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Decorre da correlação entre as dimensões uma indagação de alta relevância que se refere a como elas se articulam, tendo em vista a possibilidade das áreas da sustentabilidade serem conflitantes entre si. A sustentabilidade é um terreno fértil para casos difíceis.

265 Sobre a relação entre catástrofes naturais e o direito do urbanismo com foco no planejamento, e

gestão urbanística para prevenção e reação a eventos naturais extremos, v. FERNANDA PAULA OLIVEIRA E DULCE LOPES, Catástrofes naturais e Direito do Urbanismo disponível em

Será que alguma dimensão, em particular a sustentabilidade ambiental, ostentaria uma precedência apriorística em relação às demais? E se essas dimensões da sustentabilidade entrarem em conflito, como ele poderia ser solucionado266?

As dimensões não são isoladas, elas se inter-relacionam e, por consequência, não deveriam, por regra, ser mutuamente excludentes em uma espécie de “tudo ou nada” no sentido de que ou haveria a aplicação da sustentabilidade ecológica ou da sustentabilidade econômico-financeira.

Não se pode cogitar que seja sustentável a exploração por um Estado de todos os seus recursos naturais ainda que tenha por fim aumentar seus recursos financeiros, diminuir a dívida pública e assegurar um equilíbrio econômico-financeiro. Ou do contrário, preservar todos os seus recursos naturais em prejuízo da sua saúde financeira e de sua capacidade de prover serviços sociais mínimos à população.

Apesar de se tratarem de situações extremas, a pretensão é demonstrar que haverá graus ou níveis em que a sustentabilidade será aplicada em relação às suas respectivas dimensões, ou seja, a sustentabilidade não opera de forma linear, na qualidade de um princípio, ela possui zonas de operação que dependem do caso concreto.

A verificação dessa zonas de atuação dependerá, em primeiro lugar, da eventual existência de uma norma regra de sustentabilidade prescrita para aquela situação. Nessa hipótese, haverá uma prévia ponderação do legislador, dotado de legitimidade democrática, que terá optado pela prevalência de determinado resultado. Não se afirma que a regra de sustentabilidade não poderá ser afastada em dado caso seja por uma outra regra ou princípio, mas que sua existência trará um reforço para sua aplicação.

Além disso, a sustentabilidade é um princípio vocacionado para a conciliação de conflitos, ao qual será necessário recorrer frequentemente para a adoção de soluções problemáticas. Nesses casos, deverá ser realizado o recurso aos métodos tradicionais de

266 Acerca do reconhecimento de um “princípio da conciliação” dos pilares do desenvolvimento

sustentável relacionado ao controle de sustentabilidade exercido pela jurisdição administrativa na França e apontando a importância de diretrizes legislativas para permitir equilíbrio na conciliação, sob pena de um desenvolvimento sem conservação ou proteção do ambiente, v. CHANTAL CANS, O

princípio da conciliação: rumo a um controlo da sustentabilidade in Revista do Centro de Estudos

de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente - CEDOUA, n.º 21, Ano XI, 1.08, 2008, p.

solução de conflitos normativos, recorrendo-se à estrutura da sustentabilidade para esse auxílio.

O princípio da sustentabilidade deverá ser aplicado de modo holístico, considerados além de outros interesses públicos relevantes, todas as suas áreas de aplicação, conforme o caso, em conjunto a cada decisão da Administração, sopesando-se os interesses envolvidos, ocasião em que serão definidas as respectivas zonas de atuação do princípio.

Reconhece-se que essa conclusão pode terminar por atribuir ao aplicador da sustentabilidade uma grande margem de apreciação267, que poderia frustrar a proteção do ambiente num momento em que o planeta vem sofrendo com a maciça perda de biodiversidade e as consequências adversas das mudanças climáticas para citar dois gravíssimos problemas ambientais268.

CARLA AMADO GOMES afirma acerca do desenvolvimento sustentável que a ausência de hierarquia entre seus objetivos e sua aplicação pela via do princípio da proporcionalidade acaba, na prática, por subalternizar o ambiente269.

E para CHANTAL CANS “a conciliação entre os três pilares do desenvolvimento sustentável constitui o grau mais baixo de protecção do ambiente que imaginamos desde o seu aparecimento na esfera das políticas públicas”270.

Em que pese esses sérios riscos expostos quanto ao desenvolvimento sustentável e que por tudo plenamente aplicáveis também ao princípio da sustentabilidade, não se vislumbra outra via possível para a aplicação da sustentabilidade.

Pode-se apontar, contudo, algumas propostas para minimizar os riscos da subjetividade – que não é exclusiva da sustentabilidade – nessa avaliação.

A primeira é que a partir da superação gradual das dificuldades na correlação entre sustentabilidade e democracia o legislador – assegurando o maior grau de participação e

267 Cf. CARLA AMADO GOMES, A insustentável leveza do princípio do desenvolvimento sustentável

in Revista do Ministério Público n.º 147, Julho-Setembro 2016, p. 154.

268 Cf. CARLA AMADO GOMES, A insustentável leveza..., p. 157. 269 Cf. CARLA AMADO GOMES, A insustentável leveza..., p. 153. 270 Cf. CHANTAL CANS, O princípio da conciliação..., p. 48.

pluralidade possíveis – terá a tarefa de criar normas visando à aplicação da sustentabilidade que sejam dotadas de maior grau de especificidade.

A partir de regras mais objetivas, como citado, diminuir-se-á, por consequência, o grau de subjetividade nas decisões, haverá maior segurança jurídica e presume-se um grau mais elevado de efetividade na tutela do ambiente e das pessoas no futuro.

Ademais, com sua legitimidade democrática, o Poder Legislativo poderá organizar “a forma como será julgado o equilíbrio que fundará essa conciliação”271, definindo standards para a atuação dos intérpretes, nomeadamente a Administração.

Em segundo lugar, quando utilizado, deve haver uma estruturação intensa da utilização do método da ponderação por etapas bem definidas, permitindo transparência à racionalidade adotada na decisão e favorecendo o seu controle conforme o caso.

HUMBERTO ÁVILA aponta três fases: a preparação da ponderação, na qual devem ser detalhadamente analisados os elementos a serem sopesados, a realização da ponderação, onde será fundamentada a conexão entre os elementos ponderados e a reconstrução da

ponderação, com a formulação de regras de relação com uma pretensão de validade não

apenas para aquele caso272.

Assim, sempre que não houver uma pré ponderação realizada pelo Legislador relacionada à sustentabilidade ou, ainda que haja, essa seja insuficiente não regulando todos os interesses envolvidos numa situação, sua aplicação deve ser fundamentada por meio dessas fases, permitindo a redução do grau de subjetividade e o risco de que uma das dimensões – em geral, o ambiente – seja injustamente desconsiderado numa determinada situação.

Em terceiro lugar, nos casos difíceis que envolvam mais de uma dimensão da sustentabilidade, deve-se buscar a efetivação das dimensões envolvidas no maior grau possível, bem como uma solução que não afaste integralmente nenhuma delas.

Não será sustentável uma decisão que aplique num caso uma dimensão da sustentabilidade, mas desconsidere inadequadamente uma outra ou todas as outras, numa situação em que essas deveriam ser também efetivadas ainda que num grau menor.

271 Cf. CHANTAL CANS, O princípio da conciliação..., p. 49. 272 Cf. HUMBERTO ÁVILA, Teoria dos Princípios..., p. 132.

Por fim, em especial no que tange à Administração, restará à fiscalização tanto no âmbito interno, por meio da autotulela ou o controle hierárquico, quanto por órgãos de controle externos uma via para a colmatação dos excessos eventualmente verificados.

Essas propostas não afastarão totalmente os riscos de subjetividade e de um sacrifício injustificado de uma das dimensões num eventual conflito entre interesses públicos envolvidos, mas poderão, espera-se, reduzi-los.

Todas essas dificuldades salientam a importância da densificação de um conceito para o princípio da sustentabilidade que seja agregador, permita afastar dúvidas e crie um espaço definido para o princípio no qual ela possa operar com uma máxima efetividade.