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2 PESQUISA EMPÍRICA

2.2 PENA INDIVIDUALIZADA? SEUS ASPECTOS PRÁTICOS

2.2.1 Primeira fase: a fixação da pena-base

2.2.1.7 Consequências

Dentre todas as circunstâncias judiciais alinhavadas no Código Penal, art. 59, as consequências foram as que mais estiveram presentes nas sentenças que fixaram a pena-base acima do mínimo legal (21,2%).

280 BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critério de aplicação. 3.ed. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2004. p.216.

281 Autos de numeração 2011.19169-0 – 1.a Vara Criminal.

CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL APONTADA COMO DESFAVORÁVEL

PERCENTUAL DE INCIDÊNCIA NAS SENTENÇAS QUE FIXARAM A PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL (%)

Consequências 21,20

QUADRO 8 - REPRESENTATIVIDADE DA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL CONSEQUÊNCIAS

FONTE: TJ/PR

Entende-se que as consequências a que se refere o Código Penal se circunscrevem apenas àquelas que extrapolam as consequências normais do tipo de injusto, aquelas que se projetam para além do tipo. Do contrário estaria caracterizado o ne bis in idem, ou seja, valorando-se duas vezes o mesmo fato para prejudicar o réu.

Supreendentemente verificou-se que 85,4% das sentenças analisadas que se utilizaram das consequências do crime para agravar a pena-base se referiram a fatos considerados inerentes às consequências do próprio tipo de injusto, o que é gravíssimo.

GRÁFICO 35 - CONSEQUÊNCIAS INERENTES AO TIPO PENAL FONTE: TJ/PR

Note-se que o critério empregado nessa identificação foi a análise não só das próprias elementares do tipo de injusto como também as demais circunstâncias acolhidas pelo magistrado sentenciante para alterar a pena em qualquer das fases da individualização.

Inviável na dosimetria da pena do homicídio valoração negativa das consequências, porque a morte da vítima é condição para que o tipo se perfectibilize; a incapacidade para o trabalho não pode ser considerada como circunstância judicial no crime de lesões corporais gravíssimas (art. 121, § 2.o, inciso I) porque integra o tipo; no infanticídio, o estar a vítima à mercê da ré é circunstância tida como natural ao delito.282

Foram encontradas 16 sentenças em que a pena-base foi aumentada em razão de terem sido consideradas as consequências graves, frise-se, todas com a mesma oração fundamentadora: "Consequências da conduta ilícita: são danosas, não apenas para a vítima, mas para a coletividade, traumatizada com os altos índices de violência que cotidianamente a assolam"283.

Essa fundamentação foi encontrada em sentenças com condenação pelos tipos de injusto de roubo, receptação, extorsão e porte ilegal de arma de fogo de uso permitido.

Fundamento que serve para qualquer situação não é fundamento. O fundamento individualiza, não generaliza.

Em condenações por tráfico de drogas foram encontradas sentenças em que o argumento para considerar as consequências do delito anormais foi a própria gravidade do tipo de injusto, sem qualquer outra consideração que se projete para além do tipo, em flagrante violação ao princípio do ne bis in idem:

Consequências da conduta ilícita: são danosas para a coletividade, traumatizada com os altos índices de violência que cotidianamente a assolam, em muito estimulada pela disseminação do uso de tóxicos.284 Consequências da conduta ilícita: são nefastas, para o próprio réu e a sociedade, cujos núcleos se veem desmoronar, para não falar no estímulo à violência, em razão do consumo de drogas.285

282 BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critério de aplicação. 3.ed. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2004. p.216/217.

283 Autos de numeração 2011.0014514-1; 2010.0002130-0; 2004.105888; 2011.9406-7;

2011.0012425-0; 2011.9406-7; 2009.18442-9; 2012.0018776-8; 2006.7660-1; 2012.14601-8;

2012.4111-9; 2004.0004734-9; 2011.19169-0; 2003.0005038-0; 2009.0013637-8 e 2009.0001104-4 – 1.a Vara Criminal.

284 Autos de numeração 2011.0010827-0 – 1.a Vara Criminal.

285 Autos de numeração 2010.0020421-9 – 1.a Vara Criminal.

Consequências da conduta ilícita: são nefastas, para o próprio réu e a sociedade, cujos núcleos se veem desmoronar, para não falar no estímulo à violência.286

Da mesma forma, crimes contra o patrimônio consumados tiveram como argumento para aumentar a pena-base a gravidade das consequências próprias da consumação, qual seja, a inversão da posse ou propriedade do objeto subtraído:

Consequências da conduta ilícita: foram danosas para as vítimas, que ainda não conseguiram recuperar suas joias, de elevado valor.287

Consequências da conduta ilícita: são danosas, para a vítima, que perdeu expressivas somas em dinheiro.288

Consequências: As vítimas não tiveram restituída alta quantia em dinheiro, razão pela qual esta circunstância deve acarretar o aumento da pena-base.289

Em um caso analisado na pesquisa o réu fora condenado pela prática do tipo de injusto de receptação de um veículo, na modalidade consumada, por estar transitando com ele, sabendo ser de origem ilícita. Ocorre que, segundo conclusão da sentença, o denunciado havia batido o automóvel num muro antes de ele ser apreendido pelos policiais. No momento de dosar a pena, o juiz valorou negativamente referida avaria no bem elevando a pena-base por tal consequência:

"Consequências: foram graves, na medida em que o veículo foi batido, sofrendo avarias"290.

Mas, sendo o tipo consumado, o fato posterior à consumação é, inclusive, impunível. O que fora feito com o veículo, após ser subtraído, não deveria ser alvo de valoração no que se refere à pena, tratando-se, portanto, de afronta ao ne bis in idem.

286 Autos de numeração 2011.13596-0 – 1.a Vara Criminal.

287 Autos de numeração 2007.0015319-5 – 1.a Vara Criminal.

288 Autos de numeração 2009.0012029-3 – 1.a Vara Criminal.

289 Autos de numeração 2010.7627-0 – 1.a Vara Criminal.

290 Autos de numeração 0023655-58.2011.8.16.0013 – 3.a Vara Criminal.

Em uma condenação por furto, em que o réu fora denunciado por

com abuso de confiança, eis que prestava serviços domésticos na residência da referida vítima à época dos fatos, o que lhe permitia, em virtude da confiança em si depositada, acesso aos cômodos da sua residência, subtraiu, para si, diversos talheres e corte de panos importados e nacionais, pormenorizados no auto de exibição e apreensão de fl. 10, causando um prejuízo à vítima que totaliza R$ 725,00 (setecentos e vinte e cinco reais, cf. auto de avaliação de fls. 23),291

a consumação da subtração foi levada em consideração para agravar a pena-base tendo em conta as consequências: "Houve prejuízo patrimonial de pequena monta, haja vista que parte da res furtiva restou inutilizada por ação do réu"292.

Em outra sentença em que foi condenado o réu por estelionato em razão de ter vendido o automóvel da vítima e se apropriado do preço, o fato de ter ocorrido prejuízo material foi levado em conta para considerar gravosas as consequências:

"Houve prejuízo material em desfavor da vítima"293.

Porém trata-se de elementar do tipo o "prejuízo alheio" (CP, art. 171).

Cirino dos Santos, com razão, limita a possibilidade de aferição de consequências que extrapolam o resultado típico ao elemento subjetivo mínimo de imprudência (culpa):

O princípio da culpabilidade exige previsão, ou pelo menos, previsibilidade do autor, para considerar as consequências extra-típicas do fato na medida da pena – em outras palavras, a atribuição por imprudência constitui condição mínima de inclusão de consequências extra-típicas na medida da pena.294

291 Autos de numeração 0002792-54.1998.8.16.0013 – 4.a Vara Criminal.

292 Id.

293 Autos de numeração 0001821-67.2009.8.16.0013 – 4.a Vara Criminal.

294 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

p.575.