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CONTROLE DIFUSO DOS DIREITOS SOCIETÁRIOS

No documento Direito dos Acionistas Minoritários (páginas 118-123)

PRIMEIRA PARTE – SOCIEDADE POR AÇÕES

3 PODER NA SOCIEDADE POR AÇÕES

3.6 CONTROLE DIFUSO DOS DIREITOS SOCIETÁRIOS

Uma das soluções para a defesa de interesses societários que satisfaz parcialmente a demanda por maiores intervenções institucionais, como as demandadas por Salomão Filho (2006, p. 93), é o controle difuso dos interesses societários pelo Ministério Público.

Os conflitos sociais internos e os externos descritos anteriormente são considerados na atualidade como fontes idôneas a gerar, em diversos casos, interesses metaindividuais ou transindividuais societários, nas palavras de Márcio S. Guimarães (2005, p. 8) “atingindo interesses, algumas vezes, de pessoas indeterminadas e indetermináveis”.

Sintetizando a evolução histórica do tema, pode-se afirmar que, durante muito tempo, considerou-se que os interesses que transitavam as relações societárias empresariais eram de natureza estritamente individual e particular. Tanto assim que, durante muito tempo, acreditava-se na natureza meramente contratual e privada das sociedades.

Em seguida, após a superação da concepção do exclusivo privatista, passou-se a entender que as sociedades reuniam interesses das partes integrantes e o interesse da própria

sociedade, como na concepção institucionalista publicista com a preocupação com noções como “interesse público” e “função social”.

Na contemporaneidade, passou-se a admitir que a vida societária das grandes companhias abrange interesses da própria coletividade onde este ente atua, direta ou indiretamente, fundamentando a existência de um Direito Empresarial Público (SALOMÃO FILHO, 2002a, p. 15).

A tutela de interesses transindividuais decorre, em grande medida, das contribuições do economista Ronald Coase (1990) e do seu teorema da internalização das externalidades expresso como solução do problema do custo social, The Problem of Social

Cost. O problema do custo social é que as atividades de diversos agentes econômicos geram

conseqüências a terceiros (denominadas externalidades) permitindo uma série de intervenções mútuas aleatórias, nas quais algumas partes se beneficiam prejudicando outras de forma impune e fortuita, para otimizar este sistema elevando sua racionalidade e promovendo equilíbrio. Neste ambiente, Coase propõe um sistema de internalizações contábeis – que cada parte seja responsabilizada pelos seus efeitos a terceiros dentro de um sistema de livre negociação.

Modelos econômicos neoclássicos usualmente são criticados por considerarem modelos ideais e teóricos graças a pressupostos e presunções quanto a fatores como a racionalidade econômica, no caso do Teorema da Internalização, o problema da negociação também é construído sobre pressupostos econômicos idôneos a criar problemas a ser resolvidos pelo Direito na sua transposição para a realidade concreta: primeiro na quantificação do valor dos efeitos; e, em segundo, na forma de negociação quanto à legitimidade de representação das gerações futuras, de conjuntos de indivíduos indeterminados e indetermináveis. A resposta a estas questões é representada pelas doutrinas que tratam dos direitos transindividuais.

Márcio Souza Guimarães (2005, p. 6) defende que, nas sociedades anônimas, os interesses sociais muitas vezes assumem a característica de transindividuais societários, os quais são divididos em difusos societários, coletivos societários e individuais homogêneos societários79. Somando-se a este fato as destinações básicas do Ministério Público após a C.F./1988 (art. 129) no exercício do jus puniendi estatal e na tutela dos interesses sociais,

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Guimarães (2005, p. 132) caracteriza que: a) “interesses individuais homogêneos societários terão como titulares pessoas determináveis, cujo bem jurídico é divisível e ligados por uma origem comum”; b) “os interesses coletivos societários se apresentaram quando forem titulares grupo, categoria ou classe com interesse indivisível dentre seus integrantes e cujo liame que os une seja uma relação jurídica base”; e, c) “será interesse difuso societário aquele cujos titulares sejam pessoas indeterminadas e indetermináveis, indivisível e que os liames interpessoais decorram de situação fática comum”.

pode-se concluir que existem diversas hipóteses em que pode ocorrer controle difuso das sociedades anônimas pelo Ministério Público.

Definindo uma dogmática básica sobre as categorias de direitos em função do interesse, eles seriam: privados ou sociais80. Sistematizando os últimos em função da classificação proposta por Antonio Gidi81 (1995, p. 23) seu titular seria: “[...] uma comunidade, no caso de direitos difusos; uma coletividade, no caso de direito coletivos ou um conjunto de vítimas indivisivelmente considerado, no caso de direitos individuais homogêneos”.

Exemplificando na realidade societária, Márcio S. Guimarães (2005, p. 35; p. 50; p. 66) indica que em atividades que traduzem caráter social, o interesse envolvido seria transindividual e que este seria subdividido em: a) difuso – como na proteção objetiva do Sistema Financeiro Nacional aos investidores do mercado de capitais e a outros cidadãos indeterminados e indetermináveis que seriam prejudicados em um colapso financeiro (origem fática comum) – justificando a ação do MP nas hipóteses de intervenção e liquidação extrajudicial (Lei 6024/74 e DL 2321/87); b) coletivos societários – como nos casos de fechamento de capital quando apenas um grupo determinado, os acionistas orgânicos (assim entendido o número mínimo de 10%), tem legitimidade para oferecer resistência ao preço ofertado pela companhia pelas suas ações – neste caso a causa é comum, o beneficio indivisível, a tutela singular não é possível e os titulares identificáveis, o que para o autor justificaria a legitimação do MP; c) individuais homogêneos societários – como no caso da suspensão dos direitos políticos de certo grupo de acionistas ordinários por não terem comparecido à assembléia, considerando que a presença não é obrigatória – o autor justifica a tutela coletiva de interesses que podem ser protegidos individualmente pelo titular como forma de facilitar o acesso à justiça em suas palavras:

É evidente que cada acionista poderá tutelar seu direito violado (direito individual – divisível). Todavia, face às proporções advindas do ato perpetrado, alcançado estará o conceito da prevalência da dimensão coletiva sobre a individual e, assim, será possível a tutela dos direitos individuais lesados através de uma só demanda. (GUIMARÃES, 2005, p. 66).

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Como ressalta Humberto Dalla Bernardina de Pinho (2003, p. 07) Antonio Gidi propõe que o critério científico para identificar se determinado direito é difuso, coletivo, individual homogêneo ou individual puro não é a matéria, o tema ou mesmo o assunto abstratamente considerados, mas o direito subjetivo específico que foi violado. Afirma o autor que o C.D.C. se utiliza de três critérios básicos para definir e distinguir os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos: subjetivo (titulariedade do direito material), objetivo (divisibilidade do direito material) e de origem (origem do direito material). Quanto à titulariedade do direito material, têm-se que direito difuso pertence a uma comunidade formada de pessoas indeterminadas ou indetermináveis; o direito coletivo pertence a uma coletividade (grupo, categoria ou classe) formada de pessoas indeterminadas mas determináveis; o direito individual homogêneo pertence a uma comunidade formada de pessoas perfeitamente individualizadas, que também são indeterminadas e determináveis.

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Em uma posição de maior prudência, J.J. Calmon de Passos82 (2003, p. 106) considera que a legitimação do MP nos casos de direitos coletivos e individuais e homogêneos enfraquece a democracia brasileira por frustrar instituições pré-políticas, e conseqüentemente, acomodar os indivíduos e a sociedade, ademais esta legitimação desrespeitaria a autonomia do indivíduo que é a base da democracia e a essência das relações privadas.

Ainda sobre a questão da legitimidade do MP, considera-se indiscutível nos interesses difusos, uma vez que indisponíveis, como demonstram as ações coletivas com fito de tutela ambiental – em que as necessidades seriam satisfeitas sem exclusão. O que, enfim, valorizaria a entidade imputando-lhe apenas a competência de fazer o possível e desejável, dentro de padrões de legalidade.

Mas Calmon de Passos (2003) não é o único a defender tais alegações, como escreve Ricardo Negrão83 (2004, p. 258):

Portanto, se é até certo ponto mais pacífica a posição do parquet quando este atua nas ações coletivas propostas para a defesa de direitos difusos e coletivos (guardada sua posição de representante adequado), a substituição imposta pela lei no caso da defesa dos interesses individuais não pode ser considerada tão abrangente; só haveria de ser admitida sempre que o princípio dispositivo fosse, de certa forma, minimizado frente a outras questões não menos relevantes (como é a tutela dos direitos subjetivos indisponíveis ou a proteção do interesse social).[sic.].

A posição prevalente nos tribunais superiores é a de que o Ministério Público apenas pode atuar na defesa dos direitos individuais homogêneos disponíveis quando se relacionarem a um relevante interesse social a ser avaliado no caso concreto, com a ressalva de o conceito de relevante interesse social ser discutível e, de certa forma, vago. Ainda na lição do texto de Ricardo Negrão (2004, p. 267):

Não há dúvida de que o posicionamento inicial (principalmente de alguns membros do Ministério Público) de que a atuação seria irrestrita para a defesa judicial dessa categoria de direitos coletivos, constitui risco de banalização do próprio Ministério Público que estaria fazendo uso de sua posição fundamental na sociedade para atender os interesses de algumas pessoas. Essa não é sua função, nem muito menos sua vocação.

Embora não haja abundância de evidências práticas de intervenções do Ministério Público em interesses societários, Márcio Guimarães (2005, p. 107) enumera algumas

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PASSOS, José Joaquim Calmon de. Direito, poder, justiça e processo: julgando os que nos julgam. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

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NEGRÃO, Ricardo. Ações coletivas: enfoque sobre a legitimidade ativa. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2004.

hipóteses teóricas e ressalta que os instrumentos à disposição do Ministério Público para a tutela dos interesses individuais seriam: a) o inquérito civil (CF/1988, art. 129, inciso III e Lei 7.347/1985), como procedimento de natureza administrativa, inquisitorial, de utilização exclusiva do Ministério Público e carecendo, ainda, de regulamentação legal; b) ação civil pública (Lei 7.347/1985, Lei 7.913/89 e CF/1988, Art. 129, inciso III), “como uma demanda ao judiciário que decida sobre fato transindividual societário” (GUIMARÃES, 2005, p. 116); e, c) o termo de ajustamento de conduta (Lei 8.078/1990), “representando acordo firmado que ostentará a condição de título executivo extrajudicial, se tomado durante inquérito civil, ou judicial, quando pactuado nos autos de processo referente à ação civil pública” (GUIMARÃES, 2005, p. 122-123).

Como síntese do trecho em retro, pode-se afirmar que o sistema jurídico brasileiro se aparelhou com um conjunto de mecanismos ainda inexplorados de combate ao ilícito e à tutela de interesses, como os transindividuais societários, sejam eles coletivos, difusos ou individuais homogêneos. Os poderes e possibilidades dos instrumentos postos à disposição do Ministério Público pela legislação (inquérito civil, ação civil pública e termo de ajustamento de conduta) satisfazem as demandas em teoria e as superam na prática societária atual.

No documento Direito dos Acionistas Minoritários (páginas 118-123)