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1 DISCURSOS (DES)LEGITIMANTES DA PENA

1.1 DISCURSO OFICIAL DA TEORIA DA PENA

1.1.2 Preventiva, relativa ou utilitarista

1.1.2.2 Preventivas gerais

A prevenção geral fundamenta-se no livre-arbítrio do homem, pois se preocupa em convencer a partir da ideia de intimidação ou da utilização do medo e pela ponderação da racionalidade humana.

Portanto, as doutrinas da prevenção geral alicerçam-se na pena como instrumento político-criminal utilizado com o fim de afetar psiquicamente, de forma geral, os membros de uma comunidade, para que eles não pratiquem crimes. Essa dominação é legitimada pelo poder coator da lei.

Pode-se, dizer, modernamente, que a prevenção geral anda nos trilhos da coação psicológica que tem por finalidade criar nos potenciais criminosos um motivo contundente que o afaste do crime.

51 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. 3.ed. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2002;

CASTRO, Lola Aniyar de. Criminologia da libertação. Tradução de Silvia Moretzsohn. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2005; GIORGIO, Alessandro De. A miséria governada através do sistema penal. Tradução de Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2006; MELOSSI, Dario;

PAVARINI, Massimo. Cárcere e fábrica: as origens do sistema penitenciário (séculos XVI – XIX).

Tradução de Sérgio Lamarão. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2010; RUSCHE, Georg;

KIRCHHEIMER, Otto. Punição e controle social. Tradução de Gizlene Neder. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2004; SANTOS, Juarez Cirino dos. A criminologia radical. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008; SOZZO, Massimo (Coord.). Reconstruyendo las criminologias críticas. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2006; WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova geração da miséria nos Estados Unidos (a onda punitiva). Tradução de Sérgio Lamarão. 3.ed. Rio de Janeiro:

Revan, 2007; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Tradução de Vania Romano Pedrosa, Amir Lopes da Conceição.

5.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2010.

Prevenir seria contramotivar com argumentos convincentes sobre o mal da pena legitimadora da ordem vigente e mantenedora da paz jurídica.

Claus Roxin fundamenta que a concepção da prevenção geral continua presente em nossos dias, quando o Código Penal conduz a generalidade da população ao comportamento conformativo com as leis – por exemplo, com medidas de aumento da pena para embriaguez ao volante. Também quando do Projeto do Código Penal Alemão de 1962, em que se lia a expressão: "força moderadora dos costumes"52.

As doutrinas da prevenção geral estão intimamente ligadas à função do direito penal, qual seja: tutelar os bens jurídicos. Por isso, o direito penal deve atuar preventivamente diante da comunidade, seja com ameaça de punibilidade, seja com punição efetiva.53

Prevenção geral positiva

A doutrina da prevenção geral positiva confunde o direito com a moral, pois confere às penas funções de integração social mediante o reforço geral da fidelidade ao Estado, firmando-se, assim, como doutrina legalista e estatalista, conformadora das condutas, a partir da concepção do direito penal como "orientador da moral" e

"educador coletivo".

Zaffaroni traduz a doutrina da prevenção geral positiva como aquela que fundamenta a criminalização, "não, porém para dissuadi-los pela intimidação, e sim como valor simbólico produtor de consenso, e, portanto, reforçador de sua confiança no sistema social geral"54.

A partir da realidade social, essa teoria se sustenta em dados reais que a anterior. Segundo ela, uma pessoa seria criminalizada porque com isso a opinião pública é normatizada ou renormatizada, dado ser importante o consenso que sustenta o sistema social. Como os crimes de "colarinho branco" não alteram o consenso enquanto não forem percebidos como conflitos delituosos,

52 ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. Tradução de Ana Paula dos Santos Luís Natscheradetz. 3.ed. Lisboa: Vega, 1998. p.23.

53 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais; Coimbra:

Coimbra Editora, 2007. Tomo I: Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. p.50.

54 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro – I. 3.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p.121/122.

sua criminalização não teria sentido. Na prática, tratar-se-ia de uma ilusão que se mantém porque a opinião pública a sustenta, e convém continuar sustentando-a e reforçando-a porque com ela o sistema penal se mantém:

ou seja, o poder a alimenta para ser por ela alimentado.55

Sintetiza Figueiredo Dias que a prevenção geral positiva gera efeito positivo de confiança ou de aprendizagem, quando da demonstração das consequências puníveis do crime. Ele confirma que a pena é a forma de o Estado se manter e reforçar a confiança da comunidade nas normas penais, como tutela dos bens jurídicos.56 Prevenção geral negativa

Figueiredo Dias percebe a prevenção geral negativa como a teoria que concebe a pena como forma de intimidação, feita pelo Estado, aos indivíduos a partir da observação do sofrimento imposto ao delinquente.57

Cirino dos Santos, por sua vez, diz ser a função declarada ou manifesta de prevenção negativa intimidadora pela ameaça penal. Ele reafirma que este é o discurso real do direito penal, ou seja, discurso garantidor da ordem social capitalista responsável pelo desequilíbrio entre meios de produção e força de trabalho, reproduzindo, assim, as desigualdades sociais.58

Já Zaffaroni ensina que a prevenção geral negativa pretende dissuadir os que não cometem crimes a, de fato, não os cometerem, em razão dos ideais de custo-benefício; ou seja, da aplicação da pena, mas também com uma função utilitária antiética da criminalização de condutas.59

Zaffaroni ainda apresenta a gradação dos efeitos da criminalização exemplarizante: primeiro, comenta quanto aos delitos com finalidade lucrativa, afirmando que a punibilidade será para os vulneráveis ao cometimento daquela delinquência, o

55 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro – I. 3.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p.122.

56 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais; Coimbra:

Coimbra Editora, 2007. Tomo I: Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. p.50-52.

57 Ibid., p.50.

58 SANTOS, Juarez Cirino dos. A criminologia radical. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

p.492/493.

59 ZAFFARONI et al., op. cit., p.117-120.

que apenas reforçaria, ou melhor, serviria de estímulo ao aperfeiçoamento criminal, pois o "vulnerável delinquente" iria "estabelecer maior nível de elaboração delituosa como regra de sobrevivência"60.

Portanto, a intenção da prevenção geral negativa não seria atingida, já que a pena não iria persuadir ao não cometimento do delito, mas provocaria maior elaboração da ardilosidade criminosa.

Em segundo lugar, ele comenta que para crimes mais graves como os de colarinho branco ou de terrorismo, tampouco a prevenção geral negativa serviria para dissuadir contra o crime, pois os autores desses delitos têm tendência ao fanatismo, não considerando a ameaça da pena; pelo contrário, percebem-na como estímulo, visto que são eles os sicários, mercenários, administradores de empresas delituosas. Zaffaroni confirma que as punições do Estado – Direito Penal – são exemplos de terror com penas cruéis e indiscriminadas, a exemplo da ditatura de 1968, com o Ato Institucional n.o 5.61

Em um terceiro momento, Zaffaroni até demonstra acreditar que nos delitos de menor gravidade a "criminalização primária" pode exercer influência sobre alguma pessoa, pois as pessoas, de acordo com esta teoria, evitariam as condutas antijurídicas por temor à lei penal. Contudo, segundo o mestre argentino, este discurso "confunde o feito do direito em geral e toda ética social com o poder punitivo"62; esquecendo, assim, que o maior número das pessoas não pratica ações lesivas por princípios éticos, jurídicos e afetivos, e não por temor à lei – a ética não provém da lei penal, necessariamente. Para Zaffaroni, não é a prevenção geral negativa que dissuade as pessoas ou conserva a sociedade; trata-se, sim, de uma ilusão do penalismo que identifica direito penal com cultura.

Segundo Zaffaroni, o fim do discurso da teoria da prevenção geral negativa é trágico, pois no plano político e teórico, quando se esgotar o catálogo de consequências penais negativas capazes de ameaçar alguém, a suposta saída será a pena de morte;

ato cruel e comprovador de que o Estado, com seu direito penal, esqueceu-se que

60 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro – I. 3.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p.117.

61 Ibid., p.118.

62 Id.

sua função essencial é a de preservação da vida e não a de assassino legitimado.63 Portanto, de acordo com o discurso da prevenção geral negativa, as pessoas servem como meio a serviço de um Estado intimidador e alienado à existência da pessoa humana; responsável pela perpetuação das injustiças sociais, já que, por exemplo, durante as crises econômicas, aumenta as penas para os mais prejudicados, a saber:

os desprovidos de tudo.

A lógica da discussão faz o delito perder sua essência de lesão jurídica para convertê-lo em um indício de inimizade com a cultura que o estado quer homogeneizar ou com a moral que deseja impor. Fica a descoberto seu caráter verticalista, hierarquizante, homogeneizador, corporativo e, por conseguinte, contrário ao pluralismo próprio do estado de direito e à ética baseada no respeito pelo ser humano como pessoa.64

Paganella Boschi informa que a pena como prevenção já era preocupação dos gregos. Os partidários da teoria da prevenção geral negativa afirmavam ser a punição um mal necessário para que não houvesse reincidência de crimes, além de servir de alerta para todos evitarem o caminho delituoso. Portanto, nesse sentido,

"castiga-se para que a sociedade, como um todo, puna o ofensor, permaneça em estado de alerta e reforce seu sentimento de confiança no direito"65.

Por mais evidente que possam parecer os fins preventivos gerais da pena, alguns questionamentos são apontados pelos críticos mais atentos.

Primeiro, no que diz respeito à fundamentação do direito de punir, as teorias preventivas gerais padecem do mesmo mal das teorias retributivista e preventivas especiais; ou seja, não esclarecem a que comportamentos possui o Estado a faculdade de intimidar, permanecendo, dessa forma, em aberto o âmbito da "criminalidade" punível.

Nessa esteira, ainda, assim como as teorias preventivas especiais podem levar a um tratamento terapêutico-social indeterminado, as doutrinas preventivas gerais podem conduzir a um estado de terror social, ultrapassando a medida do possível numa

63 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro – I. 3.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p.119.

64 Ibid., p.121.

65 BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critério de aplicação. 3.ed. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2004. p.112.

ordem jurídico-democrática. Isto porque quem pretender intimidar mediante a pena tenderá a reforçar esse efeito, castigando tão duramente quanto possível.

E, quanto a esses dois aspectos, é que se levanta o caráter meramente ideológico da teoria preventiva geral negativa, apontando-a como impossível de efetivação prática para os usuários habituais do sistema criminal. Ao passo que, proclama o viés eminentemente tecnocrático da teoria preventiva geral positiva, advogando-a como produto natural da vida em sociedade, que tem a sanção como necessária e hábil à manutenção, pela reafirmação, dos valores sociais que mantêm a sociedade coesa.

Mas, é exatamente dessa concepção que surge a terceira e mais contundente crítica às teorias preventivas gerais: como pode justificar-se que se castigue um indivíduo não em consideração a ele próprio, mas em consideração a outros?

Dessa forma, um ser humano nunca deve ser considerado apenas como meio a fins alheios ou, pior, posto dentre os objetos dos direitos das coisas, visto que a essência de sua própria personalidade, natureza ôntica como membro da espécie humana, o protege disto.

Com efeito, as teorias preventivas gerais encontram-se sujeitas às objeções muito semelhantes às postas em face das teorias preventivas especiais e retributiva:

não podem fundamentar o poder punitivo do Estado nos seus pressupostos, nem limitá-lo nas suas consequências; são político-criminalmente discutíveis e carecem de legitimações que estejam em consonância com os fundamentos do ordenamento jurídico.