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Esta pesquisa desenvolveu uma reflexão sobre a cultura organizacional e a inserção de pessoas com deficiência no ambiente de trabalho, que tomou como base a orientação e subsídios dados pela literatura no estudo da cultura organizacional, que ajudaram na busca para resposta da pergunta de pesquisa.

Por entender que é a cultura que rege as ações dentro das empresas, e que esta tem o departamento de RH como seu principal disseminador, setor que, segundo a literatura, atua em conformidade com os valores e crenças da empresa, fortalecendo sua aceitação e consolidação entre os empregados em todos os níveis hierárquicos.

Por uma questão metodológica optou-se por expor as conclusões seguindo os passos dos objetivos específicos.

O primeiro objetivo dessa pesquisa foi identificar elementos da cultura organizacional, por meio do discurso de gestores, ao se referirem à inserção de pessoas com deficiência em hotéis da rede hoteleira de Belém. Através deste objetivo várias inferências puderam ser feitas.

Os dados identificaram a existência de vários elementos da cultura organizacional, entre eles: valores, crenças, pressupostos, mitos, tabus, entre outros. Estes elementos demonstraram como as pessoas com deficiência são vistas dentro das organizações hoteleiras e de que forma acontece sua inserção.

Os elementos culturais identificados mostraram uma forte tendência das empresas hoteleiras pesquisadas em ver a inserção dos profissionais de forma negativa, preponderando os

tabus sobre os valores. A manifestação desta condição foi uma surpresa, visto os tabus são elementos pouco divulgados dentro das organizações e que de acordo com a literatura esta condição não é exposta, mas fica velada na parte oculta da cultura.

Pelos elementos identificados nos relatos das gestoras pode-se notar que as pessoas com deficiências são inseridas nos quadros funcionais destas empresas apenas pelo cumprimento da lei e consequentemente para fugir de multas. Alguns elementos se destacaram mais que outros e despiram a realidade vivida por estes profissionais dentro destas empresas, entre eles os tabus, crenças e mitos.

No caso dos tabus, foram encontrados vários, o que mais chamou atenção foi em relação à aparência física, encontrado como fator condicionante para seleção de candidatos a vaga. Todos os hotéis demonstraram este tabu, sendo identificado de forma mais sutil ou explícita. O discurso mais explícito foi da gestora do HI, que disse literalmente selecionar àqueles que a deficiência pudesse ser escondida. Esta problemática já havia sido levantada em outros estudos, e foi confirmada também por esta pesquisa.

Neste contexto percebeu-se a existência da crença de que é melhor para os hotéis e para os hóspedes que se contratem pessoas que tenham deficiência o mais leve possível. Deixando de fora aquelas pessoas que têm deficiências mais severas. O que vai de encontro ao Decreto 5.296/04 que trás em seu texto mudanças na caracterização das deficiências para aquelas mais severas, devendo as empresas obedecer ao que está determinado em tal lei.

Porém, notou-se que na inserção das pessoas com deficiência existe o “jeitinho brasileiro”, traço da cultura brasileira, presente nas contratações feitas pelos hotéis que acabam inserindo pessoas com deficiências leves.

Diante dos elementos culturais encontrados ficou claro que a inserção acontece tendo como pano de fundo sempre o cumprimento da Lei 8213/91 também chamada Lei de Cotas. Pelos discursos das gestoras pôde-se verificar a existência de dois perfis de inserção:

1. Um que insere as PcDs em seus quadros funcionais por força da lei (HI, HRN), onde se notou que há indiferença em relação a capacidade contributiva destes profissionais;

2. Outro que insere por força da lei (HRI), mas que tem ações inclusivistas de treinamento para seus funcionários que tem deficiência auditiva. Entretanto, a empresa não faz as adaptações necessárias para tornar os cursos acessíveis a estes profissionais.

Estes perfis foram identificados nos elementos crenças, tabus, normas e mitos. Em relação aos mitos ficou evidenciado total despreparo das gestoras dos hotéis HI e HRN no trato com os funcionários com deficiência, com discursos carregados de preconceito e estigmas. Chegando ao total desrespeito e falta de ética profissional, quando GHRN chama os profissionais com deficiência de “racinha”.

A utilização de rótulos, de adjetivações, de substantivação da pessoa com deficiência também foi uma constante nos relatos das gestoras que se dirigiam aos profissionais com deficiência de diversas formas.

Pelos mitos, tabus e crenças identificados pôde-se inferir que a inserção destes profissionais de forma completa fica comprometida pela presença destes elementos que se estabeleceram em todos os hotéis.

O segundo objetivo deste estudo foi investigar a existência de práticas da gestão de recursos humanos adotadas por hotéis da rede hoteleira de Belém para inserir pessoas com deficiência. Diante dos dados ficou comprovado que o único hotel que adota todas as práticas evidenciadas neste estudo (recrutamento, seleção, socialização, treinamento e desenvolvimento) foi o HRI como descrito na Quadro 14 (seção 4.1.4.3). E ainda com restrições, já que percebeu-se que em relação às práticas de treinamento e desenvolvimento não existe a acessibilidade necessária para que os funcionários tenham o real entendimento do que está sendo repassado nos cursos para posterior aplicação.

Com relação aos hotéis HI e HRN basicamente a única prática efetivamente exercida pelos hotéis é a seleção, já que o recrutamento é delegado aos órgãos de apoio ao emprego de PcDs como SINE e APPD, como pressuposto de que nestes locais além do extenso banco de cadastro com estes profissionais eles já chegam à empresa documentados com atestado facilitando o trabalho do RH. Comprovando-se, com isso, que o que importa para estas empresas é preencher a cota que a lei obriga.

Quanto à seleção, que é onde se dá a primeira oportunidade de moldar a cultura desejada pela organização, ficou claro que somente o HRI tem a preocupação de ajustar sua seleção ao perfil do candidato recrutado, podendo ser utilizadas várias técnicas para auxiliar nesta escolha, conforme relato de GHRI, no caso dos dois funcionários com deficiência auditiva contratados foram observados: a experiência na função e seus desempenhos em um teste prático aplicado no

hotel. Já com relação ao HI e HRN a seleção aparece apenas como uma etapa da contratação de PcDs, sem planejamento, sem organização, sem exigências.

Neste contexto, infere-se que estes hotéis (HI e HRN) selecionam, dentre os profissionais com deficiência, aqueles que lhes são mais convenientes, tornando a prática de seleção um ato discriminatório, excluindo deste processo as pessoas com deficiências mais graves.

Apesar destas diferenças entre os hotéis HI, HRN e HRI nas práticas de recrutamento e seleção, as análises das entrevistas identificaram que a alocação de pessoas com deficiência em setores exclusivos é uma temática comum entre as gestoras dos três hotéis, que se apóiam na égide das limitações das deficiências de seus funcionários em assumirem determinados cargos.

Diante desta constatação, pode-se afirmar que nos hotéis pesquisados existe um foco na deficiência e em suas limitações, em detrimento dos potenciais das pessoas e das suas possibilidades de contribuição à empresa. Ficando os mesmo exilados em cargos específicos, como por exemplo, serviços gerais (4 dos 6 entrevistados têm esta função).

Em todos os casos o que se percebeu foi que quando as gestoras citam setores onde seria difícil inserir funcionários com deficiência, sempre seus relatos são pelo extremo da deficiência, como por exemplo: Pessoa com deficiência visual na cozinha (GHI); deficiência auditiva na recepção e no restaurante (GHI e GHRI); pessoa com deficiência física como camareira (GI), etc. Dessa forma criaram-se barreiras e as pessoas com deficiência acabam sendo restritas a poucos setores.

Por último, é importante sublinhar que diante da exposição de discursos tão discriminatórios, não surpreendeu o fato de não serem encontradas referências à modificação dos postos de trabalho para adequá-los aos trabalhadores com deficiência, pelo contrário são as PcDs que, neste contexto, estão se adaptando aos cargos.

Os resultados também indicaram que a inexistência das práticas de treinamento e desenvolvimento nos hotéis HI e HRN está relacionada ao exposto anteriormente. De acordo com o discurso de suas gestoras, não há possibilidade de ascensão, nem de mudança de cargo para outros setores, por terem como crença vários fatores impeditivos, como: a aparência física e a própria deficiência.

Assim, pode-se perceber que a questão da acessibilidade não se resume às questões físicas (estruturais), mas também de revelar o quanto as pessoas são acessíveis e as mudanças que deverão acontecer no ambiente de trabalho.

O terceiro e último objetivo foi comparar o discurso dos gestores com a percepção das pessoas com deficiência em relação às práticas de inserção em três hotéis de Belém. Para se chegar a este objetivo foi necessário fazer cruzamentos dos discursos dos gestores com os discursos dos funcionários com deficiência. Que trouxe a tona considerações sobre a inserção destes últimos nos hotéis pesquisados.

De modo geral foram encontradas mais convergências que divergências nos discursos dos dois envolvidos na pesquisa. As convergências se deram em relação às práticas de gestão de RH, sobre o recrutamento, seleção, socialização e treinamento.

Dois pontos divergentes foram notados, sendo que os dois têm uma relação muito próxima. O primeiro diz respeito ao motivo pelo qual as empresas hoteleiras inserem em seu quadro funcional as PcDs, e descobriu-se que os gestores têm a credulidade de seus funcionários sobre a importância que os últimos têm para a empresa, condição que não é compartilhada pelos primeiros, já que o imperativo é pelo cumprimento da lei de cotas. E mesmo quando se tem um discurso “inclusivo” (GHRI) pela inserção de PcDs, nota-se vestígios de discriminação quando são listadas várias dificuldades em relação à estas pessoas no ambiente de trabalho, dificuldades estas que poderiam se ter com qualquer pessoa tenha ela uma deficiência ou não.

A segunda divergência vem atrelada a primeira que é justamente a questão do desenvolvimento, que para os funcionários de dois (HI e HRN) dos três hotéis a empresa teria intenção em mantê-los e desenvolvê-los, porém o discurso dos seus gestores diz justamente o contrário.

Em relação ao hotel HRI o que se pode inferir é que pelo fato dos dois funcionários terem deficiência auditiva e o hotel não providenciar um ambiente acessível, eles são levados a reuniões, festas, treinamentos que eles nem tem idéia do que se trata, já que a única linguagem que os dois dominam é a LIBRAS, e que ninguém no hotel tem conhecimento. Então, diante desta conjuntura entende-se que o discurso da gestora GHRI de que “Eles fazem questão inclusive de tá participando de tudo” não coaduna com a realidade destes profissionais. Ficando evidente que, apesar do discurso em favor da inclusão social, este é situacional, tendo uma grande diferença entre o que uma coisa parece ser e o que realmente ela é.

Um achado que não faz parte dos objetivos, mas que deve ser revelado foi que diante do discurso das gestoras e da observação feita nos locais de pesquisa, evidenciou-se que os três hotéis de Belém, estão ainda na fase de integração da inserção de PcDs no ambiente de trabalho. As empresas que estão nesta fase são aquelas que colocam seus funcionários com deficiência em setores exclusivos, portanto segregativos, com ou sem modificações, de preferência afastados do público (SASSAKI, 2003b). Neste cenário as pessoas também dificilmente participam de programas de treinamento e desenvolvimento

A título de ilustração, tem-se no Quadro 15 a visualização da situação identificada dos hotéis de Belém, que fizeram parte da pesquisa, em relação à inserção de PcDs (marcado de azul).

Quadro 15 - Os paradigmas de inclusão de PcD e as formas de atuação das empresas CARACTERÍSTICAS Assistencialismo PARADIGMA Integração Inclusão

Período em que predomina

Década de 1970 Década de 1980 A partir dos anos 1990

Terminologia utilizada

Deficientes Pessoas portadoras de deficiência (PPD)

Pessoas com deficiência (PcD). Forma de inserção Fora do ambiente

empresarial por meio da contratação de cooperativas sociaise oficinas protegidas Dentro do ambiente empresarial, porém em ambientes específicos Em todos os ambientes da empresa. Tipos e graus de deficiências contratadas

Física, auditiva, visual e mental consideradas severas Física, auditiva, visual e mental consideradas leves Física, auditiva, visual e mental independente do grau.

Premissa Tutela PPD se adequam às

empresas

Empresas se adéquam às PcD.

Acessibilidade Elemento não contemplado Restrita ao aspecto arquitetônico Observância de aspectos arquitetônicos, comunicacionais, metodológicos, instrumentais, programáticos e atitudinais. Motivo da contratação

Caridade Obrigação legal Responsabilidade social e valorização diversidade.

O Quadro 15 pode-se perceber que os três hotéis pesquisados, pelas características apresentadas, estão quase que totalmente no paradigma de integração (década de 1980), tendo ainda o agravante de no item acessibilidade ainda estar no paradigma do assistencialismo (década de 1970), tendo portanto, muito a ser trabalhado na cultura destas organizações para inclusão das PcDs.

Neste contexto, existe a favor da inclusão das PcDs no mercado de trabalho além das pressões legais, as pressões do mercado. Já que investir no social está na moda, diante de uma sociedade que vê com muitos bons olhos as empresas que demonstram preocupação com questões sociais, levando as pessoas a terem uma imagem positiva daquelas que têm um comportamento inclusivo.

Ao término deste trabalho, constata-se que mesmo com a existência de um enorme aparato jurídico (tanto nacional, quanto internacional), visando à promoção dos direitos das pessoas com deficiências, ainda existem forças culturais que dificultam o processo de inserção das pessoas com deficiência ao no mercado de trabalho, havendo a necessidade de mudanças em contextos sociais de forma mais ampla. Sobretudo em função da herança cultural e histórica de preconceitos, discriminação, desigualdades e injustiças sociais que persistem, em certa medida, nas relações sociais no Brasil.