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4.

O

FUNCIONAMENTO DA SUSTENTABILIDADE

:

DIMENSÕES DE APLICAÇÃO

A sustentabilidade é um princípio jurídico que possui uma característica essencial para a compreensão de sua operatividade no direito administrativo, ele é multidimensional, ou seja, espraia-se por diversas áreas de aplicação, sendo bastante associado a três campos primordiais: ecológico, econômico-financeiro e social261.

Enumerando essas vertentes, PAULO OTERO se refere ao âmbito ecológico, no qual se exige um aproveitamento racional dos recursos naturais; ao domínio social, vedando-se o abuso do modelo de Estado Social e impedindo uma postura predatória em relação àqueles não nascidos; a nível econômico-financeiro exigindo um controle da despesa pública e políticas de finanças públicas responsáveis e no âmbito demográfico, a sustentabilidade se coloca nas consequências no sistema de segurança social do envelhecimento populacional além do excesso mundial de população262.

Nesse ponto, pretende-se investigar como a sustentabilidade atua, em especial, nessas dimensões de aplicação, estabelecendo, sempre que possível, critérios que poderão orientar a Administração no exercício da função administrativa.

4.1. CORRELAÇÃO ENTRE AS VERTENTES

261 Acerca do princípio do desenvolvimento sustentável, em especial no domínio da União Europeia,

ALEXANDRA ARAGÃO cita as seguintes áreas: “A vertente ambiental consubstancia-se no dever de gerir, de forma sustentável, a utilização dos recursos naturais e da capacidade de suporte dos ecossistemas, respeitando a sua capacidade de renovação, quando sejam renováveis e preservando, sem esgotar, os que não sejam renováveis. A vertente social reconduz-se às ideias de democracia ambiental, pela participação do público nos processos relevantes e de justiça ambiental (...) e a

vertente económica consiste na promoção de actividades económicas duradouras (porque baseadas em

recursos renováveis e respeitando a sua capacidade de renovação) e ainda na plena internalização dos custos ambientais e sociais das actividades económicas ou, quando não seja possível, na redistribuição equitativa desses custos”, Cf. ALEXANDRA ARAGÃO, Direito Constitucional do Ambiente da União

Europeia..., p. 81.

De modo a sistematizar a análise, essas áreas serão apresentadas em tópicos separados, mas elas não devem ser consideradas estanques. Apesar de ser possível verificar algumas linhas gerais de cada dimensão em abstrato, elas são constantemente interrelacionadas, sendo necessária uma visão sistêmica e agregadora que é estruturada pelo princípio geral da sustentabilidade. Pode-se citar alguns exemplos dessa correlação e interdependência entre as vertentes de aplicação.

Há a situação dos migrantes climáticos263, pessoas que vivem em áreas que têm menor capacidade de resiliência às mudanças do clima, seja porque serão atingidas com maior intensidade – é o caso dos habitantes de algumas ilhas do pacífico como as Ilhas Marshall, Fiji e Tuvalu, que enfrentam sério risco de desaparecimento com o progressivo aumento do nível dos oceanos e que por essa razão assumiram papel relevante nas negociações dos acordos internacionais –, seja porque não possuem recursos para as medidas de adaptação e são obrigadas a sair de suas regiões para se estabelecerem em outros locais.

Essa migração, como também as causadas por guerras e outros eventos dramáticos da humanidade, causa insustentabilidade social, não apenas em razão da saída das pessoas de seus locais de residência, como porque muitas delas se deslocam para locais que podem não estar preparados para recebê-las, cujos serviços sociais poderão não suportar a pressão repentina e contínua de novas pessoas a serem atendidas.

A insustentabilidade sob o aspecto ecológico, acarreta insustentabilidade de cunho social, que, por sua vez, pode gerar outras agressões ao ambiente – insustentabilidade ecológica novamente, todas interconectadas.

Também é o caso dos impactos causados pelas alterações no clima (insustentabilidade ecológica), marcadas por um número cada vez mais intenso de eventos naturais catastróficos264 e que interferem de modo drástico nas cidades, acarretando a

263 Sobre migrantes climáticos, v. CARLA AMADO GOMES, Migrantes climáticos: para além da terra prometida, disponível em http://www.icjp.pt/sites/default/files/papers/palmas.pdf, acesso em 24-9-16,

p. 7.

264 Sobre o tema, v. TIAGO ANTUNES,O risco climático na sua dimensão catastrófica in Actas do

Colóquio Catástrofes Naturais: uma realidade multidimensional, Carla Amado Gomes e Rute Gil

necessidade de mudanças urbanísticas265 para aumentar a resiliência das cidades e afastar riscos (sustentabilidade social).

Essas alterações têm repercussão na economia, na saúde pública, atingem a segurança alimentar, a disponibilidade de água, a produção de energia com repercussões intensas tanto nas zonas urbanas, como rurais, além de outras consequências negativas, como maiores tensões e conflitos relacionados a essas dificuldades e escassez de bens.

Nas contratações públicas, além do aspecto ecológico, questão central nas green

public procurements, pode ser frequente a necessidade de análise da contratação sob o aspecto

da sustentabilidade econômico-financeira.

A Administração em contratos de grande vulto financeiro – que demandarão empréstimos de longo prazo - também se depara com as repercussões econômicas negativas no futuro como o aumento do endividamento público. Assim, deverá averiguar se os contratos são sustentáveis também sob esse aspecto, avaliando os benefícios trazidos pelo objeto do contrato às futuras gerações em contraponto à dívida que essas herdarão. A resposta poderia ser positiva se a contratação tivesse por finalidade a contratação de uma importante obra de infraestrutura que beneficiaria também as futuras gerações.

As dimensões da sustentabilidade podem não apenas se correlacionar, como também entrar em conflito, como exposto a seguir.