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CAPÍTULO 3 – CONFLITO

3.5 Configurações de estilos

Segundo Bell e Blakeney (1977; citado por Cunha et al, 2006) e Thomas (1992; citado por Cunha et al, 2006), compreender as estratégias e actuações dos indivíduos em situações de conflito através das características de personalidade possibilita uma abordagem mais ampla. Os estilos preferenciais e os motivos são factores de personalidade com potencial explicativo. Segundo esses autores, os actores mais motivados para o poder tendem a ser competitivos, os afiliativos tendem para a acomodação e os mais dirigidos para o sucesso tendem para a colaboração.

Assim, é importante compreender como os padrões de motivos se unem com os padrões de preferências pelos estilos (Rego, 1995; e Rego & Jesuino, 2002; citado por Cunha et

80 - Os ‘retraídos’ possuem preferência pelo estilo evitamento, com baixa tendência para os outros estilos, tendendo a ignorar o conflito, em vez de o enfrentar.

- Os ‘afiliativos’ são motivados para a afiliação e tendem para o estilo acomodatício. - Os ‘orientados para o sucesso’ tendem a adoptar os estilos evitamento e competitivo. - Os ‘competitivos’ são motivados para o poder e não tendem a ser afiliativos, buscando activamente o estilo competitivo e raramente o estilo cooperativo.

- Os ‘negociadores’ são motivados para o sucesso e o poder, podendo ser afiliativos, com elevada tendência para o compromisso e a colaboração. Pode ainda ser flexível optando pela acomodação em alguns casos, como estratégia de gestão do conflito.

Tratando-se da presente investigação, as características de personalidades não foram exploradas exaustivamente, tendo em vista que seria necessário um estudo pormenorizado das características de cada actor entrevistado. Optou-se então por identificar a percepção destes actores em relação aos conflitos existentes na gestão do PNMFT, como também a postura dos mesmos no que diz respeito ao diálogo e a exclusão de alguma das partes na gestão da área protegida (ver capítulo 6).

3.5.1 O conflito como processo.

Cunha et al (2006) salienta que o conflito pode ser explicado como um processo e que possuem vários modelos, destacando-se os de Thomas (1992; 1997), De Dreu (1997) e de De Dreu et al (1999). Para explicar o processo do conflito o autor fez um paralelo destes modelos com os estágios do conflito proposto por Pondy (1967), a saber:

ƒ Os conflitos possuem antecedentes de várias naturezas, abrangendo aspectos individuais (valores, carácter, etc.), da relação (desconfiança mútua, conflitos não resolvidos, etc.) e da situação (interdependência das tarefas, instabilidade sectorial, etc.).

ƒ Através da identificação destes antecedentes, pode-se explicar a ocorrência de três tipos de conflitos: de recursos, intelectivo e avaliativos. Consequentemente, os adversários experimentam cognições, sentimentos e motivações, decorrendo intenções estratégias e acções.

ƒ Assim, as partes envolvidas no conflito podem adoptar várias estratégias de gestão.

81 ƒ Essas acções estratégicas de gestão do conflito podem originar resultados

benéficos: para ambas as partes envolvidas, apenas para uma, ou mesmo para nenhuma das partes. Além disso, podem gerar impasses, vitórias, derrotas, agressões, vinganças, satisfações, etc.

ƒ Como também, estes resultados podem gerar novos conflitos, novas experiências cognitivas, afectivas e motivacionais, gerando novas estratégias comportamentais.

Figura 3.2: O processo do conflito Antecedentes Aspectos da situação (e.g., escassez de recursos) Atributos de personalidade (e.g., fraca auto-

estima, baixa propensão p/a confiança) Relação entre as partes (e.g., fricções oriundas de conflitos anteriores Conflito: -De recursos - Intervalo - Avaliativo Experiência de conflito: -De recursos - Intervalo - Avaliativo Resultados (exs): -Solução integrativa - Perda-perda -Vitória de uma parte - Compromisso Comportamentos: - Evitamento - Dominação - Acomodação - Compromisso - Colaboração (postura integrativa) Acções de uma parte Reacções de uma parte Reacções da contraparte Acções da contraparte Estágios do conflito

Latente Percepcionado Sentido Manifesto Concretizado

1 2 3 4 8 6 7 9 5

Fonte: Pondy, 1967; Thomas, 1992; De Dreu, 1997; e De Dreu et al, 1999; citado por Cunha et al, 2006:529.

Assim, observa-se na figura 3.2 que os antecedentes estão na base de qualquer tipo de conflito. Segundo Davidson & Greenhalgh (1999; citado por Cunha et al, 2006), os conflitos provocam sentimentos, cognições e motivações entre as partes envolvidas. Os sentimentos podem reforçar o conflito vigente ou gerar novos conflitos. Estes sentimentos interferem directamente nas estratégias adoptadas pelas partes envolvidas e afectam os resultados do conflito reforçando ou mitigando aqueles sentimentos. Para além disso, os sentimentos dependem: do significado que a pessoa atribui aos

82 acontecimentos; do histórico do relacionamento estabelecido entre as partes; das tendências de personalidade; e das experiências de vida.

Para Baron (1997; citado por Cunha et al, 2006), as cognições dizem respeito a forma como cada parte concebe a outra, confere razões aos comportamentos, analisa o desenvolvimento do conflito, percebe soluções para as divergências, analisa os argumentos de ambas as partes, verifica o grau de justiça das acções, aceita a sequência das acções, vê o conflito como algo pontual e contínuo e analisa as vantagens e desvantagens de acções para contactos futuros, etc. Assim, as cognições e os sentimentos influenciam-se reciprocamente.

Cunha et al (2006) salienta que as cognições e os sentimentos estão estreitamente relacionados. Eles formam uma teia confusa de influências mútuas e acontecimentos simultâneos, que é difícil para o investigador identificar nexos de casualidade. Em relação aos sentimentos/emoções, Cloke e Goldsmith (2000; citado por Cunha et al, 2006) salientam que se deve aprender com eles, ao invés de tentar eliminá-los. Também defendem que os sentimentos fomentam a qualidade decisória, factor que ocorre quando os sentimentos ficam claros numa situação de conflito, possibilitando às partes entenderem-se mutuamente. Pois, quando os sentimentos são encobertos, podem aumentar o grau do conflito.

Já as motivações dizem respeito a forma como cada parte deseja distribuir os resultados. Assim, os adversários com motivações competitivas e individualistas buscam satisfazer seus desejos, independente dos interesses da contraparte. Já os que possuem motivações pro-sociais, buscam resultados equitativos e benéfico para ambas as partes envolvidas no conflito. As motivações estão ligadas parcialmente as características individuais, mas podem ser estimuladas ou amenizadas por aspectos da situação. Assim, as estratégias usadas pelos actores envolvidos num conflito estão reunidas nas cinco categorias já mencionadas, onde os resultados derivam das acções das partes, isoladamente ou decorrente de influência de terceiros (Cunha et al, 2006).

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3.5.2 O grau do conflito.

Segundo Rubin et al (1994; citado por Cunha et al, 2006) e Thomas (1992; citado por Cunha et al, 2006), quando a interacção entre as partes sofre modificações no nível ou na intensidade do conflito ocorre alteração no grau do mesmo. Assim, observa-se a modificação do grau do conflito quando do aumento: da quantidade de temas em disputa; no aumento da dimensão da divergência; no crescimento da adversidade; no recurso sucessivo a objectivos e exigências mais ambiciosas; no aumento do uso de estratégias coercivas; no enfraquecimento dos níveis de confiança mútua; nas posições rígidas; no predomínio da lógica da soma-zero; na incorporação de terceiras partes para tomarem partido; etc.

Segundo Cunha et al (2006) observa-se uma mudança no teor qualitativo do conflito, passando de divergência em assuntos substantivos para evidenciar temas de natureza pessoal, numa lógica de “sobrevivência”. A dinâmica da divergência estabelecida passa a ser mais rígida, onde os aspectos emocionais adquirem uma superioridade gradual (Tabela 3.3). São atribuídos mutuamente intenções negativas as partes, onde o adversário é culpabilizado, transformando-se moralmente incorrecto, desumano e diabólico. Nesta perspectiva, infligir perdas ao inimigo e derrotá-lo é mais importante do que eliminar ou minimizar o conflito.

Tabela 3.3: Os níveis do grau do conflito.

FASES ESTÁDIOS ORIENTAÇÃO

PREDOMINANTE Racionalidade e controlo

As partes têm consciência das tensões, mas tentam saná-las de modo racional e controlado. Ainda adoptam algum comportamento cooperativo.

1. As partes tentam cooperar. Mas alguma confrontação descamba em tensões e fricções. 2. Enceta-se um processo de polarização. O debate

assume natureza mais competitiva, e as posições das partes distanciam-se.

3. A interacção decorre mediante actos e documentos, e não palavras.

Assuntos substantivos

Rompimento da relação

A relação entre as partes passa a ser a principal fonte da tensão. A desconfiança, desrespeito e hostilidade pessoais tomam lugar. Cada parte já não descortina modos de resolver o problema conjuntamente, encarando a outra como mero empecilho.

4. As partes preocupam-se com a reputação e procuram coligar-se com terceiros (fitando aquisição de poder, i.e., ‘munições’).

5. Cada parte receia a ‘perda da sua face’, mas tenta provocá-la no adversário. Ultrajes morais tomam lugar.

6. As estratégias ameaçadoras adquirem proeminência.

Focalização em aspectos de teor pessoal

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Agressão e destruição

Predominam os desejos de destruição mútua. Cada parte encara a outra como desprovida de dignidade e credibilidade. Qualquer proposta de resolução positiva é negativamente encarada. As partes adoptam estratégias irracionais, que podem colocar em risco a própria sobrevivência.

7. Cada parte leva a cabo campanhas destrutivas sistemáticas, fitando retorquir ou antecipar o potencial sancionatório da contraparte.

8. Ataques ao centro nervoso do inimigo. 9. Destruição total.

Destruição,

sobrevivência ao combate.

Fonte: Thomas, 1992; citado por Cunha et al, 2006:535.

Cunha et al (2006) salienta que a alteração do grau do conflito pode ultrapassar os limites precisos das partes e passar a ser uma discussão entre dois colectivos. Ou seja, duas organizações juntam-se para ficarem mais fortes e derrotar o inimigo. Neste caso os níveis de coesão intra-grupal sofrem aumentos e as diferenças de pensamento de cada grupo passam a ser um processo censório. Esse processo em grupo leva os indivíduos a adoptarem procedimentos que individualmente não aceitariam. Nesse cenário, cada grupo desenvolve conceitos de superioridade moral sobre o adversário, podendo levar ao desgaste das relações pessoais.

O autor ainda acentua que, neste tipo de apoio, os líderes de cada grupo ganham força adicional para manterem-se na discussão, podendo actuar de modo a reforçar o confronto, fortalecendo o grau do conflito e a disputa entre as partes. Nesse clima apenas há lugar para “nós” e “eles”, não possibilitando a existências de posições neutras, e onde a espiral só acaba quando uma das partes ganha, uma delas cede, ou ambas são derrotadas pelas consequências nocivas do próprio conflito (Cunha et al, 2006).