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Um aspecto marcante da sustentabilidade é a sua transtemporalidade, ou seja, sua orientação para mais de um “tempo”, constituindo um veículo para assegurar justiça intergeracional.

Ela se ocupa de “tempos diversos”, pois no exercício de aplicação da sustentabilidade será preciso ter por referência um dado momento no presente e o(s) futuro(s) sem desconsiderar, naturalmente, a herança do passado.

Quando se discute a sustentabilidade, em geral, parece haver uma percepção de que ela se ocupará de gerações bastante longínquas, que viverão talvez em centenas, quiçá milhares de anos. Contudo, sem desconsiderar que a tutela que oferece não contém uma limitação temporal (tendendo ao infinito), é no horizonte menos largo que a sustentabilidade provavelmente encontrará maior efetividade.

Existe, potencialmente, uma menor probabilidade de erro nas previsões futuras em relação a poucas décadas do que em centenas de anos. Em razão da constante evolução tecnológica e as mudanças por que passa a sociedade, cenários num horizonte mais próximo são mais previsíveis e as variáveis mais confiáveis137.

Essa circunstância vai ao encontro do que se tratou acerca das gerações futuras no sentido de que a depender da perspectiva adotada, há membros das futuras gerações - as crianças - que já existem no presente. E considerando o horizonte próximo, percebe-se que a sustentabilidade também pode atuar em favor das gerações atuais, aquelas já democraticamente representadas, eis que com o contínuo crescimento da expectativa de vida, essas pessoas também poderão se favorecer de sua tutela por ainda mais tempo nas próximas décadas.

O segundo ponto é refletir sobre o próprio conceito de futuro. É que ao contrário do que seria intuitivo, não existe apenas um futuro138. Há um futuro imediato, no qual se apresentam as questões intergeracionais envolvendo gerações futuras mais próximas no tempo – incluindo aqueles já nascidos dessas e talvez até mesmo membros das gerações presentes – e um futuro mediato, mais longínquo, terreno onde a sustentabilidade também atuará.

Essa constatação acerca do(s) tempo(s) é também crucial num ponto nodal da sustentabilidade que é a definição dos interesses das futuras gerações, tratado acima. Se é possível antever inúmeras dificuldades em determinar quais seriam os interesses das futuras gerações, num horizonte de tempo mais próximo, haverá maior probabilidade de acerto desses cenários futuros, o que reforça a tese de que a sustentabilidade parece ter uma vocação para sua operatividade num futuro mais imediato.

O direito positivo, em geral, tem uma dimensão temporal sincrônica, ou seja, regula relações que se desenvolvem contemporaneamente. Há institutos voltados para disciplinar a relação da passagem do tempo e o direito, como as prescrições aquisitivas, a usucapião, a prescrição, a previsão de prazos para decadência, para a responsabilização, dentre tantos, mas, em geral, se ocupam de um tempo histórico, de um olhar do presente para o passado.

137 Cf. ANTÓNIO AMARO LEITÃO, O princípio constitucional da sustentabilidade..., p. 418.

138 Acerca da correlação entre o tempo e o direito e “os futuros” aos quais chamou de "futuro lontano"

e "futuro vecino", v. ANTONINO SPADARO, L´amore dei Lontani: Universalità e

Intergenerazionalità dei Diritti Fontamentali Fra Ragionevolezza e Globalizzazione in Diritto e

A sustentabilidade, no entanto, se ocupa de relações diacrônicas, ou seja, ela se propõe à tutela do futuro com um olhar partindo do presente139140. Especificamente em relação ao tema em questão, a Administração Pública deve antever as consequências e impactos negativos no futuro de uma determinada decisão a ser adotada no presente.

Tomando por exemplo o sistema de pensões, se houver a pretensão de alterá-lo, visando a torná-lo sustentável141 – imagine-se os países que vivem uma crise econômica, na segurança social e têm baixos índices de natalidade – serão projetadas metas a serem atingidas no futuro e realizadas alterações no sistema que ocorrerão a partir do presente, ou seja, há restrição de direitos atualmente visando a assegurar direitos mínimos no futuro.

Nesse sentido, a sustentabilidade opera como uma ferramenta para prevenir danos intergeracionais, muitas vezes irreversíveis, especialmente em relação ao ambiente. Nas situações diacrônicas, em que um longo período é envolvido, quando a Administração adota uma decisão no presente sem considerar eventuais impactos negativos no futuro, será possível que eventuais danos sejam irreparáveis.

O tempo não espera a punição dos responsáveis. Passadas muitas décadas desde uma determinada decisão insustentável, será altamente improvável a possibilidade de responsabilização dos envolvidos, possivelmente nem mais vivos142, bem como as consequências dessas decisões podem ser inalteráveis.

Por essas razões, assim como ocorre na tutela do ambiente, a prevenção de potenciais danos será o caminho143. Diante das dificuldades carreadas pela passagem do tempo – muitas vezes longo – a preocupação em relação ao futuro terá que se colocar no presente. A

139 Sobre a sincronia, a diacronia e o tempo no direito, v. ANTONINO SPADARO, L´amore dei Lontani: Universalità e Intergenerazionalità..., p. 170.

140 ALEXANDRA ARAGÃO, em relação ao princípio do desenvolvimento sustentável, distingue uma

dimensão sincrônica, relacionada à ideia de justiça em sentido espacial (entre países, regiões) e uma dimensão diacrônica, fundada na justiça intergeracional, deferente da responsabilidade das gerações atuais perante as gerações futuras, cf. ALEXANDRA ARAGÃO, Direito Constitucional do Ambiente da União Europeia..., p. 80.

141 Abstraindo-se, por ora, exatamente o que seria a sustentabilidade do sistema de pensões para o

efeito, o objetivo aqui proposto é atingido com uma noção geral de equilíbrio.

142 Cf. CARLA AMADO GOMES, Princípios Jurídicos Ambientais e Protecção da Floresta..., p. 58. 143 Cf. VASCO PEREIRA DA SILVA, "Mais vale prevenir do que remediar": Prevenção e Precaução no Direito do Ambiente in Direito Ambiental Contemporâneo, Prevenção e Precaução, João Hélio

sustentabilidade será uma ferramenta possível de prevenção de danos intergeracionais – de variadas naturezas, não restritas ao ambiente –, constituindo ela, portanto, um veículo de justiça intergeracional.