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CONFLITOS DE INTERESSES

No documento Direito dos Acionistas Minoritários (páginas 115-118)

PRIMEIRA PARTE – SOCIEDADE POR AÇÕES

3 PODER NA SOCIEDADE POR AÇÕES

3.5 CONFLITOS DE INTERESSES

Os conflitos de interesses entre os diferentes personagens da sociedade – acionistas, fornecedores, consumidores, credores, trabalhadores e comunidade – são fenômenos intrínsecos e inerentes, às relações societárias pela natureza humana. Economistas (POSSEC apud STRATHERN, 2002; HIELBRONER, 1996) explicam, inclusive, que, nos parâmetros da teoria das preferências, todos os atos humanos visam a maximização da satisfação – mesmo que sob certos condicionamentos – o que explicaria, em parte, o conflito nas interações humanas.

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Diferencia o conflito de interesses em suas diversas expressões – como problema e regra – Salomão Filho (2006, p. 91) ao afirmar que “o problema do conflito de interesses nem sempre é resolvido através de uma regra de conflito”. Ilustra excerto desse mesmo autor que a regra do conflito poderia ser definida como:

[...] regra organizadora da sociedade naqueles sistemas de realidade econômica/societária mais concentrada em que é jurídica e politicamente inviável introduzir soluções organizativas ou naqueles sistemas fortemente contratuais que reduzem o interesse da sociedade ao interesse do grupo de sócios.

A regra do conflito, como método subsidiário, envolve menos mudanças estruturais e maior ênfase na proibição de comportamentos conflitivos pela imputação de responsabilidades, como no texto legal (LSA, art. 156 ao versar sobre conflito de interesses de administradores e o art. 116 ao listar deveres genéricos do controlador).

Dessa forma, estas regras visam controlar o comportamento de administradores e acionistas em duas hipóteses, como prefere Salomão Filho (2006, p. 96-97): a) no conflito formal ou potencial, quando não há lesão a interesse social e consequentemente aplicável apenas aos gestores; e, b) conflito atual ou substancial que se reduz a um critério de culpa in

abstrato e pode ser aplicado de maneira uniforme a todos os sócios e administradores (nos

casos previstos na LSA, art. 156 §1o).

A regra de conflito não é a única e nem mesmo a forma preferencial de resolução. As formas alternativas, como a experiência prática demonstra, são as mais utilizadas e só são preteridas quando jurídica ou politicamente inviáveis.

Salomão Filho (2006, p. 91) indica, dentre as “formas alternativas”, as soluções orgânicas ou estruturais, como as mais eficazes. Por solução orgânica ou estrutural, define-se a tentativa de resolver nos órgãos societários o problema de conflito – seja através da incorporação de interessados de cada uma das partes nos órgãos ou mesmo pela intervenção de órgãos independentes – reduzindo a aplicação da regra do conflito.

As soluções organizativas são as mais avançadas ferramentas de solução de conflitos – reconhecidas como práticas desejáveis de governança corporativa. Estas soluções têm duas justificativas que permitem entender seu significado e extensão, quais sejam: a) o fundamento econômico, na teoria da empresa de Coase; e, b) a fundamentação jurídica, na visão organizativa da sociedade.

No campo econômico, as soluções organizativas podem ser encontradas na própria concepção de empresa. Na definição dominante de Ronald Coase (1990; 1993; 1995) a principal função da empresa (firm) é eliminar as incertezas e conflitos que provêm das relações de mercado.

Nessa definição, o postulado de que o sistema econômico é coordenado pelo mecanismo de preços revela-se apenas numa descrição parcial – e usualmente insuficiente – dos fundamentos da organização econômica. O fator a que se refere como fundamental para a organização do sistema econômico é a empresa.

De fato, ao negar um postulado da econometria e identificar na empresa o elemento primaz para o entendimento do mercado – e a organização da economia – Coase não tenta elaborar uma nova teoria econômica da empresa, mas, sim, mudar os paradigmas no estudo dos fundamentos da organização econômica.

Dentro dessa concepção, a empresa surge como forma de fornecer soluções organizativas aos conflitos dos agentes econômicos presentes no mercado. Nessa teoria, a empresa reduziria custos de transação na medida que reduz conflitos, como no teorema da internalização das externalidades.

Dessa forma, as grandes contribuições deste autor (COASE, 1990; 1993; 1995) no contexto discussão são: a) o entendimento da empresa como núcleo de resolução de conflitos; e, b) a sensibilização para que estes conflitos tenham resoluções internas – exigindo novas concepções jurídicas idôneas a buscar soluções organizativas.

A falha apontada por Salomão Filho (2006, p. 92) ao trabalho de Ronald Coase (1990; 1993) é exatamente o corte epistemológico do trabalho, pela limitação de buscar as soluções apenas entre os agentes produtivos (produtores, fornecedores e distribuidores). Mas é exatamente a integração de interesses (com a resolução de conflitos) e não sua forma (criação de uma organização) que atribuem à teoria de Coase a importância na visão jurídica de empresa.

A teoria societária institucional, discutida anteriormente em seus fundamentos, também busca na sociedade a resolução de conflitos, embora não seja pelas motivações contábeis e com as fundamentações neo-clássicas de Coase.

Como discutido no Capítulo I, a moderna teoria da empresa – surgida na transformação do institucionalismo publicista para o integracionista – este objeto de direito (representado pela organização dos fatores de produção) deixa de ser uma expressão exclusiva do poder do controlador para transformar-se em um núcleo de resolução e integração de conflitos entre fatores que podem cooperar.

Considerando a eliminação ou redução de custos de transação e, consequentemente, a elevação da competitividade e da eficiência como função básica da empresa, as relações com consumidores, trabalhadores e acionistas minoritários, por exemplo, deveriam ter soluções preventivas em âmbito interno – como a participação paritária do caso germânico.

Sobre a questão dos minoritários e a incapacidade institucional de tutelar seus interesses, Salomão Filho (2006, p. 93) expressa realismo ao considerar que neste caso uma intervenção organizativa seria “mais que bem vinda”.

No documento Direito dos Acionistas Minoritários (páginas 115-118)