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CAPÍTULO 2 – REDES

2.2 Redes

2.2.4 Redes e governabilidade democrática

Segundo Nallino (2003) a governabilidade democrática é a menos hierárquica e mais cooperativa. Para Mayntz (2001), a governabilidade democrática é definida como “governança moderna”, onde se busca resolver os problemas colectivos e proporcionar o bem-estar público através da participação e cooperação das instituições estatais e não estatais, dos actores públicos e privados, na aplicação de políticas públicas. Para desenvolver a “governança moderna” é necessário que o poder seja disperso por toda a sociedade, mas não de forma fragmentada ou ineficaz. Recai então a co- responsabilidade do Estado e da sociedade civil organizada.

55 Mesmo o Estado não tendo a capacidade de promover o bem-estar social, a governação democrática não se trata da retirada deste, mas sim em delegar a terceiros a função de satisfazer os interesses públicos. Trata-se na verdade de uma actuação distinta do Estado em assumir a função de coordenador estratégico das relações entre os actores (público e privado), estabelecendo com a sua presença a mediação e o equilíbrio dos interesses particulares do sector privado e dos interesses colectivos do sector público (Nallino, 2003).

Assim, a execução da governação democrática pode ocorrer através de redes formadas por actores do sector público e privado. Contudo, vale a pena ressalvar que a rede é um “produto intencional” onde os actores estabelecem relações, podendo ser questionadas a existência de restrições relacionados ao “carácter democrático da rede”. Neste caso, é de grande importância analisar os critérios de incorporação, de acessibilidade e de orientação relacionados às definições e políticas da rede, existindo aí dois riscos a considerar: o primeiro diz respeito a terciarização dos custos para terceiros, excluídos da rede através da aplicação de restrições de acesso; o segundo risco está relacionado com as acções de interesses particulares, em detrimento dos interesses colectivos (Nallino, 2003).

Para além disso, as articulações estabelecidas entre os actores do sector público e do sector privado não substituem os mecanismos institucionais de articulação e representação democrática, na verdade, eles se complementam (Nallino, 2003). Nesta perspectiva, o Estado e a sociedade civil organizada são conectados numa rede, onde a interacção entre eles gera um consenso negociado, facilitando a formação de uma política de observância, ao invés de resistências, quando da execução. Assim, a governação democrática não implica perda de controlo estatal, mas sim uma mudança em sua forma, onde o Estado, dentro da rede, possui um papel privilegiado decorrente dos seus meios de intervenção (Mayntz, 2001).

Espera-se das redes a geração das condições necessárias para a tomada de decisões de maneira participativa, procurando diminuir os custos que geram os conflitos e a possibilidade de possíveis fracassos das políticas públicas. Para Lechner (1997), para além de facilitar a articulação dos diferentes actores, muitas vezes antagónicos, e seus

56 respectivos recursos estratégicos, a rede viabiliza a execução efectiva das decisões tomadas de forma participativa. Com isso, Nallino (2003) salienta que, dadas as debilidades das capacidades do Estado de regulação, a co-responsabilidade da execução das medidas acordadas é de grande relevância.

2.2.4.1 Dimensão institucional e estratégica das redes.

A dimensão institucional é formada pelo conjunto de regras formais que regulamentam a constituição de uma rede, possuindo a capacidade de estimular ou dificultar as relações horizontais cooperativas entre os actores do sector público e privado, através de normas. Estas normas são actos voluntários conduzidos à vontade de outros homens, mesmo que estes actuem colectivamente como organização. Assim, a adequação da acção à norma é uma possibilidade, ao invés de uma necessidade, possuindo interferência directa do sistema de incentivos que as normas implantam. Já a dimensão estratégica determina as condições que estimulam ou dificultam as acções colectivas dos actores nas relações inter-organizacionais, ao nível da rede (Nallino, 2003).

Procurando determinar a orientação à acção destes actores, Parmigiani de Barbará (2002) faz a distinção de dois níveis: o cognitivo e o motivacional. O nível cognitivo está relacionado com a ponderação do contexto da acção, assim como de uma situação concreta. Ou seja, é a percepção de uma estrutura causal (relação meios fins) sobre a disponibilidade de alternativas e dos resultados previsíveis. Já o nível motivacional refere-se aquilo que estimula a actuar, dando sentido a acção, de forma simultânea, proporcionando os pontos de vista para escolher as diversas opções de acção.

Numa pesquisa realizada por Nallino (2003) para identificar a articulação entre o sector público e o sector privado de duas agências, como também a análise do processo de definição e implementação democrática de políticas destas agências através da orientação à acção dos actores que integram a rede, observou-se que, quando há uma diversidade complexa de actores, cada um com suas perspectivas, preferências, interesses e valores, é fácil haver uma tensão, como também uma baixa coesão da rede. Segundo Parmigiani de Barbará (2002), essa baixa coesão da rede ocorre pois é difícil que, em redes complexas, interdependentes, formadas por actores de diversos sectores

57 (público, privado, sociedade civil, etc.), ao enfrentar um problema comum, estes actores coincidam no diagnóstico da situação, entrando num consenso. O que se observa é que as opções de acções de cada actor, como as expectativas sobre os efeitos destas acções fazem com que a escolha seja divergente, não havendo coesão.

Ainda segundo a pesquisa desenvolvida por Nallino (2003), a articulação dos actores em rede estudada foi dividida em duas dimensões simultaneamente: privados/privados e públicos/privados. A autora afirma que a dimensão privados/privados é composta por actores com interesses, potencial ou efectivo, conflituosos. Podendo existir diferenças inter-sectorial ou intra-sectorial. Contudo, não é a relação entre privados/privados o grande empecilho para a concretização de uma rede composta por actores do sector público e privado. A relação públicos/privados também fomenta grandes questões conflituantes entre os actores da rede, podendo ser considerada a grande dificuldade. Para uma melhor compreensão sobre essa articulação entre o sector público e o sector privado na rede a autora utilizou as seguintes categorias de análise (Nallino, 2003): - A coincidência de perspectivas entre os actores do sector público e do privado em relação aos problemas e obstáculos ligados ao desenvolvimento local e a criação da rede como estratégia para promover o desenvolvimento local;

- A percepção dos actores do sector privado sobre quais são os interesses que fomentam a criação da rede;

- A percepção do sector privado sobre quais são as principais dificuldades que a localidade enfrenta quando são implementadas actividades voltadas ao desenvolvimento económico e social;

- A existência de relações e os tipos de modalidades; - O impacto que a rede possui para a organização;

- A adesão ao modelo desenvolvido pela rede e a disposição em apoia-lo.

Dessa forma, é fundamental conhecer os mecanismos e as condições que viabilizam a articulação democrática entre o Estado e a sociedade, baseada nos objectivos da governabilidade democrática. Para isso descrever uma rede é descrever o tipo de relações que nela se promovem e o tipo de relações que efectivamente ocorrem, analisando a sua dimensão institucional formalmente definida e a sua dimensão

58 estratégica. Só assim é que se pode identificar se uma agência (ou um Conselho, por exemplo), enquanto uma rede formada por actores de diversos sectores, significa um aumento da interacção entre esses sectores e se esse tipo de relação contribui para a horizontalidade do processo de formulação e implementação de políticas públicas. Neste caso a dimensão cognitiva e motivacional tem que operar a favor da coesão da rede, onde os actores mantenham relações frequentes, informais/formais, horizontais, voluntárias, cooperativas a médio e longo prazo (Nallino, 2003).

Todavia, Nallino (2003) enfatiza que toda a análise sobre as redes de actores realizada na referida pesquisa foi realizada no âmbito do interior das redes, sendo também interessante fazer uma análise do seu exterior para uma abordagem completa da participação democrática.