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2 PESQUISA EMPÍRICA

2.2 PENA INDIVIDUALIZADA? SEUS ASPECTOS PRÁTICOS

2.2.2 Segunda fase: a fixação da pena provisória

2.2.2.3 A vetusta Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça

Conforme já narrado, na primeira fase da individualização da pena são analisadas as circunstâncias judiciais e chega-se à pena-base. Ocorre que nesta etapa, por consequência do que dispõe o Código Penal, art. 59, II, última parte, a pena-base tem como limites o mínimo e o máximo em abstrato.

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

[...].

II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos.

Na segunda etapa aplicam-se, caso existentes, as agravantes e atenuantes, chegando-se à pena provisória. Nesta fase é que entra em discussão a possibilidade de se reduzir a pena aquém do mínimo.

A interpretação jurisprudencial, indo além do que o legislador previu, entendeu por limitar a pena provisória ao mínimo previsto em abstrato. Assim o fez sob o argumento de que estaria sendo respeitado o princípio da legalidade, vez que o juiz não poderia invadir a esfera legislativa, pois a lei já havia consignado qual seria a sanção mais baixa para aquele tipo de injusto. Além do que, pensar de modo diverso, poderia causar uma significante insegurança jurídica.

353 BATISTA, Nilo. Matrizes ibéricas do sistema penal brasileiro, I. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan:

ICC, 2002. p.235/236.

Tal interpretação culminou com a edição da Súmula 231 pelo Superior Tribunal de Justiça:

231. A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.

De acordo com as palavras de Paulo José da Costa Jr., "a adoção de posicionamento diverso equivaleria a trocar a certeza do direito pelo arbítrio judicial"354.

Para Nucci, a justificativa de tal limitação seria porque as atenuantes e agravantes não constituem partes integrantes do tipo de injusto, possuindo ambas caráter genérico, por isso podem ser reconhecidas de ofício pelo magistrado.355

Porém tal motivo não fundamenta a limitação na medida em que as causas de diminuição que autorizam a redução aquém do mínimo também são circunstâncias, e o fato de o juiz poder reconhecer de ofício uma atenuante nada tem a ver com tal restrição, muito pelo contrário, o fato de não poder aplicar uma atenuante quando a pena já está no mínimo gera a impossibilidade, na prática, o esvaziamento da ideia de seu reconhecimento.

Não obstante isso, referida Súmula, quase como se tivesse encerrada qualquer discussão sobre a matéria, vem sendo acatada reiteradamente em sentenças como se fosse a "verdade" dita pelo Oráculo de Delfos, o que se observou nas decisões coletadas na pesquisa.

Primeiro foram coletadas as sentenças condenatórias em que a pena-base foi fixada no mínimo legal. Dentro desse apanhado foram identificados os casos em que havia alguma atenuante já reconhecida, ou seja, tendo como objeto de análise somente as situações em que era possível reduzir-se ou não a pena aquém do mínimo, constatou-se que em 89,8% das decisões a Súmula 231 foi aplicada.

354 COSTA JR., Paulo José da. Curso de direito penal. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.211.

355 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.234.

GRÁFICO 44 - APLICOU A SÚMULA 231 DO STJ?

FONTE: TJ/PR

As sentenças que se balizaram pela Súmula em questão deram primazia ao argumento da autoridade em detrimento à autoridade do argumento, tanto que sua aplicação gerou uma sensível desnecessidade de fundamentar a restrição à redução da pena aquém do mínimo legal previsto em abstrato.

Existem pelo menos três argumentos convincentes que fazem com que não se aplique a Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

Viola o princípio da legalidade, tão caro na conquista dos direitos e garantias fundamentais, na medida em que o Código Penal prevê em seu art. 65 que "são circunstâncias que sempre atenuam a pena". Assim, sempre é sempre. Se o legislador quisesse traçar condições para a aplicação ou não das atenuantes que elencou nos incisos do art. 65 o teria feito expressamente.

No caso de se ter dois coautores, sendo um com 20 anos de idade na data do fato e outro com 40 anos, tendo ambas penas-base sido fixadas no mínimo em abstrato, os dois seriam tratados da mesma forma, com a mesma resposta penal. Isso viola o princípio da igualdade, pois a questão de ter o réu menos de 21 anos de idade na data do fato é tão importante que o próprio legislador a elevou à condição de atenuante. Assim, estaria se tratando da mesma forma pessoas em situações diferentes.

Também caracteriza analogia in malam partem a aplicação da limitação descrita no Código Penal, art. 59, II, última parte, pois esta regra é restrita à primeira etapa da individualização da pena.

E mais, conforme já comentado, 52,0% das condenações fundamentaram-se nas confissões dos acusados, o que, por consequência, lhes garantiriam a diminuição de suas penas pelo reconhecimento da atenuante.

Contudo, constatou-se que em 59,8% das confissões foi negada a redução da pena por decorrência da atenuante. Ou seja, o mesmo fato que foi utilizado para condenar o réu não foi sopesado quando da dosimetria de sua pena em flagrante engodo judicial.

GRÁFICO 45 - TOTAL DAS CONFISSÕS E ANÁLISE DA SÚMULA 231 FONTE: TJ/PR

Somente em 6,8% das confissões foi honrada a promessa legal do Estado quando incentivou o réu a se confessar oferecendo-lhe o benefício da atenuante em correspondência, ainda que sua pena-base já estivesse no mínimo legal.

Note-se que quando o réu vai ser interrogado não lhe é avisado que sua confissão pode não ser reconhecida para a finalidade de abrandar sua pena.

Os 33,5% restantes representam os casos em que a pena-base não ficou no mínimo legal, o que possibilitou o abrandamento da pena pela confissão independente de se analisar a aplicação ou não da Súmula.

Do total de 251 confissões, em 150 delas deixou-se de aplicar a atenuante respectiva.

TABELA 3 - CONFISSÕES E A APLICAÇÃO DA SÚMULA 231 DO STJ

SÚMULA 231 DO STJ CONFISSÕES

Abs. %

Foi aplicada 150 59,8

Não era caso de se analisar a aplicação 84 33,5

Não foi aplicada 17 6,8

TOTAL 251 100,0

FONTE: TJ/PR

Logo, observaram-se no trabalho empírico 150 casos em que o acusado fora enganado pelo Estado, pois que lhe prometeu reduzir sua pena em razão da atenuante se ele confessasse. Mesmo tendo confessado, foi-lhe dito que não mais ocorreria o abrandamento sob a justificativa de que sua pena já estava no mínimo legal, desconsiderando-se o fato de que se a pena já estava no mínimo era porque o réu tinha atributos positivos que lhe deveriam ser debutados.

O mais estranho é que não se discute a redução da pena aquém do mínimo legal em decorrência da aplicação de alguma causa de diminuição como se este instituto fosse ontologicamente diverso da atenuante. Não o é. Todos são fatos que, cada um por sua justificativa, denotam a necessidade de uma reprimenda penal menor.

O ideal seria não se estabelecer sanção mínima em cada tipo de injusto, tendo como limite da pena unicamente a culpabilidade.