• Nenhum resultado encontrado

A psicologia analítica junguiana entende o inconsciente como um território com estruturas constantes em cada um dos indivíduos. É considerado como “el trasfondo histórico de la psique, contiene en forma concentrada la serie entera de los engramas que desde tiempos antiquísimos han venido condicionado la estructura actual de la psique.”136 Estes engramas denominados arquétipos mostram a frequência e a intensidade com que funcionou a psique ao longo do seu desenvolvimento. Isto é, a experiência humana deixou um rasto na estrutura psíquica.

131 Cf. Ibid., p. 265.

132 Carl G. Jung e Franz, op. cit., p.161. 133 Loc. cit.

134 Ibidem, p. 202.

135 Carl G. Jung, Psicología y religión, Buenos Aires, Paidós, 1955, p. 19. 136 Carl G. Jung, Tipos..., op. cit., p. 208.

Entre os arquétipos, alguns – por se distinguirem pela sua influência sobre o eu – são mais representativos. Estes são a sombra, a persona, a anima e o animus. Mas sobre todos estes erige-se um que representa uma constante, uma tendência que leva a conglobar a ambivalência da existência, a conciliar o todo diverso da vida humana: o si- mesmo. Este arquétipo vai-se desvelando ao longo do processo que Jung denominou individuação. Este não é um desenvolvimento descoberto recentemente. Já noutras culturas se denominava de diferentes formas e se representava através de diferentes símbolos e mitos.137

Assim se entende que a concepção de indivíduo não se reduz à realidade consciente. Existe na sua natureza o chamado inconsciente colectivo que influencia tanto a sua personalidade quanto o seu destino. A conhecida imagem do icebergue exemplifica de forma clara como sob a consciência existe una instância superior a ela mesma.

A tendência no Ocidente é condicionar uma sociedade unilateral e fortemente cingida aos aspectos conscientes e materiais da existência. Isto propiciou um distanciamento entre a razão e a natureza instintiva e inconsciente. Não se confia na natureza humana ou numa ordem interior básica. No entanto, como explica Jung, o homem primitivo, por exemplo, leva uma vida com uma “moralidad implícita, un orden y un rigor con sentido”.138 Este homem, dito “inferior”,

Posee una moral y una legislación que, en lo que respecta al rigor de sus exigencias, a veces supera considerablemente nuestra moral culta. Nada importa aquí que el primitivo considere buenas o malas cosas diferentes de las que nosotros consideramos tales. Lo que importa es que su “naturalismo” lleva a una legislación. La moralidad no es un malentendido inventado en el Sinaí por un Moisés ambicioso, sino que forma parte también de las leyes de la vida y es producida en el decurso vital de la vida.139

Para muitas sociedades e indivíduos, a ordem, a moral e as leis só podem vir de fora. Porque, existindo no indivíduo algo para além da cultura, das regras e dos valores sociais, o indivíduo seria apenas uma natureza brutal com tendência para as coisas inferiores. No entanto, Jung evidencia que no profundo desse inconsciente colectivo encontra-se um centro arquetípico que implica uma ordem que instaria à conciliação das diferentes tendências da psique. Esta experiência do centro mediador já foi descrita, tanto em culturas antigas como por indivíduos modernos, no material simbólico dos seus

137 Carl G. Jung expõe uma análise aprofundada da experiência do si-mesmo e do processo por ele denominado individuação em diferentes culturas e mitologias. (Veja-se por exemplo: Ibid., pp. 237-265.) 138 Ibid., p. 257.

sonhos, como o supremo bem, como um ideal de conciliação e grandeza, representado, por exemplo, no Grande Homem, no Tao, ou num Deus supremo.

A moralidade social é uma lei que se impõe de fora, e muitas vezes baseada na crença de que, debaixo da vontade que a impõe, se esconde uma besta. Diz Jung:

No se domina a la bestia encerrándola en una jaula. No hay moralidad sin libertad. (...) Para poder ser libre es preciso que antes sea vencida la bestia. Esto acontece por principio si el fundamento y la fuerza motriz de la moralidad son sentidos y percibidos por el individuo como componentes de su propia naturaleza y no como limitaciones externas. ¿Más cómo puede el hombre alcanzar esa sensación y esa inteligencia si no es a través del conflicto de los opuestos?140

Daí a importância de que a condição do indivíduo seja revalorizada, e que o conhecimento das profundezas subjectivas seja priorizado, para um desenvolvimento tanto individual como cultural. A teoria do inconsciente colectivo implica também que na natureza humana, no microcosmo chamado indivíduo, existe implícita uma tendência natural que o insta à autorrealização. Este processo de individuação outorgaria a consciência da mais íntima e profunda moralidade. E o que seria a moralidade? Fidelidade para com a própria lei. Ir ao encontro de nós próprios ligar-nos-ia à essência colectiva da nossa natureza.

Contrapondo estes princípios aos indivíduos construídos nas nossas obras de estudo, como Belchior, ou os Sebastião de Jornada de África e de O Conquistador, veremos como existe nestes, em maior ou menor medida, um abandono de si, proporcional ao perturbador ascendente da personificação de D. Sebastião, que, como duplo, os domina. Estas personagens denotam no abandono de si uma fragilidade implícita na percepção do valor do indivíduo perante o colectivo cultural, que, do ponto de vista da teoria de individuação, se torna imoral para o seu desenvolvimento. O óptimo vital resultaria, pelo contrário, do equilíbrio dos opostos:

El óptimo vital no está del lado del egoísmo grosero;(...) en el fondo el hombre está hecho de tal manera que para él significa algo indispensable la alegría del prójimo, de la cual es él el causante. Tampoco cabe alcanzar el óptimo vital por la vía de un desenfrenado afán individualista de superioridad. Pues el elemento colectivo es tan fuerte en el hombre que su anhelo de comunidad le estropearía la alegría del puro egoísmo. El óptimo vital sólo cabe alcanzarlo obedeciendo a las leyes que regulan la corriente de la libido, leyes que determinan la alternancia de sístole y diástole, que dan la alegría y la necesaria limitación; éstas determinan también las tareas vitales de naturaleza individual, sin cuyo cumplimiento no es posible ningún óptimo vital.141

140 Ibid., p. 258.