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Conhecimento dos fins, objectivos e valores educacionais, bem como dos seus fundamentos históricos e filosóficos, que informam a acção

pelas ideias de justiça e de solidariedade social.

7. Conhecimento dos contextos educativos, que inclui não só aspectos de natureza mais lata e apensos ao funcionamento geral do sistema educativo, mas também outros mais específicos e intimamente

relacionados com as culturas da escola em que o docente se move, os sistemas socio--económicos e culturais do meio em que a instituição de ensino se insere, bem como as especificidades que confluem em cada sala de aula.

Actualmente, este constructo perpassa grande parte dos textos produzidos e dos estudos realizados sobre a temática em análise, constituindo-se como um léxico amplamente aceite no discurso educacional. Não obstante, é importante realçar que há diversos modos de pensar a interacção dos vários domínios e do lugar que cada um ocupa na constelação de categorias do conhecimento. A título de exemplo, refira-se Grossman (1990a), que reduz as sete dimensões apresentadas por Shulman (ibidem) a quatro grandes domínios, nomeadamente o conhecimento do conteúdo, o conhecimento pedagógico, o conhecimento pedagógico do conteúdo e o conhecimento do contexto, cuja interrelação é visível na figura que se segue:

Fig. 3 – Organização do conhecimento dos professores (traduzido de Grossman, 1990ª:98)

Do diálogo entabulado entre estes quatro grandes domínios procedem duas conclusões. Em primeiro lugar, importa destacar a complexidade que caracteriza a

Conhecimento do Conteúdo Conhecimento Pedagógico Conhecimento Pedagógico do Conteúdo Conhecimento do Contexto

profissionalidade docente e que se estende ao longo de um manto profuso de funções e de papéis que se realizam em contextos não menos intrincados. Com efeito, ao longo de um dia normal de trabalho os professores invocam conhecimentos de vários tipos, formas e fontes por forma a operar eficazmente nas várias estruturas das instituições educativas e a negociar com actores múltiplos (alunos, colegas, pessoal administrativo e auxiliar, gestores executivos e, por vezes, encarregados de educação e representantes da comunidade). Tal ocorre em contextos que podem transcursar ambiências com planos distintos (local, regional ou ainda nacional) e que são ladeados por particularidades históricas, políticas e sociais. Em segundo lugar, e como a representação esquemática visível na figura 3 evidencia, há a destacar a centralidade que o conhecimento pedagógico do conteúdo desempenha no conjunto dos saberes do professor. Com efeito, trata-se da dimensão do conhecimento profissional em torno da qual todas as outras orbitam, que se constrói na relação de reciprocidade que estabelece com as restantes, contribuindo em simultâneo para a reconstrução das mesmas. Esta construção e reconstrução continuada é coadjuvada pelas diversas fontes a que já nos referimos e às quais o docente sistematicamente recorre, sendo também mediada pelos processos de planificar, reflectir e ensinar. Neste sistema de organização do conhecimento profissional proposto por Grossman (op.cit.), o conhecimento pedagógico do conteúdo assume-se efectivamente enquanto manifestação ôntica da profissionalidade docente, constituindo-se como aquela particularidade especial que torna o conhecimento profissional do professor singular. Também no dizer de Shulman (1987:8), o conhecimento pedagógico do conteúdo é “uniquely the province of teachers, their own special form of professional understanding”.

Partindo da concepção genérica de Shulman sobre o conhecimento pedagógico do conteúdo, Grossman (ibidem) identifica ainda quatro componentes específicas que o integram, e que de seguida abordaremos sucintamente.

1 - Representações dos professores sobre o ensino do conteúdo que leccionam Aqui incluem-se as crenças dos professores sobre o que significa ensinar determinado conteúdo, o seu “mapa conceptual” (Borko & Putnam, 1995) que orienta a tomada de decisões e o julgamento relativamente aos objectivos de ensino, estratégias, actividades, tarefas e trabalhos dos alunos, manuais e materiais curriculares, ou ainda à avaliação da aprendizagem dos alunos.

2 - Conhecimento sobre estratégias de representação do conteúdo

Um bom domínio do conhecimento pedagógico do conteúdo inclui necessariamente um reportório extenso de estratégias de representação das matérias e que pode apresentar- se na forma de metáforas, simulações, demonstrações, exemplos, ou outras, e que permite adaptar o conteúdo de múltiplos modos para ir ao encontro de diferentes alunos. Esta questão da representação do conteúdo foi alvo de inúmeros estudos (Eisenhart et al., 1993; Putnam, 1992), adquirindo por vezes outras designações, como é o caso de “contexto representacional” e que, para Ball (1993:160-1), “encompasses the ways in which teachers and learners use the particular representation [and] how it serves as a tool for understanding their work”.

3 - Conhecimento sobre a compreensão dos alunos relativamente ao conteúdo Esta dimensão difere da componente mais geral do conhecimento profissional do professor designada por conhecimento dos alunos e das suas características, no sentido em que tem uma focalização específica no conteúdo. A pesquisa realizada em várias disciplinas revelou um conjunto de concepções alternativas que muitos alunos desenvolvem, como é o caso da divisão de fracções na matemática ou da conjugação errada da terceira pessoa do singular (no presente do indicativo) na disciplina de inglês. Os professores com um bom domínio de conhecimento pedagógico do conteúdo conhecem os modos como os alunos tipicamente aprendem determinada matéria, podendo antecipar as suas dificuldades e desenvolver estratégias específicas para os ajudarem a colmatá-las.

4 - Conhecimento do currículo e dos materiais curriculares

Finalmente, um bom domínio do conhecimento pedagógico do conteúdo inclui também conhecimento do currículo e dos materiais curriculares disponíveis para o ensino de determinadas matérias. Neste contexto específico, o conceito de currículo pode assumir duas orientações, podendo ser considerado em termos horizontais (contemplando as várias disciplinas no âmbito de um determinado nível de ensino ou curso) ou verticalmente (no âmbito de uma única disciplina e dos seus programas ao longo de todos os anos de ensino básico e secundário). Assim, e embora Shulman tivesse considerado o conhecimento do currículo como uma componente mais geral do conhecimento profissional do professor, no

entender de Grossman (op.cit.) a segunda interpretação do termo associa-a directamente ao conteúdo. Deste modo, e como a própria autora refere, ao distinguir o especialista na matéria do pedagogo, afirma-se como um marco indiscutível do conhecimento pedagógico do conteúdo.

Como já vimos, ao associar o conhecimento pedagógico do conteúdo à forma como o professor pode ajudar o aluno a compreender determinada matéria, e que inclui o modo como os assuntos ou os problemas podem ser adaptados e apresentados a alunos com diversos interesses, dificuldades e níveis conceptuais, Shulman identifica também aquilo que, em termos latos, contribui não só para a substância de um profissional capaz mas, acima de tudo, para o eixo distintivo de um professor competente. E é imperioso afirmar também que este constructo peregrino do autor contribuiu de forma portentosa para uma maior compreensão não só do conhecimento profissional do professor, mas também para a orientação de programas que visam a sua aprendizagem e desenvolvimento. O aprofundamento desta temática por parte de Grossman (ibid.) e, em particular, a estruturação que a autora efectuou relativamente à posição do conhecimento pedagógico do conteúdo no constructo mais amplo que é o conhecimento profissional do professor, também se afirma como uma orientação oportuna, embora seja importante adoptar algumas precauções no sentido de não ceder a uma leitura exclusivamente estruturalista do próprio sistema de organização.

A este respeito, Carlsen (1999), na esteira de Cherryholmes (1988), faz uma análise assaz interessante, baseando a sua reflexão num elenco de argumentos que evocam a alma da oratória saussuriana, mas que expõe a um contraditório de natureza pós-estruturalista, mais ao gosto de pensadores como Foucault ou Derrida. De entre as questões que consideramos mais engenhosas e de difícil refutação destacamos a apresentação estrutural do conhecimento pedagógico do conteúdo enquanto domínio do conhecimento profissional do professor que é diferente dos restantes. Assim, numa retórica amparada em Saussure, o conhecimento pedagógico do conteúdo constitui-se enquanto signo (domínio do conhecimento) cujo significado é estabelecido num sistema constituído por outros signos (outras dimensões do conhecimento), decorrendo da relação que estabelece com estes e na emergência da sua diferença. Assim, para além de se poder compreender o conhecimento pedagógico do conteúdo com base na já referida definição proposta por Shulman aquando da apresentação do seu discurso presidencial no congresso da American Educational

Research Association em 1986, poder-se-á entender o conhecimento pedagógico do conteúdo como aquilo que o mesmo não é. A título de exemplo, poderíamos referir o conhecimento sobre a formação e fragmentação do Império Britânico, que se situa na categoria designada como conhecimento do conteúdo, ou ainda conhecimentos relativos à operacionalização do trabalho colaborativo, e que pertencem ao domínio intitulado como conhecimento pedagógico. Contudo, e embora estas duas formas de conhecimento sejam efectivamente diferentes da designada por conhecimento pedagógico do conteúdo, consideramos que, por vezes, é difícil delinear fronteiras exactas entre as mesmas, o que constitui um desafio à lógica do estruturalismo e abre caminhos para uma outra interpretação deste sistema de organização do conhecimento profissional do professor.

Com efeito, uma leitura com uma orientação mais pós-estruturalista levanta questões de outra natureza e igualmente pertinentes. Assim, e para além de se poder abordar a dimensão histórico-cultural do saber7, a noção de que o conhecimento pedagógico do conteúdo reside no centro do sistema de significado apresentado por Grossman (1990ª) seria naturalmente contestada. Como Carlsen (1999:139) refere, um crítico pós-estruturalista poderia questionar: “where… is the student in this model? Or, for that matter, the teacher?” Com efeito, neste sistema organizacional, as estruturas do conhecimento só se relacionam com o indivíduo remota e fugazmente através do conhecimento do contexto. Assim, e embora reconhecendo a importância do contributo de Grossman (op.cit.), julgamos que, ao contemplar um domínio autónomo que designa por “conhecimento do aprendente e das suas características”, a tipologia de Shulman (1986, 1987) é mais adequada às necessidades sentidas actualmente. Na organização categorial deste autor, assiste-se a uma maior valorização do indivíduo, embora, considerando a ausência perniciosa do professor, ainda a reputemos como lacunar. Tal também foi notado por Sá-Chaves e Alarcão (2000) que, não obstante recorram à tipologia avançada por Shulman (op.cit.) no âmbito de num estudo sobre o conhecimento profissional dos

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Como sustenta Carlsen (1999), ao contrário de investigações de teor exclusivamente quantitativo, manifestamente assépticas e em que os contornos sociais, culturais, económicos e de género são liminarmente rasurados, estas dimensões constituem-se como questões fulcrais e incontornáveis nos estudos realizados através do recurso a metodologias de cariz essencialmente qualitativo, naturalista ou etnográfico e em que a retórica investigativa é permeável à voz do investigador, muitas vezes ouvida em diferido na primeira pessoa. Embora, actualmente, estas modalidades de pesquisa sejam copiosamente usadas em inúmeras áreas do saber, ainda se ouve aqui e ali referências um pouco sebastianistas às metodologias quantitativas enquanto “metodologias ou abordagens científicas”. Tal impõe uma refutação cerrada, pois, embora estas designações ilustrem apenas, em nosso entender, a nostalgia de uma época em que o paradigma quantitativo reinava sozinho, poderão também dar azo a interpretações completamente desajustadas da realidade e em que as investigações qualitativas poderiam ser entendidas como acientíficas.

professores, realizado com alunos do último ano dos cursos Formação de Professores do 1º ciclo do Ensino Básico e de Educadores de Infância, entre 1995 e 1997 na Universidade de Aveiro, recuperam de Elbaz (1983) a dimensão designada por conhecimento de si próprio. Para as autoras, esta última categoria afigura-se como o epicentro e ponto de partida do conhecimento profissional do professor, cuja representação esquemática pode ser visualizada na figura 4.

Com efeito, cada professor possui capacidades, valores, disposições e personalidades que se afirmam enquanto elementos que dão forma à sua individualidade e que coordenam e orientam as suas demandas. Como Sá-Chaves (2000:102) afirma, este conhecimento pessoal é “alocêntrico, capaz de desocultar aos seus próprios olhos, quais os processos e factores que propiciaram as dimensões positivas e de sucesso e também as razões do não conseguido”. Assim, ao possibilitar uma maior compreensão ao docente sobre as razões pelas quais determinadas estratégias ou actividades não resultam bem consigo, embora pareçam trazer sucessos vários aos seus colegas, o conhecimento de si próprio permite também uma intervenção activa e deliberada do professor no seu processo de desenvolvimento, equacionando as possibilidades que se adequam à sua individualidade, e optando pelos caminhos que o levarão ao triunfo.

Para finalizar, importa ainda referir que o conhecimento profissional do professor, na acepção alargada que subscrevemos, em permanente construção e reconstrução, está imbricado naquilo que os colóquios educacionais designam pelas culturas docentes e que, de seguida, serão alvo da nossa reflexão.