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INTERGENERICITY AS A REFLECTION OF GENRE PLASTICITY: PROPOSAL FOR ANALYSIS OF A CHARGE

CONFIGURAÇÕES HÍBRIDAS DE GÊNEROS: UM EXEMPLO DE

ANÁLISE DE CHARGE

O estudo dos gêneros (textuais ou discursivos) inevitavelmente nos leva a pensar em exemplos do nosso dia a dia, visto ser a própria linguagem em funcionamento, articulada às atividades culturais e sociais. Conforme pudemos notar, os gêneros podem ser reconhecidos por partilharem características sociocomunicativas comuns - construção composicional, estilo, composição temática e propriedades funcionais - visto que tais elementos formam a sua estrutura básica específica, que auxilia em sua caracterização. No entanto, longe de fazer com que se tornem estruturas rígidas, tais características tendem a auxiliar nossa interação discursiva de modo que tais traços criam uma identidade que nos condiciona

nem aleatórias, seja sob o ponto de vista do léxico, grau de formalidade ou natureza dos temas. (MARCUSCHI, 2008, P. 156).

Retomando as postulações bakhtinianas, Marcuschi (2008, p. 159) salienta o papel preponderante do propósito do gênero e, consequentemente, da esfera de circulação, isto é, ainda que exista uma forma que pode ser reveladora para a identificação do gênero, ele será determinado basicamente por sua função e não por sua forma. De acordo com o autor, “[a]s distinções entre um gênero e outro não são predominantemente linguísticas e sim funcionais.”.

Dito isso, abaixo trazemos um exemplo de charge seguido de uma proposta de análise dos aspectos constitutivos e sociocognitivo deste gênero do discursivo que foi publicado em 20 de abril de 2001 no jornal Folha de São Paulo. É interessante reparar como o sentido se constrói, em especial, pela construção híbrida que foi utilizada.

Figura 2: Charge “A flora brasiliense”. Fonte: Angeli (2001 apud Koch, Bentes e Cavalcante, 2012, p 67).

Nesse exemplo, o locutor (chargista Angeli) se utiliza tanto da linguagem não verbal, quanto da verbal. A seguir, explicamos melhor cada uma delas.

Quanto à linguagem não verbal, em primeiro plano, ao centro da imagem, vemos uma árvore, cujo caule é formado por vários políticos (chegamos à conclusão de que são

Função do gênero A

publicidade

Forma do gênero A Forma do gênero B

bula de remédio Função do gênero B publicidade no formato de uma bula de remédio

contextuais da charge + esquema cognitivo de um político: terno preto e mala) e as folhas (copa da árvore) representadas por notas de dinheiro; em segundo plano, da esquerda para a direita vemos o Congresso Nacional, a Catedral de Brasília, a Esplanada dos Ministérios e o Palácio do Planalto. Informações visuais que intentam que o interlocutor identifique o lugar representado (local onde está o poder político federal brasileiro) e de quem se fala: políticos brasileiros.

Em relação à linguagem verbal, por meio de conhecimentos prévios, o leitor desta charge poderá identificar que o texto escrito está sob a forma de verbete de enciclopédia, imitando seu domínio discursivo (científico) e se apropriando do estilo verbal deste gênero (termos com impressão de neutralidade e objetividade, próprios da ciência). Contudo, por estas características estarem deslocadas (dentro de uma charge), verifica-se a mudança da função do texto científico que, em vez de informar objetivamente, tal como em textos de enciclopédias, tem como finalidade criticar a corrupção no Brasil, o que nos leva a identificar que o tema da charge é a corrupção dos políticos brasileiros. Percebemos que existe a necessidade de o interlocutor conhecer as características presentes em verbetes de enciclopédia (sobretudo seu estilo verbal) que tratam da nomenclatura botânica (nomes científicos das plantas) para fazer relação com a construção do enunciado. Aliás, destacamos que essa mescla entre gêneros, não pretende ser apenas um acessório. A hibridização que atestamos torna-se um verdadeiro traço constitutivo, atuando diretamente na construção de sentido do enunciado.

Como características recorrentes deste gênero (charge) temos o uso de um único quadrinho, a abordagem de assunto da atualidade e o uso de imagens. Neste caso, também há o uso de linguagem verbal.

Atentamos para o fato de a mobilização do contexto sociocognitivo ser essencial para que a finalidade do gênero seja atingida. Assim, o interlocutor, além de ser um leitor interessado em ler a charge, também deve estar a par da situação política do Brasil. Além disso

contexto sociocognitivo é fundamental para que identifiquemos o caráter irônico, crítico e de humor dessa configuração híbrida.

Recuperando o diagrama elaborado por Marcuschi (2008) a charge acima, que foi construída no formato de um verbete de enciclopédia, pode ser representada da seguinte maneira:

Figura 3: Diagrama – charge no formato de um verbete de enciclopédia. Fonte: Adaptado de Marcuschi (2008).

Considerações Finais

Vimos inicialmente, segundo a teoria bakhtiniana, que o emprego da língua se dá sempre na forma de enunciados que, por sua vez, se constituem pela minha voz (meu enunciado) tendo em vista outras vozes (outros enunciados). Por conseguinte, o enunciado, como um elo na cadeia de outros enunciados, nunca se encontra isolado: vincula-se a elos precedentes, assumindo uma compreensão responsiva em relação a eles; e a elos subsequentes, esperando deles uma resposta, isto é, uma ativa compreensão responsiva. Em outras palavras, o enunciado não só responde outros enunciados prévios, mas também se constrói em prol de uma resposta. Eis o princípio do dialogismo: uma relação de sentido intrínseca à linguagem que acontece entre enunciados, tendo como orientação o todo da interação verbal.

Em seguida, exploramos o conceito de gêneros discursivos, entendido por Bakhtin (2016), e posteriormente pela LT, como prática comunicativa sócio-histórica. Para o filósofo russo, os gêneros são formados por enunciados reunidos por tipos que exibem certa

Função do gênero A

charge

Forma do gênero A Forma do gênero B

verbete de enciclopédia Função do gênero B Charge no formato de um verbete de enciclopédia

finalidades e condições específicas de cada campo de atividade discursiva, representando o projeto de dizer do autor por meio de três elementos: conteúdo temático, estilo e construção composicional. Dito de outra forma, apesar de apresentarem diferenças no seu volume, conteúdo e construção composicional, os enunciados, enquanto unidades da comunicação discursiva, evidenciam peculiaridades comuns em sua estrutura.

Porém, ainda que os gêneros sejam práticas discursivas socialmente estabilizadas, seus traços preditivos não criam para eles uma identificação determinista; na verdade, apenas indicam certas condições de suas realizações. Assim, acompanhando o desenvolvimento das esferas de interação verbal, o repertório de gêneros tende também a crescer e a se tornar mais complexo. Nesse sentido, como já identificava Bakhtin (2016), fica evidente que os gêneros não são entidades estanques: por sua capacidade plástica, a cada nova necessidade comunicativa singular no meio social, podemos não só mesclar gêneros já existentes, mas também criar novos gêneros.

Desse modo, propomos, por intermédio da LT, abordar alguns dos fenômenos que demonstram tal dinamicidade. Sendo assim, escolhemos, primeiramente, nos ater aos estudos de Koch, Bentes e Cavalcante (2012) que intitulam como intertextualidade intergenérica as relações intertextuais entre os exemplares de cada gênero, atinente à forma composicional, ao conteúdo temático e ao estilo, fazendo com que elas nos orientem a reconhecê-los e utilizá-los adequadamente em práticas sociais. Entretanto, partindo dessa premissa, as três linguistas postulam que muitas vezes ocorre de, no lugar costumeiro de determinada prática social, o falante empregar, conscientemente, gênero(s) próprio(s) a outras molduras comunicativas, com o intuito de causar efeitos de sentido específicos. Marcuschi (2003, 2008) é, então, um autor que desenvolve de forma satisfatória essa manipulação, dando-lhe o nome de intergenericidade: uma combinação de traços estruturais de um determinado gênero textual, relacionado à função de outro gênero. Por sua

híbrida se nutrem dessas novas demandas exigidas pelas relações comunicativas e mesmo da própria criatividade humana.

Assim, após as explanações teóricas e aplicação dessas postulações em uma situação concreta, representada pela proposta de análise de uma charge, pudemos constatar que os gêneros são entidades comunicativas altamente maleáveis. Em decorrência, seu estudo não deve centrar-se na forma e sim nos “aspectos relativos a funções, propósitos, ações e conteúdos.” (MARCUSCHI, 2008, P. 159). Isso não significa desmerecer a capacidade de organização desempenhada pelas formas composicionais dos gêneros, mas atentar para o fato de que a designação de muitos gêneros (como a charge que analisamos) se realiza basicamente por seus propósitos (funções, intenções, interesses) e não por suas formas.

Subjacente a essas discussões também está a preocupação de mostrar que é imperativo o estudo da natureza dos enunciados e dos gêneros discursivos, em razão de considerarmos que o domínio do uso dos gêneros possibilita uma visão ampla das alternativas de uso da linguagem, bem como possibilita ao falante uma interação discursiva eficiente nas diversas atividades comunicacionais em que estamos inseridos a todo instante.

REFERÊNCIAS

[1] BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra; notas da edição russa de Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016 (1ª edição). 176 p.

[2] KOCH, Ingedore G. Villaça; BENTES, Anna Christina; CAVALCANTE, Mônica Magalhães. Intertextualidade: diálogos possíveis. 3 ed. São Paulo: Ed. Cortez, 2012.

[3] MARCUSCHI, L. A.. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: Dionísio, Ângela Paiva; Machado, Anna Rachel; Bezerra, Maria Auxiliadora. (Org.). Gêneros

Lucerna, 2003.

[4] MARCUSCHI, Luís Antônio. Produção Textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. 296 p. (Série educação linguística; 2).

[5] BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. Tradução Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. (Coleção ensino superior). [6] VOLÓCHINOV, Valentin. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. (1ª edição). 376 p.

[7] FARACO, Carlos Alberto. Linguagem & diálogo: as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. 168 p.

[8] BAKHTIN, Mikhail. O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária. In: Questões de literatura e de estética: A teoria do romance. Trad. Aurora Fornoni Bernardini et al. 4. ed. São Paulo: Unesp/ Hucitec, 1998. p. 13-70.

[9] GRILLO, S. V. C. Épistémologie et genres du discours dans le cercle de Bakhtine. Linx, Nanterre, v. 56, p. 19-38, 2007.

[10] MEDVIÉDEV, Pável Nikoláievitch. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2012. 269 p.

[11] BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato. Texto completo da edição americana: Toward a Philosophy of the Act. Austin:

Carlos Alberto Faraco e Cristovão Tezza. [12] SOBRAL, Adair. Gêneros discursivos, posição enunciativa e dilemas da transposição didática: novas reflexões. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 46, n. 1, p. 37-45, jan./mar. 2011.

[13] KOCH, Ingedore G. Villaça. Parâmetros curriculares nacionais, linguística textual e ensino de línguas. Revista GELNE, Fortaleza, v. 4, n.1, p. 1-12, 23 fev. 2016. Disponível em: <https://periodicos.ufrn.br/gelne/article/view/ 9110/6464> Acesso em 22 de out. 2018.

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