SEGUNDA PARTE – DIREITO DOS MINORITÁRIOS
4 PROTEÇÃO DOS MINORITÁRIOS
4.3 TUTELA DOS MINORITÁRIOS NA LEGISLAÇÃO PÁTRIA ATUAL
4.3.3 Direito de recesso ou retirada
Define-se direito de recesso, retirada ou dissidência como a faculdade do sócio insatisfeito de retirar-se da sociedade. Esta insatisfação geralmente decorre da aprovação, pela Assembléia Geral ou outro órgão decisório, de matérias que conflitam com os interesses pessoais do sócio. Neste caso, a sociedade deve efetuar o pagamento do reembolso de suas ações ou cota-parte.
Muitas vezes esta faculdade decorre do estatuto ou contrato social, mas também há legislação sobre o tema – mesmo que as previsões normativas sejam erráticas ao longo do tempo. A origem do instituto no Brasil é o Decreto-Lei 3.708/19 que, versando sobre as Sociedades por cotas Limitadas, enunciava:
Artigo 15. Assiste aos sócios divergentes da alteração do contrato social a faculdade de se retirarem da sociedade, obtendo o reembolso da quantia correspondente ao seu capital, na proporção do último balanço aprovado (grifo nosso).
O Código Civil posterior condicionou o direito expresso no excerto legal ultracitado asseverando que:
Artigo. 1077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no artigo 1031.
Em uma evolução cronológica, é vital lembrar que em relação às sociedades por ações, o Decreto-Lei 2.627/40, vigente até 1976, manteve a disposição anterior e que a Lei 6.404/76, ao tratar do tema em seu artigo 107, assegura aos acionistas o direito de retirada, nos casos previstos em lei, como “direito essencial”. Em resumo, a consolidação do direito de retirada, nesta fase, é explicada por Perin Junior (2004) como um mecanismo político decorrente das diretrizes fixadas ao assegurar a retirada da sociedade se não forem mantidas as mesmas prerrogativas existentes no momento de seu ingresso.
Depois de 1976, existiram diferentes legislações com intenções diversas – ora acrescendo ora diminuindo – em relação às possibilidades de retirada inscritas no artigo 137 e seguintes da LSA de 1976. Dentre elas, a de maior destaque foi a proposta pelo senador Edison Lobão, a Lei 7.958/89, que extinguiu o direito de retirada previsto nos incisos VI (incorporação da companhia em outra, sua fusão ou cisão) e VII (participação em grupo de sociedade) do art. 136. O próprio senador registrou que o projeto pretendia “defender a agilidade das sociedades anônimas e evitar que os pequenos acionistas embaracem a vida dinâmica das empresas”, ou seja, a lei era justificada pelo casuísmo e consistente na revogação de direitos contrária às tendências mundiais.
Desta polêmica, restou demonstrado que o recesso não é um direito inderrogável por lei expressa como os direitos essenciais que não podem ser modificados ou suprimidos – devido à natureza das sociedades por ações – como o direito de participar nos lucros, de participar do acervo em caso de liquidação e de fiscalizar a gestão dos negócios.
A Lei 9.457/97 (Lei Kandir) interferiu, como a Lei 7.958/89 (Lei Lobão), no direito de recesso, modificando a LSA ao criar mais limitações ao direito de recesso – ampliando a Lei Lobão para facilitar os processos de privatização de empresas estatais. A Lei 9.497/97, ao modificar os art. 136 e 137 da LSA provocou discussões doutrinárias sobre a eventual eliminação do recesso para hipóteses de incorporação, fusão, cisão e participação em grupos de sociedades. Amendolara (2003, p.94) explica o retrocesso da Lei Lobão na necessidade casuística de promover os programas de privatização do governo, especialmente do Sistema Telebrás.
De fato, como muitos institutos jurídicos no país, o direito de retirada era objeto de abusos gerando a “industria do recesso” – quando ações eram adquiridas para ser liquidadas com a retirada – o que, segundo as alegações da época, trazia malefícios às empresas. De fato, este argumento não é compatível com uma economia de mercado em que vise dar, além de segurança, liquidez ao investimento. Ademais, vetar a retirada do
investimento em certo empreendimento é condicionar negativamente a eficiência de todo o sistema – forçando a aplicação de recursos em um negócio sem atratividade ao mercado.
A Nova LSA (Lei 10.303/2001) pretende regular a questão de forma equilibrada, como explica Perin Junior (2004, p. 105):
Outrossim, a Lei 10.303/2001. recém-aprovada, restringe bastante a possibilidade de haver exclusão do exercício do direito de retirada – como já dissemos – por acionistas dissidentes de deliberação que aprovar operação de fusão ou incorporação de sociedades, na medida em que passa a exigir que os dois requisitos instituídos pela lei de 1997 – liquidez e dispersão – sejam atingidos de forma cumulativa.
A nova lei, 10.303/2001, outorga a CVM poderes para definir o índice representativo de liquidez que deve ser considerado para efeito do inciso II do art. 137. diversos autores, como Arnold Wald (2002), indicam que a nova redação possibilitará na maioria das companhias – pelo menos a médio prazo, até o mercado atingir níveis superiores de pulverização – o exercício, pelos acionistas dissidentes, de deliberações que aprovem reestruturação societária, o direito de retirada.
As possibilidades legais de retirada, na legislação vigente para as sociedades por ações, encontram-se nos artigos 136 e 137 da LSA e ocorrem: 1) na criação de ações preferenciais sem guardar proporção com as demais classes sem previsão estatutária; 2) nas alterações nas preferências, vantagens ou condições de uma ou mais classes de ações preferenciais; 3) na redução do dividendo obrigatório; 4) fusão, cisão ou incorporação da companhia; 5) na mudança de objeto social; e, ainda é possível a retirada quando a sociedade promove sua anexação a grupo de sociedades, como prevê o artigo 265 do mesmo diploma.
Por fim, é válido citar que em outros casos de exclusão do sócio que não constituem saída voluntária também remanesce o direito de reembolso baseado na relação entre o patrimônio líquido social e sua participação social, mesmo fora da regulação da LSA, como nos casos dos artigos 1085 (quando sócio põe em risco sociedade) e 103 (na incapacidade superveniente) do NCC consagrando esta fórmula como universal.
4.3.4 Tutela dos Acionistas Minoritários na Hipótese de Fechamento do Capital de