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2 PESQUISA EMPÍRICA

2.2 PENA INDIVIDUALIZADA? SEUS ASPECTOS PRÁTICOS

2.2.1 Primeira fase: a fixação da pena-base

2.2.1.4 Personalidade

Esta é uma das circunstâncias judiciais que mais causa polêmica na medida em que a personalidade é um dos conceitos que mais têm controvérsia na psiquiatria e psicologia.

A personalidade é muito mais do que uma simples avaliação leiga que as pessoas fazem umas das outras, não se resumindo ao que Regis Prado propõe como sendo "a índole, o caráter do indivíduo"261 ou ao que Mirabete afirma como sendo as

"qualidades morais, a boa ou a má índole, o sentido moral do criminoso, bem como sua agressividade e antagonismo com a ordem social intrínsecos a seu temperamento"262.

Hall, Lindzey e Campbell, em um trabalho técnico intitulado "Teorias da personalidade"263 bastante aprofundado sobre o assunto, no qual repassam as teorias de Freud, Jung, Adler, Horney, Sullivan e Erikson, expõem a seguinte argumentação:

261 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v.1. p.517.

262 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral. 24.ed. São Paulo: Atlas, 2008.

v.1. p.300.

263 HALL, Calvin S.; LINDZEY, Gardner; CAMPBELL, John B. Teorias da personalidade. Tradução de Maria Adriana Veríssimo Veronese. 4.ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.

Estamos convencidos de que nenhuma definição substantiva de personalidade pode ser generalizada. Com isso, queremos dizer que a maneira pela qual determinadas pessoas definem a personalidade dependerá inteiramente de sua preferência teórica. Assim, se a teoria enfatiza a singularidade e as qualidades organizadas e unificadas do comportamento, é natural que a definição de personalidade inclua a singularidade e a organização como atributos importantes da personalidade. Uma vez que o indivíduo tenha criado ou adotado uma dada teoria da personalidade, a definição de personalidade será claramente indicada pela teoria. Assim, acreditamos que a personalidade é definida pelos conceitos empíricos específicos que fazem parte da teoria da personalidade empregada pelo observador. A personalidade consiste concretamente em uma série de valores ou termos descritivos que descrevem o indivíduo que está sendo estudado em termos das variáveis ou de dimensões que ocupam uma posição central dentro de uma teoria específica.264

Para esses autores, personalidade é uma das poucas palavras que existem na nossa língua com tanto fascínio para o público em geral:

Embora a palavra seja usada em vários sentidos, a maioria desses significados populares se encaixa em um ou dois tópicos. O primeiro uso iguala o termo à habilidade ou à perícia social. A personalidade de um indivíduo é avaliada por meio da efetividade com que ele consegue eliciar reações positivas em uma variedade de pessoas em diferentes circunstâncias. [...]. O segundo uso considera a personalidade do indivíduo como consistindo-se na impressão mais destacada ou saliente que ele cria nos outros. [...]. Embora a diversidade no uso comum da palavra personalidade possa parecer considerável, ela é superada pela variedade de significados atribuídos ao termo pelos psicólogos. Em um exame exaustivo da literatura, Allport extraiu quase cinquenta definições diferentes que classificou em algumas categorias amplas.265

Daí é que se diz que o magistrado, para que possa analisar a personalidade do condenado, deve indicar precisamente qual dessas cinquenta perspectivas conceituais (ou mesmo outras) adotará para, aí sim, com base nos critérios e métodos do conceito eleito estabelecer algum resultado analítico.

Ocorre que, não obstante a infinidade de possibilidades teóricas acerca da definição de personalidade, Hall, Lindzey e Campbell ainda assim estipulam que nenhuma delas em separado é satisfatória na medida em que as pessoas abstraem e simplificam quer seja usado um ou outro conjunto de convenções.266

264 HALL, Calvin S.; LINDZEY, Gardner; CAMPBELL, John B. Teorias da personalidade. Tradução de Maria Adriana Veríssimo Veronese. 4.ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p.32/33.

265 Ibid., p.32.

266 Ibid., p.33-36.

Além de toda essa dificuldade conceitual, também se deve ter em consideração que a personalidade, se se concluir que é possível sua captação, é transitória, pois é

"produto bio-psíquico-social do conjunto das relações históricas concretas do indivíduo"267; logo, circunstancialmente variável.

É no mínimo ingênuo ou mal intencionado o legislador quando, sabedor de toda essa problemática, nutre uma expectativa de que o juiz dê conta de caracterizar a personalidade do réu, o que é feito em uma única oportunidade: no interrogatório (quando é feito, pois pode ocorrer sucessão de magistrados e nem um único contato ter o sentenciante com o réu).

Talvez por tudo isso é que se constatou na pesquisa em questão que a personalidade em raríssimas vezes foi levada em consideração pelo magistrado, apenas em 2,5% das sentenças. Ficou à frente apenas do comportamento da vítima (o qual não fora analisado em nenhuma decisão).

CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL APONTADA COMO DESFAVORÁVEL

PERCENTUAL DE INCIDÊNCIA NAS SENTENÇAS QUE FIXARAM A PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL (%)

Personalidade 2,50

QUADRO 5 - REPRESENTATIVIDADE DA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL PERSONALIDADE

FONTE: TJ/PR

Diante dessa complexidade conceitual, a qual escapa à capacidade técnica do juiz, é que se deve reconhecer que somente um laudo subscrito por pessoa da área de psicologia, psiquiatria ou psicanálise é que serviria de parâmetro para eventual definição da personalidade do réu.

Das 483 condenações estudadas, em 62, ou seja, 12,8%, o juiz sentenciante disse que não poderia analisar a circunstância judicial personalidade em razão da ausência de laudo técnico.

267 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

p.573.

GRÁFICO 32 - PERSONALIDADE NECESSITA DE EQUIPE TÉCNICA?

FONTE: TJ/PR

Naquelas sentenças em que fora considerada a personalidade como critério para dosimetria penal, em 80% foram feitas afirmações genéricas, destituídas de embasamento conceitual, quase sempre referindo-se a ela como sendo "voltada para o crime".

GRÁFICO 33 - PERSONALIDADE "VOTADA PARA O CRIME"

FONTE: TJ/PR

Com efeito, foi constatado que em algumas sentenças a personalidade foi caracterizada como "voltada para o crime" tendo em consideração ações penais em curso (violando o princípio da presunção de inocência) ou mesmo os antecedentes do réu (claramente em bis in idem):

Personalidade: O réu foi condenado pela prática de crime de roubo, através de sentença proferida pelo MM. Juízo da 11.a Vara Criminal, datada de 16/08/2012, conforme consta à fl.134, e responde acusações de furto e roubo supostamente praticados em 04/11/2011 e 22/03/2012, o que indica personalidade perigosa e voltada a prática de crimes.268

"Personalidade: tendo em vista os vários antecedentes, constata-se que o réu tem personalidade com inclinação a criminalidade"269.

Salo de Carvalho, após concluir que o juiz não tem formação transdisciplinar para fazer juízo de valor acerca da personalidade do réu, arremata que o problema levantado é que "mesmo se houvessem (sic) condições, esta avaliação seria ilegítima sob um prisma de direito penal de garantias balizado pelo princípio da secularização"270.

A avaliação da personalidade do condenado possibilita um subjetivismo de difícil controle, além de "invadir discricionariamente uma área da esfera individual na qual é ilegítimo opinar (interioridade da pessoa)", sendo, portanto, "verdadeira porta aberta para perversão do princípio da culpabilidade pelo fato"271.