tabela n° 2

Utilização de terras no município de São Gonçalo dos Campos - Ba: 1996

Usos Estabelecimentos Área (ha) Área (%)

Lavouras temporárias 701 1.408 8,7

Lavouras permanentes 150 262 1,6

Pastagens Naturais 250 3.925 24,3

Pastagens Plantadas 464 8.647 53,6

Matas e florestas naturais 181 1.295 8,0 Matas e florestas plantadas 22 72 0,4 Produtivas não utilizadas 201 529 3,3

TOTAL - 16.138 100

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1996

A cultura de fumo marcou profundamente o espaço rural de São Gonçalo dos Campos, mas hoje tem uma expressão tímida neste município. Atualmente, a produção de culturas de subsistências, principalmente, mandioca, milho e feijão, é o que mais caracteriza o segmento da agricultura do referido município.

No que se refere à atividade pecuária, sobretudo, a pecuária bovina, Santos (1990) afirma que “os indícios da pecuarização vão se fazendo notar paralelamente ao declínio da fumicultura, que no fim da década de 60 estava inteiramente desarticulada em São Gonçalo dos Campos.” (p. 86).

O referido autor, analisando a pecuarização do município de São Gonçalo dos Campos, defende que esse processo constitui uma das formas que o capital encontrou para aproveitar as oportunidades abertas com a decadência fumageira e promover a expansão capitalista no campo. Nesse sentido, observa-se que, a partir desse momento, o desenvolvimento dessa atividade irá comandar um movimento de transformação socioespacial adequando a organização espacial do município de forma a atender a essa “nova” dinâmica que se instala sobre o território.

É importante ressaltar, porém, que o desenvolvimento da pecuária não é um fato verificado estritamente em São Gonçalo dos Campos, pois, a expansão dessa atividade ocorre, basicamente, no mesmo período, em grande parte da microrregião de Feira de Santana. Daí, Santos (1990) afirma que muitos dos elementos propulsores da pecuária em São Gonçalo dos Campos encontravam-se localizados em outros municípios, sobretudo, em Feira de Santana, por conta da criação da COOPERFEIRA e do Centro Industrial Subaé que passaram a incentivar a criação de gado na região.

Embora a pecuária bovina tenha obtido expressão como atividade econômica do município, sobretudo, no período posterior a decadência da cultura fumageira, ainda assim, a agricultura continua a se fazer presente como atividade principal na maioria dos estabelecimentos rurais, conforme dados apresentados na tabela n° 3.

Tabela n° 3

Atividade econômica principal nos estabelecimentos rurais do município de São Gonçalo dos Campos - BA: 1996

Atividade Estabelecimentos %

Lavouras temporárias 414 47,8

Lavouras permanentes 40 4,6

Horticultura 10 1,2

Pecuária 262 30,2

Produção mista (agricultura e pecuária) 140 16,1 Silvicultura e exploração florestal 01 0,1

TOTAL 867 100

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1996

Constata-se que mesmo sendo uma parcela considerável de 77,9% das áreas rurais destinadas às pastagens (conforme destacado anteriormente na tabela n° 2), dos 867 estabelecimentos, em 464 (53,6%) desenvolve-se, como atividade principal, a agricultura, distribuída entre lavouras temporárias (47,8%), lavouras permanentes (4,6%) e horticultura (1,2%).

A pecuária é desenvolvida como atividade principal em cerca de 262 estabelecimentos (30,2%) e, em outras 140 propriedades rurais (16,1%), a produção mista é a principal forma de exploração econômica. Se considerarmos que as pastagens ocupam 77,9% das áreas rurais do município, mas, a agricultura é a principal atividade econômica na maior parte dos estabelecimentos rurais, é possível afirmar que as propriedades de maior dimensão destinam-se, principalmente, para a criação de gado.

O importante a reter nesse momento é o fato de que inicialmente a cultura fumageira e, posteriormente, a pecuária bovina, estruturaram as bases da dinâmica do espaço rural de São Gonçalo dos Campos, evidenciando assim as marcas históricas do processo de ocupação e exploração de espaço. Os reflexos desse processo encontram-se presentes nas relações de produção e trabalho das

propriedades rurais do município o que nos conduz à necessidade de analisar a distribuição das terras e as condições dos que nelas produzem.

No tocante à estrutura fundiária, o município apresenta um quadro que não difere muito do quadro nacional já que é caracterizado pela predominância de pequenas propriedades cujo conjunto ocupa uma área relativamente pequena se comparada com a área ocupada pelas grandes propriedades do município (tabela n° 4).

Tabela n° 4

Número de estabelecimentos e áreas ocupadas no município de São Gonçalo dos Campos – BA: 1996

Grupos de áreas (ha) Estabelecimentos (%) Área (ha) (%)

Menos de 1 46 5,3 36 0,2 De 1 a menos de 2 114 13,1 170 1,0 De 2 a menos de 5 258 29,8 850 5,1 De 5 a menos de 10 153 17,6 1069 6,4 De 10 a menos de 20 110 12,7 1525 9,1 De 20 a menos de 50 102 11,8 3117 18,7 De 50 a menos de 100 40 4,6 2799 16,8 De 100 a menos de 200 38 4,4 5143 30,9 De 200 a menos de 500 06 0,7 1954 11,7 Total 867 100,0 16663 100,0

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1996

Os dados da tabela n° 4 evidenciam que, dos 867 estabelecimentos rurais, 681, ou seja, 78,5% possuem dimensões que variam de menos de 1 a menos de 20 ha, ocupando apenas 3650 há, o que representa apenas 21,8% da área rural do município.

Por outro lado, 44 estabelecimentos, o que equivale à 9% total, possuem áreas com dimensões que variam de 100 a menos de 500 ha, mas ocupam 7.097 ha de terra, o que corresponde a cerca de 42,6% da área rural do município.

Tendo em vista que o módulo rural estabelecido para região é de 30 hectares, verifica-se que a estrutura fundiária do município é constituída, preponderantemente, de pequenas propriedades (78,5%), que sobrevivem com dimensões inferiores ao módulo rural da região e produzem basicamente para subsistência e para comercialização local de sua produção. Entretanto, essas propriedades em seu conjunto ocupam apenas 21, 8 % da área rural, denunciando,

assim, a tendência de concentração fundiária que também está presente na estrutura agrária brasileira.

No geral, a dinâmica do espaço rural do município de São Gonçalo dos Campos revela que a parcela considerável da população (50,2%) que reside nas áreas rurais está submetida à condições precárias de sobrevivência no campo

No que se refere às condições do produtor segundo a propriedade da terra, embora as relações capitalistas de produção sejam predominantes, ainda observa- se que relações que não são tipicamente capitalistas também estão presentes no espaço rural em São Gonçalo dos Campos, sobretudo nas pequenas e médias propriedades. Nesse sentido, verifica-se um constante predomínio de proprietários (97,8%) em relação aos demais tipos produtores no município, mas, o arrendamento (0,3%), a parceria (0,3%) e a ocupação (1,5%) também se fazem presentes, embora em menor número (tabela n° 5).

Tabela n° 5

Condição do produtor no município de São Gonçalo dos Campos – BA: 1996

Condição Estabelecimentos (%) Área (ha) (%)

Proprietário 848 97,8 16.561 99,4

Arrendatário 03 0,3 37 0,22

Parceiro 03 0,3 13 0,07

Ocupante 13 1,5 52 0,31

TOTAL 867 100 16.663 100

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1996

Segundo Oliveira (2001), o sistema de produção capitalista ao se desenvolver o faz de forma desigual e contraditória criando e recriando internamente aspectos aparentemente contraditórios a si mesmo. Nessa perspectiva, esses mecanismos de arrendamento, parceria ou ocupação têm significado a forma pela qual o pequeno produtor procura promover os meios de sua sobrevivência no campo, sobretudo em um momento em que as relações capitalistas de produção têm se tornado cada vez mais dominantes no espaço rural brasileiro. Entretanto, a permanência e recriação dessas relações de produção também constituem a face contraditória através da qual o capital se estabelece utilizando relações de trabalho não capitalistas.

Dentro desse quadro, constituído pela predominância de proprietários de pequenas unidades produtivas que, em sua maioria, dedicam-se à produção para subsistência e com um grau de mecanização incipiente, a mão-de-obra predominante nas relações de trabalho é a familiar. Nessa perspectiva, uma parcela expressiva do pessoal ocupado nos estabelecimentos rurais é constituída de membros da família que não são remunerados pelas atividades que desenvolvem na propriedade.

Oliveira (2001, p. 18) ao discutir as contradições do desenvolvimento capitalista na agricultura afirma que encontra-se:

[...] junto com o processo geral de desenvolvimento capitalista que se caracteriza pela implantação das relações de trabalho assalariado (os bóias-frias, por exemplo), a presença das relações de trabalho não capitalistas como, por exemplo, a parceria, o trabalho familiar camponês, etc.

Evidentemente que as relações de trabalho assalariado também se fazem presentes em São Gonçalo dos Campos, principalmente, naqueles estabelecimentos em que a atividade de destaque é a pecuária bovina, mas, considerando que esta atividade se desenvolve nos moldes extensivos, o contingente assalariado é expressivamente menor se comparado à mão-de-obra familiar presente nas propriedades rurais do município de São Gonçalo dos Campos.

De um modo geral, o processo de ocupação e distribuição das terras se reflete na atual estrutura fundiária do município. Assim, a dinâmica do espaço rural do município de São Gonçalo dos Campos tem sido marcada pela forte presença de pequenas propriedades, onde os produtores encontram-se submetidos em condições precárias de produção, pois, o que é produzido, em sua maioria, são produtos destinados aos mercados locais e, portanto, não contam com apoio efetivo de políticas agrícolas. Assim, a falta de políticas de créditos e extensão rural tem contribuído para dificultar a produção nas pequenas propriedades e, ao mesmo tempo, tem levado ao agravamento das condições sociais dos produtores. Nessa perspectiva, esse quadro tem influenciado decisivamente no processo de precarização do campo expulsando das áreas rurais um grande contingente de agricultores empobrecidos. Em que pese tal situação, a dinâmica apresentada pelo espaço rural do município vai se revelar como um elemento importante para a expansão da avicultura de corte e do sistema integrado de produção.

2.3.2 A ocupação territorial e dinâmica atual do Município de Conceição da