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A Teoria Contratualista

No documento Direito dos Acionistas Minoritários (páginas 77-80)

PRIMEIRA PARTE – SOCIEDADE POR AÇÕES

2 SOCIEDADE POR AÇÕES E A TUTELA DO ACIONISTA

2.3 TEORIAS DA ORGANIZAÇÃO INTERNA DA SOCIEDADE POR AÇÕES

2.3.1 A Teoria Contratualista

Dentre as diversas expressões, clássicas e modernas, rotuladas como contratualistas têm seu conteúdo comum e sua justificativa sintetizada na obra de Calixto Filho (2006, p. 26), a saber:

Interessa estudar a concepção doutrinária contrária do interesse geral, ou seja, aquela que sustenta ser ele coincidente com o interesse do grupo de sócios e suas implicações com relação à sociedade unipessoal.

Dessa forma, quando ocorre a negação de que o interesse social seja hierarquicamente superior ao interesse do sócio, segundo o critério descrito, poder-se-ia identificar contratualismo por contraposição ao institucionalismo. A grande diferença, segundo o mesmo critério, entre o contratualismo tradicional e o moderno, é que no primeiro caso consideram-se preponderantes os interesses dos sócios atuais e que no moderno os cruciais são os de todos os sócios atuais ou futuros, pela busca de valor das cotas ou ações.

A teoria contratualista prega que a sociedade empresária é um ente que surge em decorrência de um contrato e com a função de cumpri-lo. Este contrato pode ocorrer por meio de instrumento público ou privado, como um contrato social ou um estatuto, mas sempre formando um pacto diferenciado por formar uma nova pessoa jurídica, em regra. Ripert (1947, p. 101) ilustra afirmando que “A sociedade por ações, dizem êles, não é, apesar de tudo, se não um contrato” [sic.] e fundamenta a sua ocorrência no princípio da liberdade das convenções, pelo menos em sua gênese.

Como assevera Perin Júnior (2004), a sociedade, desde o Direito Romano, é identificada com a obrigação contratual, apesar de a sociedade por ações ser bem diferente da

societas romana, a tese contratualista encontra em cada época novas bases argumentativas

ainda mais particular considerando que a pessoa jurídica que a implementa é afetada por uma destinação obrigatoriamente empresarial.

Como teoria de grande influência no Direito Empresarial pátrio, essa doutrina defende que o Estatuto Social, como contrato constitutivo de sociedade por ações, seria contrato plurilateral de organização (PERIN JÚNIOR, 2004). Segundo esse entendimento, a sociedade por ações representaria uma empresa, no sentido de organização social, ocorrendo a institucionalização de uma pluralidade de interesses diferentes (dos produtores, fornecedores, investidores, empregados, consumidores...).

Desenvolvendo esta noção (LAUTENSCHLEGER JÚNIOR, 2005), os defensores da governança corporativa demonstram como o potere impreditoriale dependeria da legitimação dos interesses dos grupos na organização. Considerando, na prática, que nem todos os steackholders poderiam intervir diretamente neste poder de direção, embora diretamente envolvidos com suas conseqüências, a necessidade de sua tutela com base no ordenamento jurídico se impõe como necessidade socialmente sentida.

Buscando outro exemplo contratualista dentre os sistemas europeus, ilustra Perin Júnior (2004, p. 16) o caso da Itália, onde, segundo sua obra, “na medida em que nega que o interesse social seja hierarquicamente superior ao interesse dos sócios”. De fato este mesmo autor ressalva que, ao identificar os interesses do sócio como interesse social e tendendo a considerar na categoria dos sócios não apenas os atuais, mas também os futuros, a perspectiva italiana do interesse social ganha novamente preponderância reduzindo a diferença entre esta variação da teoria contratualista e a própria teoria institucionalista.

Há argumentos expostos por Amendolara (2003) que reforçam a posição contratualista contra a semelhança apontada por Perin Júnior (2004). Para os defensores do contratualismo seu âmago não seria o valor predominante, mas, sim, a concepção do contrato de sociedade, nesta lógica o contrato social é de execução continuada e o interesse social é o interesse do grupo de sócios – e, dessa forma, este “interesse social” poderia ser constantemente revisto e até desconsiderado por decisão dos sócios.

Considerando os dispositivos legais brasileiros sobre as sociedades, encontram-se todos os traços da doutrina contratualista tradicional tais como a pluralidade de pessoas concentradas em torno de um fim (e não de uma criação organizativa) e a mutualidade das obrigações entre os sócios – que se obrigam mutuamente e não com a sociedade.

Pode-se enumerar, cronologicamente, as definições vigentes de sociedade no Brasil, primeiramente, o Código Comercial que não trazia a definição expressa de sociedade – mas sempre a relacionava aos vocábulos “contrato”, como no artigo 300, e “sócios”, como no

artigo 302; em segundo, o Código Civil de 1916, no artigo 1363, definia indiretamente a sociedade ao asseverar que “Celebram contrato de sociedade as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comuns”; então, o Código Civil vigente, Lei 10406/2002, em seu artigo 981, definiu que “Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, os resultados”. Em todos os casos recepcionando os elementos da teoria contratualista, pelo menos na definição geral.

No caso específico da sociedade por ações, relembra Requião (2003) e ilustra Perin Junior (2004, p.19) que o sistema societário brasileiro é considerado dualista pendular entre o contratualismo e o institucionalismo, “levando a interessante demonstração de resultados, não totalmente coerentes, de que ambas as teorias podem conviver em um mesmo sistema positivo”. O fundamento destas alegações é a função institucionalista da LSA, Lei 6404/76, que introduziu no ordenamento jurídico brasileiro objetivos distintos, segundo a lição de Salomão Filho (2002a, p. 33-34):

O legislador tentou incentivar a grande empresa de suas maneiras distintas: primeiro, o auxílio à concentração empresarial. Faz-se referência, obviamente, ao capítulo sobre os grupos de empresas tanto de fato quanto de direito, que contém uma regulamentação bastante favorável às empresas conglomeradas, em prejuízo, muitas vezes, de uma proteção mais razoável do interesse de terceiros. Muitos foram os questionamentos a respeito da constitucionalidade de tais regras. Sustenta-se que referidas disposições, claramente incentivadoras da formação de grupos, implicam um auxilio indireto à dominação do mercado, sendo conseqüentemente contrárias às regras constitucionais que regulam a liberdade de concorrência.

Segundo o autor supra mencionado, a segunda forma de incentivo seria a capitalização dessas empresas por meio do mercado acionário – que gerou, como conseqüência, a necessidade, socialmente sentida, de criar regras que protegessem os investidores contra arbitrariedades dos sócios controladores, evitando desequilíbrios, barateando o financiamento e assegurando o investimento. Foram estas regras, especificamente, como no caso do artigo 116, parágrafo único da LSA – que estabelece deveres genéricos para o acionista controlador com relação aos demais acionistas da empresa, aos trabalhadores e à comunidade em que atua, que indicam elementos institucionalistas – ao declarar diretamente princípios que privilegiam o interesse social.

No documento Direito dos Acionistas Minoritários (páginas 77-80)