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2 PESQUISA EMPÍRICA

2.2 PENA INDIVIDUALIZADA? SEUS ASPECTOS PRÁTICOS

2.2.1 Primeira fase: a fixação da pena-base

2.2.1.3 Conduta social

Com o fito de resolver possível conflito conceitual entre conduta social e antecedentes, os comentaristas ortodoxos encaram aquela circunstância judicial como "o comportamento do réu no meio familiar e laboral"252:

Por conduta social deverá entender-se o papel que o acusado teve em sua vida pregressa, na comunidade em que se houver integrado. Se foi um homem voltado ao trabalho, probo, caridoso, altruísta, cumpridor dos deveres, ou se transcorreu seus dias ociosamente, exercendo atividades parasitárias ou anti-sociais. Será ainda considerado o comportamento do agente na família, no ambiente de trabalho, lazer ou escolar. Alguns se adaptam às normas de convivência social, outros reagem, manifestando condutas de agressividade ou inconformismo. É este comportamento que seguirá de guia ao magistrado na fixação da pena.253

O que há de comum nestas abordagens positivistas é o objeto de análise da conduta social: os papéis desempenhados pelo réu em outros contextos.254

Para Peter Berger e Thomas Luckmann, as pessoas desempenham papéis na sociedade. Um mesmo homem é pai, filho, marido, irmão, empregado e vizinho ao mesmo tempo, porém em cada momento ele desempenha um papel distinto, com

252 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v.1. p.517

253 COSTA JR., Paulo José da. Curso de direito penal. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.195.

254 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.164.

características diferentes. "Os papéis são tipos de atores neste contexto. Pode ver-se facilmente que a construção de tipologias dos papéis é um correlato necessário da institucionalização da conduta"255.

Daí, a mesma pessoa que praticou um homicídio, por exemplo, pode ser um ótimo marido e um pai extremamente afetuoso, a denunciar, portanto, a ausência de qualquer relação entre um papel e outro.

Qual a repercussão entre ser inadimplente e praticar lesão corporal? Entre ser caridoso e praticar atos de corrupção? Evidentemente nenhuma. Não existe qualquer relação entre os fatos. Por isso, é difícil compatibilizar o exame da conduta social do condenado com a perspectiva do direito pela de fato.

Porém, caso se queira aceitar o vetusto direito penal de autor, aí deveria então expressar a legislação declaradamente que para o sistema penal bastam as características do autor, sendo este sempre considerado inferior às demais pessoas.

Conforme já dito, para o direito penal de autor a criminalização não ocorre sobre o ato praticado como violador do sistema jurídico e sim, sobre determinados sujeitos pertencentes a grupos mais débeis; grupos estes que possuem determinadas características constatáveis em sua forma de "ser" na sociedade.

O delito seria, assim, apenas um significado sintomático para identificação das pessoas que compõem estes grupos cativos.

O autor, por ostentar essa inferioridade, seria alguém perigoso, algo nocivo para a "sociedade higienizada" e por isso deveria ser punido ou neutralizado.

Existem comentadores que escancaradamente admitem que a conduta social é expressão do direito penal de autor e não enxergam nenhum problema em sua consideração para a fixação da pena.256,257

255 BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Tradução de Floriano de Souza Fernandes. 32.ed. Petrópolis: Vozes, 2010. p.99.

256 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.165.

257 Nucci, tentando encontrar apoio em outros autores, cita que Paganella Boschi aceita idêntico prisma (Id.). Porém, Boschi, contrariamente, contesta tal perspectiva do direito penal de autor (BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critério de aplicação. 3.ed. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2004. p.206).

A par dessas considerações, ainda assim, a conduta social não foi uma circunstância judicial muito utilizada nas dosimetrias das penas que ficaram acima do mínimo previsto em abstrato.258 Ficou atrás das circunstâncias, culpabilidade, consequências e antecedentes.

QUADRO 4 - REPRESENTATIVIDADE DA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL CONDUTA SOCIAL

FONTE: TJ/PR

Outra questão que merece ser destacada é que observou-se em algumas sentenças condenatórias coletadas na pesquisa que registros de inquéritos, por exemplo, que não puderam ser usados para caracterizar maus antecedentes, foram enquadrados para formar juízo de valor negativo acerca da conduta social do condenado.

Talvez em razão da defesa mais acirrada do princípio da presunção de inocência quando se está a falar sobre os antecedentes criminais é que alguns magistrados tenham sido levados a proceder a esse contorcionismo jurídico.

Veja-se, apenas a título de ilustração:

a conduta social do condenado é deveras agravada, pois, afora a condenação transitada em julgado e que importa em reincidência, o réu se envolveu em inúmeras outras situações anteriores que ensejaram as instaurações de persecuções criminais em seu desfavor, demonstrando que não se coaduna com a vida em sociedade e tende fortemente a delinquir (cf. fls. 441/450).259

a conduta social do condenado é deveras agravada, pois foram instauradas diversas persecuções criminais em seu desfavor, inclusive por delitos envolvendo substâncias entorpecentes, denotando que não se ajusta à vida em sociedade e tende a delinquir; não há elementos nos autos capazes de conferir subsídios para a análise da personalidade do condenado.260

258 Da mesma forma, na pesquisa realizada por Vinicius Machado nas Varas Criminais do Distrito Federal, a conduta social não foi tão significativa para dosimetria penal, até mesmo porque,

"reiteradas vezes, o juiz apenas tangencia a circunstância judicial com o argumento de que não há elementos suficientes para aferir a conduta social do réu" (MACHADO, Vinicius. Individualização da pena: o mito da punição humanizada. Florianópolis: Modelo, 2010. p.129).

259 Autos de numeração 2012.23828-1 – 10.a Vara Criminal.

260 Autos de numeração 2012.14358-2 – 10.a Vara Criminal.

Ocorre que esse contorcionismo jurídico em tentar ajustar tais eventos como

"conduta social", quando se sabe que são enquadráveis somente na categoria

"maus antecedentes", também viola, da mesma forma, o princípio da presunção de inocência na medida em que leva em consideração acontecimentos que não contam com a chancela do trânsito em julgado.

E mais, a Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça quando vedou a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base o fez indistintamente, não somente em relação aos maus antecedentes como também no que concerne à conduta social.

Por todas essas razões é que a conduta social não se presta num Estado de Direito (do fato) como parâmetro para individualização de pena.