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As Teorias Modernas

No documento Direito dos Acionistas Minoritários (páginas 81-86)

PRIMEIRA PARTE – SOCIEDADE POR AÇÕES

2 SOCIEDADE POR AÇÕES E A TUTELA DO ACIONISTA

2.3 TEORIAS DA ORGANIZAÇÃO INTERNA DA SOCIEDADE POR AÇÕES

2.3.3 As Teorias Modernas

Com a abertura do Direito Societário para a interdisciplinaridade, importam-se conceitos e valores econômicos e concorrenciais, por exemplo – como indica Salomão Filho (2006, p. 38), no trecho:

A essa discussão tem-de dado o nome de análise econômica do direito. Nascida originalmente do direito antitruste, onde os raciocínios econômico e jurídico são incindíveis, essa Escola ganha concretude teórica nos anos 60 com os trabalhos pioneiros de G. Calabresi e R. Coase respectivamente sobre atos ilícitos e custos sociais. Nas décadas de 70 e 80 essa teoria tem grande expansão para diferentes campos, entre eles o direito societário.

As críticas mais ferozes a esta contribuição não se referem a seu método analítico, mas, sim, às propostas de aplicação que seus resultados indicam. A analítica da AED é, muitas vezes, como relembra o próprio Salomão Filho (2006, p. 39), desvinculada da teoria da eficiência que pretende extinguir os debates da Filosofia do Direito – levando a questão da justiça para a apreciação científica.

Segundo a teoria da eficiência, o parâmetro das decisões judiciais e das normas jurídicas deve ser a maximização da riqueza global, mesmo que isso seja feito à custa do prejuízo a um agente econômico específico. Esta definição não coaduna com a clássica propugnada por Pareto, para quem a eficiência nas relações ocorreria quando traz vantagens a todos os participantes sem prejudicar outros.

O argumento básico contra esse tipo de teoria é que o princípio geral de maximização de riqueza induz necessariamente a transferência de riquezas àqueles que possuem maior racionalidade (informação) e, consequentemente, maior poder de barganha, ou seja, àqueles que já possuem riqueza – gerando um processo de concentração e exclusão progressiva.

Da concepção conseqüente ao alargamento teórico da matéria, Salomão filho explica que “o interesse da empresa não pode mais ser identificado, como no contratualismo, ao interesse dos sócios nem tampouco, como na fase institucionalista mais extremada, à

autopreservação”. Dessa forma, surgiram as concepções modernas visando a estruturação das relações jurídicas nas organizações da forma mais eficiente63 possível.

2.3.3.1 A Teoria do Contrato Associativo ou Contrato Organização

Organização, em uma acepção jurídica, significa coordenação da influência recíproca entre atos. Na teoria do contrato organização, os atos referidos são conseqüentes de esferas econômicas e sociais, mas esta não é uma teoria econômica, é uma teoria jurídica.

Na teoria descrita não há a redução do interesse social a uma organização direcionada simplesmente a obter eficiência econômica, mas, sim, há o objetivo de compreensão da sociedade como organização com o fim de propiciar o melhor ordenamento dos interesses nela envolvidos com a solução dos conflitos. Dessa forma, essa teoria visa satisfazer critérios subjetivos (interesses) e não objetivos (como a eficiência numérica).

A teoria do contrato-organização é uma acepção contemporânea dos contratos que se revela idônea a explicar o fenômeno societário ao diferenciar os contratos comuns, ou de permuta, caracterizados pela existência de prestações respectivas e atribuição de direitos e obrigações individuais entre as partes; e, os contratos associativos, caracterizados pela formação de organizações ao fixar regras para desenvolvimento de atividade comum – como na formação das sociedades estudadas.

Diferenciando esta teoria das construções teóricas anteriores, Salomão Filho (2006, p. 43) relembra que: “adotada a teoria do contrato organização, é no valor da organização e não mais na coincidência de interesses da uma pluralidade de partes ou em um interesse social a uma organização direcionada simplesmente a obter eficiência econômica”.

Perin Junior (2004, p.24) esclarece que, segundo a visão associativa, “a prestação de uma parte não satisfaz imediatamente o interesse da outra, servindo para o desenvolvimento da sociedade” considerando que “a sociedade, em razão de sua característica própria de atividade, deve ter por molde o contrato associativo, centrado na idéia de organização”.

Como pode ser observado na citação, esta argumentação aproxima os conceitos de sociedade e empresa, medida justificada pelo autor pelo fato de “vislumbrar na sociedade uma

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atividade organizada”. Como a organização (empresa) é considerada a meta do contrato resta explicado o enunciado dessa teoria que concebe a sociedade como organização e não como instituição.

A organização não é a confluência de interesses das partes, ou dos sócios, mas, sim, a representação da atividade. Nesta teoria a sociedade não estaria justificada pelo acordo de vontades, gerando direitos subjetivos, nem mesmo pelo bem comum, mas sim pelo valor da atividade ou organização criada.

Na doutrina pátria, considera-se empresa o complexo de atividades, o objeto de direito, assim como a sociedade é considerada a personificação jurídica da empresa, a pessoa de direito. Dessa forma, o enfoque associativo valoriza a atividade (empresa) e enfraquece o conceito formal de sociedade.

Diferenciando essa teoria da institucionalista basta citar a lição de Perin Junior (2004, p.25) de que “não havendo mais atribuição de direitos subjetivos, o interesse social não é mais o do ócio, nem o da maioria dos sócios, mas sim o da organização, podendo ser definido pela vontade das partes ou pela lei”.

Exemplos como o do artigo 116 da Lei 6.404/76 e do artigo 116-A introduzido pela Lei 10.303/2001 são gradativamente mais comuns entre as manifestações legislativas que superam o caráter institucionalista, recorrentemente interpretadas sob a teoria organizativa que Perin Junior (2005, p. 23) explica didaticamente no excerto:

Organização, na acepção jurídica, significa a coordenação da influência recíproca entre atos. Portanto, adotada a teoria do contrato organização, é no valor organização e não mais na coincidência de interesses de uma pluralidade de partes ou em um interesse específico à auto-preservação que se passa a identificar o elemento diferencial do contrato social.

No entendimento da sociedade como organização – que busca o melhor ordenamento dos interesses nela envolvidos e a solução dos conflitos entre eles existentes – Perin Júnior (2005, p. 23) explica que “o interesse social passa, então, a ser identificado com a estruturação e organização mais apta a solucionar os conflitos decorrentes desses contratos e de suas relações jurídicas”.

Salomão Filho (2002a, p. 50-51) também defende a teoria organizativa alegando que “quando bem aplicada, não é um retorno ao individualismo dos contratualistas, mas, sim, um passo adiante em relação ao institucionalismo na defesa do interesse público”.

Segundo este autor (SALOMÃO FILHO, 2006, p. 48-49), a teoria organizativa propicia mais utilidade e sinceridade ao Direito Societário ao mediar corretamente os conflitos internos – possibilitando a proteção dos interesses por regras organizativas internas,

quando possível, ou propiciando a mediação legislativa do conflito. Segundo essa mesma obra, tanto a sociedade pessoal como a sociedade sem sócios – situações jurídicas de importância crescente – são estruturas que exprimem o valor organizativo puro, ou seja, passa a ter como objeto exclusivamente estruturar um conjunto de contratos. Como sintetiza Calixto Salomão Filho (2006, p. 50):

A teoria organizativa, quando bem aplicada, não é um retorno ao individualismo dos contratualistas, mas sim um passo avante em relação ao institucionalismo na defesa do interesse público. Possibilita a proteção dos interesses e a solução interna de conflitos, que podem ser atingidos por regras organizativas internas, e a externalização daqueles que não podem, acompanhada então de uma correta mediação legislativa do conflito.

Essa teoria tem grande valor para o objeto estudado, pois a regra da dissolução do conflito tende a eliminar lides e a evitar os problemas que poderiam levar a insatisfação e a retirada de dissidentes da sociedade, por exemplo – e a tutela dos minoritários, por sua vez, apresenta-se como um dos instrumentos idôneos para evitar certas espécies de conflitos societários.

2.3.3.2 A Teoria dos Sistemas

Esta teoria foi originada com os trabalhos de Ludwig von Bertalanffy e é usualmente utilizada na argumentação de filósofos, sociólogos e cientistas políticos, mas também já foi aplicada por doutrinadores para explicar a estrutura das sociedades por ações a partir da década de 1970. Em termos sintéticos parte-se do conceito de sistema como conjunção das partes individualizáveis que têm relações dinâmicas entre si e, conseqüentemente, com o todo. Perin Junior (2004, p. 26) indica o trabalho de Paul Le Cannu como pioneiro ao aplicar essa teoria às sociedades por ações ao parafraseá-lo no trecho:

La notion de système est em effet une notion assez délicate à manier. Elle a jusqui`ici été utilisée essentiellement dans I`analyse polique ou économique, et l`on a pu parler pour les années récentes d`une ‘mode systémique’ dans ces domaines. Notre désir n`est pas, I`on s`en doute, d`étendre cette ‘mode’ au droit des societés, mais simplement de profiter du ‘renouvellement partiel’ qu`elle permet. L`intérêt essentiel de cette notion est d`apporter une vue dynamique, de ‘mesurer les changements au niveau du fonctionnement global, par la stabilité ou la varation des relations réciproque des éléments variables composants’. Car on peut définir le système comme la réunion de composantes individualisables qui ont des rapport dynamiques entre elles et avec le tout. Il s`agit d`une notion très ouverte, puisque chaque composante peut elle-même être analysée en terme de système.

Nesses termos, o autor pioneiro investe em sua argumentação reconhecendo que a idéia de sistema é mais conveniente a conjuntos políticos e econômicos do que para um instituto jurídico particular, mas o considera adequada e compatível para caracterizar a sociedade por ações como sistema micro jurídico.

Conceituando sistema, deve-se ressalvar o fato de que existe uma dogmática geral, ou filosófica, e outra particular – aplicável ao Direito – para esse vocábulo. Kant (apud REALE, 1999) já propunha um conceito geral de sistema como “a unidade, sob uma idéia, de conhecimentos variados” ou “um conjunto de conhecimentos ordenado segundo princípios” – definições estas aplicáveis à dogmática geral e às disciplinas filosóficas.

No campo jurídico, sistema traduz a idéia do conjunto das regras e preceitos ou “sistema de justiça”, como prefere Perin Junior (2004), ou, em outros termos, a soma dos princípios racionais que regem as relações de Direito. Canaris64 (1996, p.82), discípulo de Karl Larenz, na sua teoria evolutiva dos sistemas, dedica uma obra apenas para desenvolver a idéia do que seria “o conceito de sistema na ciência do direito”, partindo do argumento de que “a hipótese fundamental de toda ciência é a de que uma estrutura racional, acessível ao pensamento, domine o mundo material e espiritual”.

Perin Junior (2004, p.27) desvenda, de forma eficaz, a grande crítica cabível a essa teoria ao descrever que: “embora a sociedade possa ser considerada um sistema, a última noção, até prova em contrário, não contribui ao aperfeiçoamento do conceito de sociedade, e de sua aplicação não resultam efeitos aparentes”, considera-se então que, embora se critiquem as teorias institucionalistas e contratualistas, tanto a teoria baseada no contrato como a referenciada na idéia de instituição são meios idôneos de estruturar a sociedade como uma organização, ambas as teorias são capazes de fundamentar um regramento suficiente para a manutenção do exercício de sua função primária e vital, a função econômica.

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CANARIS, Claus-Wilhem. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito. Tradução A. Menezes Cordeiro. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.

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