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4. O Conhecimento Profissional do Professor

4.2 Fontes e formas de representação

Aquilo em que os professores acreditam, o que concebem e o que concretizam no seu quotidiano profissional decorre não só da socialização a que estão expostos desde as suas primeiras incursões na cultura escolar ainda enquanto alunos, ou de um processo formal de aquisição de saberes, mas também, e acima de tudo, do seu trabalho quotidiano, traduzindo-se num tipo de saber que muitos designam por prático, consideradas as condições da sua edificação.

No exercício da sua actividade profissional, os professores estabelecem negociações complexas com os colegas, com os encarregados de educação e com os alunos, activando as várias estruturas do seu conhecimento profissional, que se constitui a partir de diversas fontes, entre as quais já salientámos a importância da prática. De entre a pluralidade de estudos realizados sobre esta matéria, destacamos a proposta avançada por Porlán e colaboradores (1996), que identificam três fontes do conhecimento do professor, sublinhando o diálogo que se efectua entre as mesmas e que se pode visualizar na figura 2.

Fig. 2 - Fontes do conhecimento profissional (Porlán et al.: 1996)

Como o esquema ilustra, é da interacção que se estabelece entre os conhecimentos que são fruto de uma educação formal com aqueles que dimanam de uma aquisição

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experiencial e ideológica que resulta o conhecimento profissional do professor, destacando-se acima de tudo a sua natureza sinérgica, integradora e que permite a sua reconstrução continuada. Assim, deste diálogo que os autores caracterizam como tentativo, processual e continuado, redundam produtos que se afirmam “como autênticos sistemas de

ideias em evolução” (op.cit.:30).

Também Shulman (1987) se dedicou ao estudo desta questão, identificando quatro domínios que se constituem enquanto fontes do conhecimento do professor, nomeadamente o conhecimento académico dos conteúdos das disciplinas, as estruturas e os materiais educativos, o conhecimento académico da educação formal e a já referida sabedoria da prática. O autor entende que a primeira fonte do conhecimento do professor reside no processo de aprendizagem formal realizado ao nível das ciências da especialidade dos domínios que este lecciona. E considerando que o professor é uma das fontes de conhecimento do aluno de natureza mais imediata, e que o próprio conhecimento tem uma natureza dinâmica e evolutiva, o docente tem também uma responsabilidade acrescida ao nível da reconceptualização e da reinterpretação de novos saberes. Assim, para além do conhecimento substantivo dos conteúdos que ensina, o docente deve também possuir um conhecimento sintáctico (Schwab, referido em Schulman, 1987), i.e., conhecer os procedimentos de investigação aceites pela comunidade científica.

A segunda fonte que Shulman (op.cit.) enumera compreende as estruturas educativas, nomeadamente as agências governamentais e seus mecanismos de financiamento, as instituições educativas e os seus sistemas de regras e de papéis, bem como as organizações de professores. Por outro lado, o autor reporta-se também aos materiais educativos necessários para a negociação que se estabelece no espaço pedagógico entre os quais podemos referir, a título exemplificativo, os curricula, testes de avaliação e materiais didácticos de natureza diversa, pelo que nesta categoria inclui-se não só o que Shulman (ibidem) designa pelas ferramentas do ofício, mas também as condições contextuais que delimitam a actuação do docente.

Uma terceira fonte do conhecimento do professor consubstancia-se nos estudos que se têm produzido sobre a educação em sentido lato e, em especial, no que diz respeito aos actos de ensinar e de aprender. Assim, inclusa nesta literatura, encontramos quer informação que visa as fundações teóricas da educação, quer dados recolhidos através da investigação empírica nas áreas relativas ao desenvolvimento humano e ao processo de

ensino-aprendizagem. No centro da pesquisa desta natureza encontram-se estudos relacionados com o ensino eficaz e que se constituem no sentido de identificar os comportamentos e as estratégias a que os professores recorrem e que podem originar maiores ganhos nos termos das aprendizagens realizadas pelos alunos. Contudo, é imperioso não esquecer que esta fonte de conhecimento de natureza mais pedagógica também se estende à investigação que o próprio professor pode realizar, individualmente ou em colaboração, sobre a acção e com o intuito de alargar a sua compreensão sobre o processo de ensino-aprendizagem.

Finalmente, o autor refere as máximas que orientam e facilitam a racionalização reflexiva das práticas e que se configuram naquilo que denomina por sabedoria da prática. Como já referimos inúmeras vezes ao longo deste texto, a prática informada pela reflexão afirma-se inquestionavelmente como uma fonte de conhecimento de importância assinalável, facultando momentos de aprendizagem valiosos e contribuindo para a edificação de um saber que promete orientar futuras linhas de acção. Porém, uma das condições apontadas para que tal aconteça é que esta sabedoria da prática, que poderá resultar de uma experiência pessoal ou da observação de outros professores, seja documentada para que se possa constituir uma história da prática, que registe e organize o pensamento e as acções dos professores em casos, de modo a estabelecer padrões de acção em várias áreas do ensino. O que Shulman (op. cit.) pretende salientar é que uma das formas de fazer representar o conhecimento do professor é precisamente através da documentação e do estudo de casos, que se apresentam como exemplos concretos da prática e de situações específicas, e que, quando bem descritos e documentados, podem servir de base para a discussão sobre a realidade, bem como para a sua clarificação e compreensão.

O autor refere ainda duas outras formas de conhecimento e que designa como conhecimento proposicional e estratégico. O conhecimento proposicional é resultante da pesquisa académica e congrega: a) princípios, que derivam da investigação empírica ou filosófica; b) máximas, que representam o conhecimento adquirido através da prática e que não são necessariamente validados pela educação educacional; e c) normas, que estão relacionadas com valores éticos, morais e com princípios de equidade. Embora este nível do conhecimento não respeite o que Valli & Tom (1988) designam por critérios de

utilidade, num passado ainda recente consistia no conhecimento maioritariamente fomentado nos cursos de formação de professores ao nível da formação contínua.

No que diz respeito ao conhecimento estratégico, o autor entende que o mesmo é desenvolvido quando o professor se depara com aporias e dilemas que exigem a mobilização de esquemas para analisar eventos e alternativas, num exercício que ultrapassa a dimensão concreta das situações e implica uma capacidade para as avaliar, tomar decisões e justificá-las. Shulman (ibidem) atribui a esta capacidade uma inflexão ontológica no seio das profissões em geral e, no âmbito do conhecimento profissional do professor em particular. Como o próprio autor afirma (1986:13):

“The teacher is not only a master of procedure but also of content and rationale (…), capable of reflection leading to self-knowledge, the metacognitive awareness that distinguishes draftsman from architect, bookkeeper from auditor. A professional is capable not only of practising and understanding his or her craft, but of communicating the reasons for professional decisions and actions to others.”

Como vimos até ao momento, a pesquisa realizada sobre o conhecimento profissional do professor revela que este integra uma dimensão experiencial que, caso se concretize sob o estandarte de uma intencionalidade práxica, continuadamente o alimenta e reconstrói. Pode ter uma natureza mais ou menos explícita, mas tem uma anatomia própria e constitui-se num colóquio onde confluem a acção e a reflexão, assistidas por um conjunto de dimensões contextuais, pessoais e sociais, num processo que singulariza a episteme complexa que caracteriza a profissionalidade do professor e que, como afirma Sá-Chaves (1994:136), lhe exige que seja “pessoalmente inspirado (…), pedagogicamente eficaz (…) e cientificamente informado (…).”