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Gestão de conflitos em áreas naturais protegidas brasileiras

CAPÍTULO 3 – CONFLITO

3.7 Gestão de conflitos em áreas naturais protegidas brasileiras

Segundo Medeiros et al (2004) proteger a natureza tem se instituído como grande desafio das sociedades humanas desde muitos anos e se acentua até hoje, sendo considerada uma rede complexa de motivações e contradições de difícil solução e de abordagens antagónicas: “a natureza a serviço do homem ou o homem subordinado a ela?” Assim, é importante observar de que forma a evolução e o debate político incorporam ou superam esse antagonismo e como o traduzem na prática gerando conflitos.

Possuindo uma grande biodiversidade biológica, o Brasil é considerado um país estratégico para o desenvolvimento da Convenção da Diversidade Biológica. Todavia, o processo de elaboração e definição de uma política ambiental é recente, tendo o país passado por diferentes formas de administração política que influenciou directamente as estratégias de apropriação e gestão dos seus recursos renováveis (Medeiros et al, 2004). Através do Código Florestal de 1934, iniciou-se a criação de áreas protegidas no Brasil, seguindo a lógica da categorização em função dos objectivos e finalidades da área. Os instrumentos legais de protecção seguiram a tendência de criação de diversas tipologias distintas de áreas ocasionando um sistema de criação de áreas protegidas complexo e desarticulado, trazendo consequências nocivas para a gestão destes espaços. Na tentava de reverter esse cenário através da criação e gestão integrada destas áreas, foi instituído

89 em 2000 o SNUC, estabelecendo categorias e formas distintas de gestão (para uma análise expandida ver capítulo 1) (Medeiros et al, 2004).

Neste contexto os Parques brasileiros foram criados como consequência de pressões internacionais, baseado no modelo norte-americano “preservacionista” de protecção do “wilderness”. Todavia, o modelo de criação e gestão das áreas protegidas brasileiras não foi uma cópia autêntica deste modelo devido a factores como: a lógica da conservação e uso destas áreas; a participação civil; a lógica da conservação como instrumento geopolítico; e as diversidades locais encontradas (singularidades do país). Assim, o maior desafio em relação às políticas públicas actualmente, é a configuração participativa e democrática da Política Nacional de Áreas Protegidas (Medeiros et al, 2004).

O histórico da protecção ambiental no Brasil reflecte assim uma dinâmica de avanços e recuos, de perdas e ganhos. Mesmo com toda a evolução constituída no plano institucional, legal e de políticas públicas, resultando no aumento de áreas protegidas no país, os condicionantes históricos e as indefinições impedem o efectivo funcionamento destas áreas e interferem directamente nas tendências futuras de gestão. Dentre estas dificuldades destaca-se as limitações financeiras e de recursos humanos, como também os problemas relacionados à integração da dimensão local e global (Medeiros et al, 2004).

A questão das limitações financeiras e de recursos humanos é um problema crónico que impõe profundas restrições ao funcionamento das áreas protegidas, onde muitas funcionam apenas “no papel”. A inexistência de uma estratégia clara de integração da área protegida à dinâmica local e as questões globais (acordos internacionais) gera grandes conflitos, reflectindo a forma autoritária e não participativa da criação das áreas protegidas no país (Medeiros et al, 2004).

Grande parte destes conflitos ocorre em função da discordância de políticas públicas resultando nas formas de usos do mesmo espaço geográfico e apropriação da terra para distintas formas de usos, não condizendo com o estatuto de protecção da área (pesca, caça, cultivo, turismo, assentamentos indígenas, exploração mineral, construção de estradas, etc.). Além destes conflitos, o uso e acesso à biodiversidade e sua exploração

90 através da biotecnologia têm gerado novas formas de conflitos e disputas, alargando a valorização das áreas protegidas, seja pelo preço da terra, pelo valor dos recursos renováveis existentes ou pelo património, em saber acumulado das populações tradicionais que residem nestas áreas (Medeiros et al, 2004).

Segundo Bredariol (1997:42):

“a estrutura de poder local, como toda estrutura de governo no Brasil, é ainda autoritária, e o conflito pode ser um instrumento de democratização (...). O nível de organização da sociedade é ainda baixo para que se estabeleça um debate mais amplo sobre o desenvolvimento da cidade e se assegure a participação dos diferentes setores sociais nesse processo. As forças de mercado também são avessas a qualquer tipo de conflito e não sabem lidar com eles. Preferem dar a volta, corromper, investir em áreas mais calmas, impor. Políticos mesmo de alguns partidos ditos de esquerda, também são avessos à negociação direta com as forças sociais, negam sua representatividade, fecham os espaços, negam tempos, evitam presença. Não há uma tradição de debate sobre investimentos públicos, muito menos sobre orçamento participativo. A participação nas mobilizações e decisões de um conflito é um espaço de organização da sociedade, de amadurecimento e democratização”.

Para Pedrini e Pinho (2006), a opressão governamental se legitima como “poder” democraticamente estabelecido e com autoridade para fazer o que bem entende em nome da sociedade, mesmo oprimindo a comunidade local onde as áreas protegidas são estabelecidas. Esse poder cria um novo ente social: as “eco vítimas”.

Porém, mesmo gerando grandes conflitos, eles vêm contribuindo também para a instituição de uma “agenda positiva” de protecção da natureza no Brasil originando resultados significativos como: incremento do processo participativo na criação e gestão das áreas protegidas; definição de novas categorias e formas de gestão mais flexíveis e inovadoras; articulação de políticas públicas; etc. (Medeiros et al, 2004).

Também é necessário enfatizar que a protecção da natureza no Brasil não pode seguir modelos ou sistemas “importados” ou “pré-fabricados”, tendo em vista as mudanças ocorridas com o tempo e principalmente a dimensão cultural do país com suas características locais. O Sistema Nacional de Áreas Protegidas brasileiro tem que ter acções integradas e sinérgicas, mas sobretudo fortalecer os canais de diálogo entre os

91 diferentes actores locais e sectores nacionais e internacionais, fortalecendo modos de acções pautados na democracia e equidade política e social (Medeiros et al, 2004).