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O OBJETO DA SUSTENTABILIDADE: O QUE PRESERVAR ÀS GERAÇÕES FUTURAS

As dimensões – ou áreas de aplicação – da sustentabilidade têm pertinência com os tipos de recursos (capitais) cuja tutela é relevante para a efetivação do princípio em cada situação.

Sob o aspecto econômico, os recursos, em geral, podem ser classificados como:

capital natural, que é provido pela natureza; o capital artificial e financeiro, que se refere à

tecnologia, infraestruturas e dinheiro, o capital cultural, tais como as instituições, a democracia, os sistemas jurídicos, o capital social, os valores sociais, a solidariedade entre os povos, e o capital humano, como a saúde, educação, habilidades e o conhecimento273.

Assumindo uma concepção antropocêntrica ecológica, “o princípio transversal da sustentabilidade deve valer para todos os tipos de recursos (em sentido económico) que constituam condições materiais de realização do bem-estar e dignidade da pessoa humana”274. Portanto, são relevantes para a sustentabilidade aqueles recursos (capitais) escassos cuja utilização poderá acarretar uma diminuição na sua quantidade, qualidade ou interferir no

273 Cf. JOERG CHET TREMMEL, Introduction in Handbook of intergenerational justice, Joerg Chet

Tremmel (ed.), Massachusetts, 2006, p. 12.

274 Sobre o tema, v. ANTÓNIO AMARO LEITÃO,O princípio constitucional da sustentabilidade..., p.

acesso pelas pessoas no futuro, tais como, o capital natural, o capital artificial (infraestruturas e financeiro) e algumas espécies de capital humano275.

Numa perspectiva geral, a sustentabilidade ecológica se prende aos bens ambientais, a sustentabilidade social aos sistemas que asseguram justiça social e a sustentabilidade econômico-financeira ao recursos econômicos. Esses serão, por consequência, os tipos de bens envolvidos na aplicação do princípio, ingressando como o objeto a ser regulado no conceito exposto de sustentabilidade como uma cláusula de regulação de recursos no presente para sua disponibilização no futuro.

A cada exercício de aplicação, deverão ser delimitados os diferentes interesses e recursos escassos envolvidos, verificando-se quais deverão ter o acesso limitado no presente e quais se pretende estejam disponíveis no futuro e a depender da natureza dos recursos, serão identificadas a(s) dimensõe(s) da sustentabilidade envolvidas.

Cabe nesse ponto um esclarecimento. Quando se utiliza a expressão “recurso”, como o objeto sobre o qual incidirá a sustentabilidade, essa não deve ser considerada sinônimo dos recursos naturais regulados pelo direito do ambiente.

Os bens naturais, que são os elementos da natureza em geral, podem ser

componentes ambientais que compreendem “elementos da natureza especialmente carecidos

de protecção, por razões antrópicas ou naturais” ou recursos naturais, que são “bens naturais com valor económico”276.

Uma outra classificação, refere-se a bens ecológicos bióticos e os bens ecológicos abióticos. Enquanto os primeiros são relacionados aos seres vivos, às espécies e os seus habitats, aos ecossistemas, os segundos englobam os “elementos orgânicos não vivos”, perspectiva que abrange os recursos naturais277.

A sustentabilidade ambiental tem como objeto dois grandes grupos de elementos naturais. Relativamente aos componentes naturais especialmente protegidos, ela assumirá um

275 Cf. ANTÓNIO AMARO LEITÃO,O princípio constitucional da sustentabilidade..., p. 418. 276 Cf. CARLA AMADO GOMES, Introdução ao Estudo do Ambiente..., p. 43.

277 ALEXANDRA ARAGÃO aponta que a doutrina ambiental tem negligenciado os bens ecológicos

abióticos, eis que eles apesar de importantes, não teriam “carisma” dos seres vivos, o que tornaria algumas espécies, ao menos diante da opinião pública, mais dignas de proteção, cf. ALEXANDRA ARAGÃO, O princípio do nível elevado de protecção..., p. 258- 259 e, em especial, a nota de rodapé 336.

aspecto de preservação (prevenção de danos) e quanto aos recursos naturais, sem afastar essa dimensão preventiva, haverá a modulação de sua utilização para disponibilidade no futuro.

Em relação à utilização, será preciso definir qual seria o nível de acesso permitido aos recursos naturais pelas pessoas no presente e quanto deveria ser preservado278. Em outras palavras, é preciso investigar qual será a taxa de acumulação e a taxa de poupança justa - nos moldes do princípio previsto por JOHN RAWLS, na sua teoria de justiça intergeracional - exigida das gerações atuais.

Note-se que seria insustentável (e injusto) não permitir um acesso adequado desses recursos pelas futuras gerações, mas o extremo também seria igualmente iníquo: exceder a taxa ideal acarretaria injustiça intergeracional em relação às gerações presentes que sofreriam limitações irrazoáveis, gerando o risco de uma ditadura do futuro.

Assim, a justiça intergeracional, um dos fundamentos da sustentabilidade, impõe que não apenas as futuras gerações tenham seus interesses considerados, mas as gerações presentes também. O princípio da sustentabilidade opera nos dois sentidos.

Desse modo, uma restrição indevida às pessoas no presente não constitui uma efetivação da sustentabilidade e a existência desse verdadeiro perigo intergeracional reverso demonstra a importância do equilíbrio nessa avaliação/regulação.

Quanto à taxa de poupança, pode-se apontar duas orientações gerais. A uma, a intensidade da limitação à utilização de recursos pelas pessoas no presente dependerá do estágio civilizatório da sociedade - grau de justiça social e econômica já atingidas - e do seu nível de riqueza.

Considerando que quanto maior a riqueza da sociedade, menor será o sacrifício, proporcionalmente, uma sociedade mais rica poderia preservar mais recursos do que uma sociedade mais pobre, que ainda precisa utilizá-los para atingir um nível mínimo de bem- estar.

278 Acerca das dificuldades de uma limitação dos direitos de uso de recursos naturais com base na

teoria da justiça intergeracional, afastando a solução extrema do não uso, mas com uma proposta de inclusão no processo de decisão de uma ponderação quanto ao componente ambiental e a consulta a uma Comissão Ambiental quando tiverem em causa empreendimentos de impacto considerável à biodiversidade ou altamente poluentes, v. CARLA AMADO GOMES, Responsabilidade

A duas, a definição de critérios para estabelecer limites à utilização de recursos no presente é uma importante tarefa normativa que deve ser assumida para determinar parâmetros para essa regulação279, que poderão ser, então, utilizados pelo aplicador.

No entanto, a partir dessas definições mais gerais, será na aplicação da sustentabilidade, em relação à Administração por ocasião do processo de revelação do juízo de prognose da decisão sustentável, que será determinado o grau de restrição no presente ao acesso de determinado recurso, e quanto poderá ser disponibilizado para o futuro.