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O PROBLEMA DA DEFINIÇÃO DOS INTERESSES DAS FUTURAS GERAÇÕES

2.5. FUNDAMENTOS JURÍDICO-FILOSÓFICOS DA SUSTENTABILIDADE

2.5.2. DESAFIOS PARA A APLICAÇÃO DAS TEORIAS DE JUSTIÇA INTERGERACIONAL

2.5.2.2. O PROBLEMA DA DEFINIÇÃO DOS INTERESSES DAS FUTURAS GERAÇÕES

No que se refere ao segundo ponto, como poderiam ser definidos os interesses das futuras gerações, trata-se de questão que atrai uma série de considerações de plano filosófico. Será que é possível assegurar a própria existência da humanidade no futuro? Em caso positivo, como definir os interesses das pessoas do futuro diante de um cenário de constantes alterações científicas e tecnológicas?

As pessoas do futuro abrangem desde a próxima geração, distante poucas décadas do presente, como as mais longínquas em centenas e talvez milhares de anos. Como harmonizar interesses que podem ser tão díspares?

Esses e vários outros questionamentos surgem em torno dessa discussão97, que sem dúvida envolve questões de considerável complexidade. Parece, contudo, ser um cenário em que é necessário fazer uma concordância possível.

No que concerne à existência humana, é certo que em algum momento muito longínquo, assim como outras espécies, os seres humanos serão extintos, seja por um evento natural catastrófico – o fim do sol ou um meteoro -, seja por uma tecnologia desenvolvida pela própria humanidade – radiação nuclear ou alguma arma biológica, entre outros98.

95 Cf. BURNS H.WESTON, Climate Change..., p. 389.

96 V. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança aprovada em 20-11-1989 e em vigor

desde 2-9-1990, disponível em http://www.ohchr.org/EN/ProfessionalInterest/Pages/CRC.aspx, acesso em 6-3-2018.

97 Cf. BURNS H.WESTON, Climate Change..., p. 377.

Contudo, a possibilidade de ocorrência de tais eventos dramáticos, salvo a extinção do sol em bilhões de anos, é improvável e não poderia fundamentar a ausência de tutela do futuro e uma conduta injusta em relação às futuras gerações, que com grau muito alto de probabilidade nos sucederão no planeta99.

A situação lembra a conhecida telenovela brasileira do autor Dias Gomes, chamada “O Fim do Mundo”, que teve grande sucesso na década de 1990. O argumento consistia numa previsão de que o mundo acabaria num dia determinado, ou seja, as pessoas tinham o conhecimento de que não haveria mais futuro. Em razão desse cenário catastrófico, todos os personagens viveram esse dia como se não houvesse amanhã, gastaram todo o dinheiro que tinham, abandonaram famílias, cometeram crimes, enfim, a ordem pública acabou, e toda a trama se desenvolve a partir de então quando a previsão se revela falsa.

Como na ficção, a desconsideração em relação ao futuro pode conduzir a uma atuação pouco cautelosa das presentes gerações aquém de suas responsabilidades em relação aos seus descendentes. De modo similar, defender que a evolução tecnológica solucionará os graves problemas da atualidade num otimismo tecnológico, poderia estimular um comportamento similar em relação às questões ambientais100.

Para a definição desses interesses, parece promissor considerar um universo próximo em relação às gerações futuras, na esteira da tese do “presente dos 200 anos acima citada”, prevendo para o futuro uma realidade similar à presente.

Isso não significa uma desconsideração das futuras gerações longínquas, que poderiam ser afetadas, entre outros, pelos rejeitos da energia nuclear que se mantém poluentes

99 Cf. BURNS H.WESTON, Climate Change..., p. 382.

100 Adota-se nessa investigação uma posição pelo ceticismo prudente em oposição ao otimismo

tecnológico. Trata-se de duas correntes de pensamento sobre a relação entre crescimento e

sustentabilidade do ponto de vista econômico. No otimismo tecnológico, entende-se que a evolução da tecnologia trará soluções para as questões ambientais, de tal sorte de quanto maior o crescimento, mais esse propiciaria novas descobertas. Para os céticos prudentes, em razão da incerteza quanto ao futuro, a humanidade não deveria se submeter aos riscos envolvidos, que poderiam tornar a sociedade insustentável. O desenvolvimento, quando associado a um crescimento contínuo e indefinido, seria insustentável diante das limitações dos recursos naturais e a poluição. Assim, seria melhor não considerar uma futura capacidade da tecnologia de resolver os problemas atuais, projetando-se os cenários menos favoráveis e adotando posturas em consonância a esses. Caso uma inovação tecnológica futura seja capaz de solucioná-los, a humanidade seria favoravelmente surpreendida, mas se não fosse o caso, manter-se-ia sustentável, cf. ROBERT COSTANZA et al., An introduction to

ao longo de milhares de anos. Quando necessário, notadamente em relação à tutela do ambiente, pode ser o caso de avaliar quais seriam seus os interesses e assegurar sua tutela.

Contudo, nos demais assuntos, parece-nos que bastaria construir uma presunção de que as futuras gerações teriam interesses similares aos das gerações atuais, solucionando as questões controversas a partir dessa premissa.

É possível imaginar a partir da história, do conhecimento reunido pela humanidade e do estágio civilizatório que atingimos, que a qualquer tempo as pessoas precisarão de um conjunto de direitos e liberdades básicas como teorizou JOHN RAWLS101 e que a vida dos integrantes das próximas gerações dependerá de suporte nos ecossistemas naturais – em menor ou maior medida a depender da evolução tecnológica e do legado natural que receberão.

Seria preciso, ainda, atribuir a determinado órgão a responsabilidade de representar tais interesses, como a Comissão Interplanetária sugerida por EDITH BROWN WEISS, a figura do Ombudsman, uma Comissão nos parlamentos nacionais102 ou, ainda, a estruturação de organizações de cunho técnico, compostas por peritos independentes e especializados, que pudessem fornecer subsídios para as decisões democráticas a serem tomadas103.

Será preciso, assim, um rearranjo organizacional que viabilize a adoção de decisões com a consideração do futuro, cabendo aos respectivos ordenamentos jurídicos a construção de uma solução que seja adequada às suas realidades.

Por outro aspecto, questões de alta indagação poderiam ser solucionadas assegurando um maior grau de participação popular e de diferentes visões, de modo a garantir um debate plural no processo de formação das decisões. Essas circunstâncias atrairiam maior legitimidade às decisões tomadas.

101 Asseguradas por meio de instituições básicas que garantam um mínimo social, liberdades de

cidadania, igualdade de oportunidades, cf. JOHN RAWLS, Uma Teoria de Justiça..., p. 303-304.

102 Cf. ALEXANDRA ARAGÃO, Direito Constitucional do Ambiente da União Europeia in Direito

Constitucional Ambiental Brasileiro, J.J. Gomes Canotilho e José Rubens Morato Leite (Org.), 6ª

edição, revista, Saraiva, São Paulo, 2015, p. 81.

Cabe destacar, contudo, que não se defende uma ditadura de gerações104 com uma prevalência do futuro a determinar a sujeição das gerações presentes integralmente aos interesses daqueles não nascidos.

O que se propõe é abandonar um estágio em que os interesses das gerações futuras são sequer obrigatoriamente considerados no âmbito da tomada de decisão da Administração Pública, para que sejam inseridos no processo decisório, evitando-se um desequilíbrio para qualquer dos sentidos.