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A articulação entre a sustentabilidade e a democracia é apontada como o problema mais delicado do século XXI. De fato, há dificuldades dos sistemas democráticos para lidar com problemas intergeracionais, seja porque os governos vivem no curto prazo e as maiorias não representam os interesses das gerações futuras, seja em razão da impossibilidade prática de responsabilização política nos períodos mais longos que envolvem a aplicação da sustentabilidade144.

Os regimes democráticos pressupõem e buscam representar a vontade livre, soberana e plural do povo145, mas será que o conceito de povo146 de um determinado Estado se referiria apenas às pessoas presentes ou também àquelas do futuro?

Seria justo que os representantes eleitos levassem em consideração unicamente os interesses das gerações presentes e não também os interesses das futuras? Os representantes eleitos representariam também o povo futuro? Seria somente um dever ético ou estariam obrigados a tanto ou, em outras palavras, vinculados à sustentabilidade?

Essas perguntas poderiam ser sintetizadas em uma indagação: será a democracia sustentada? São questões que se interligam com o “défice de representatividade do modelo de democracia representativa” quanto à consideração de interesses das gerações futuras em razão de algumas ordens de razões147.

144 Cf. PAULO OTERO, Manual de Direito Administrativo, Volume I, reimpressão da edição de 2013,

Almedina, Coimbra, 2014, p. 145-146.

145 Cf. CARLOS BLANCO DE MORAIS, O Sistema Político: no contexto da erosão da democracia representativa, Almedina, Coimbra, 2017, p. 68.

146 Como o “substrato humano de uma coletividade cujos membros são titulares de direitos e

vinculados a deveres perante a mesma”, cf. CARLOS BLANCO DE MORAIS, O Sistema Político..., p. 21.

147 Expressão e o rol de questões a seguir abordados são de CARLA AMADO GOMES, Sustentabilidade ambiental: missão impossível..., p. 6.

Não há, em geral, a inclusão no processo decisório dos interesses das gerações futuras nas ponderações realizadas. Os interesses futuros não são, por regra, sequer interesses de uma minoria que dialoga com a maioria nos sistemas democráticos148.

Não se está a afirmar que eles deveriam prevalecer sempre, a questão é os interesses das gerações futuras não serem nem mesmo incorporados no processo democrático. CARLA AMADO GOMES ressalta que a regra da maioria não é diacrônica, mas sincrônica, prevalecendo uma “maioria do presente”149.

É preciso, pois, aperfeiçoar os sistemas democráticos para que representem também os interesses futuros. Potenciais soluções são propostas como os Provedores de Gerações Futuras e Comissões Parlamentares para as Futuras Gerações. Na dimensão supra nacional, há, também, a Comissão Interplanetária sugerida por EDITH BROWN WEISS150.

A considerar que os representantes eleitos teriam também o dever de representar as futuras gerações, poder-se-ia antever que os interesses das gerações atuais e das gerações futuras poderiam entrar em conflito numa situação concreta, de modo que a criação de figuras como as acima permitiram atenuar essa dificuldade.

Para assegurar a representatividade intergeracional, é também relevante a participação popular de pessoas e organizações por meio de instrumentos como as audiências públicas e a consulta popular, dentre outros, para assegurar que num determinado tema discutido estejam presentes uma pluralidade de interesses não apenas das gerações presentes, mas daqueles ainda não nascidos, numa democracia plural que seja também intergeracional.

No aspecto ambiental, há uma perspectiva globalista no sentido de que a cidadania deve ser exercida nos sistemas jurídico-políticos supra-nacionais e internacionais para que se atinjam padrões ambientais razoáveis universais. Haveria, por consequência, um “direito de cidadania ambiental em termos intergeracionais”, eis que o ambiente não é de titularidade de nenhuma geração, devendo ser asseguradas a igualdade e a justiça151. Esse entendimento em relação à democracia é bastante alinhado com a citada teoria de justiça intergeracional de

148 “Democracia representativa não é só governo de maioria. Envolve uma dialética necessária de

maioria e minoria...”, cf. JORGE MIRANDA,Democracia e Constituição in O Direito, Jorge Miranda

(Dir.), A. 149, n.º 1, Almedina, Coimbra, 2017, p. 25.

149 Cf. CARLA AMADO GOMES, Sustentabilidade ambiental: missão impossível..., p. 6. 150 Cf. EDITH BROWN WEISS, In Fairness To Future Generations..., p. 25.

EDITH BROWN WEISS, que considera as gerações atuais guardiãs do planeta para as futuras gerações152.

Outra constatação relacionada ao sistema democrático – que gera dificuldades para além da questão intergeracional, colocando-se também num tempo mais curto em várias searas – é que a duração dos mandatos dos representantes eleitos faz com que conduzam suas ações orientados pelo resultado no curto prazo.

Voltados para a reeleição de si próprios ou de seus pares, os mandatários terminam por adotar decisões focadas num futuro iminente, sem considerar as necessidades num horizonte de tempo mais largo e avaliar o seu custo benefício.

E, ainda, os impactos dessas decisões orientadas unicamente para o futuro imediato, que trará benefícios eleitorais, em geral, somente serão observados muito tempo após a sua prática pelos representantes, o que impedirá o escrutínio público por meio do exercício do voto, ou ainda, alguma espécie de responsabilização política.

Contudo, a depender da natureza jurídica da sustentabilidade, se ela contiver um conteúdo normativo vinculante ao Poder Legislativo, esse não poderá se furtar da sua aplicação, sob pena das consequências previstas no ordenamento jurídico. E caberá à Administração Pública na sua atuação, conformada pelo ordenamento jurídico e pautada pelo enquadramento normativo fornecido pelo legislador, concretizá-la considerando os interesses das futuras gerações em seu processo de decisão.

Como visto, não são poucos os desafios que precisam ser enfrentados para que os interesses das futuras gerações sejam considerados e ponderados pelo legislador na sua atuação num caminho progressivo para uma democracia sustentada.