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Desenvolvimento profissional através da investigação-acção

3. Modelos de desenvolvimento profissional do professor

3.3 Desenvolvimento profissional através da investigação-acção

Citando Borg (referido em Oja & Smulyan, 1989), Marcelo (1999:186) afirma: ‘desde as suas origens que a investigação-acção se comprometeu com o desenvolvimento profissional dos professores’. Considerando que as origens deste processo investigativo ainda permanecem por determinar, julgamos que tal afirmação é um pouco excessiva. Com efeito, enquanto alguns investigadores consideram que a investigação-acção teve a sua origem com Kurt Lewin (Holter & Schwartz-Barcott, referidos em Masters, 2000; Smith, 2001), outros associam-na a reformadores sociais anteriores, designadamente a Collier, Corey e Lippitt & Radke (referidos em McKernan, 1991). Outros ainda referem o trabalho de Moreno (McTaggert, 1994) como precursor deste movimento. Contudo, e apesar do facto de a origem da investigação-acção ainda continuar envolta em alguma dubiedade, podemos afirmar que, independentemente do facto de esta envolver um professor, um grupo de professores ou a generalidade da instituição escolar, se trata de um processo com imensas potencialidades para os programas de desenvolvimento profissional.

A pesquisa que se tem realizado no âmbito da investigação-acção situou o conceito em diversas tradições que se constituem em função dos objectivos e dos contextos aos quais pretendem dar resposta, originando modos de operacionalização, objectivos e projectos

119 diferenciados. Em relação às fases de desenvolvimento dos projectos de investigação-acção, Sparks & Loucks-Horsley (1990) afirmam que embora haja um número de variações possível, estas partilham um conjunto de elementos comuns, nomeadamente a) a identificação do problema; b) a formulação de hipóteses de resolução do mesmo e que pode incluir não só a exploração de diferentes modos de recolha de dados, mas também o recurso aos dados revelados pela pesquisa existente; c) a análise dos dados; e d) a intervenção na situação problemática. A esta segue-se nova recolha e análise de informação com vista a aferir da mudança efectuada e, caso os efeitos não tenham sido os desejados, um novo processo cíclico que pressupõe as fases anteriores. No que diz respeito aos objectivos da investigação-acção, a influência do contexto é determinante e origina uma grande variedade ao nível da dimensão e enfoque dos projectos realizados um pouco por todo o mundo. Assim, e enquanto que no Reino Unido se impõe uma referência a factores de influência como a reforma curricular ou a necessidade de uma maior profissionalização dos professores, na Austrália estes enquadram-se num movimento mais lato de planificação colaborativa do currículo (Noffke, 2002). No que diz respeito aos projectos realizados nos Estados Unidos sob a égide da investigação-acção, verifica-se que, embora na era do pós-guerra estes tenham sido essencialmente caracterizados por uma preocupação política e educacional com os valores sociais das crianças e com a implementação de um currículo que potenciasse o desenvolvimento do pensamento democrático, quer em virtude da dissipação da ameaça que a ex-União Soviética constituiu durante a guerra-fria, quer em consequência da necessidade de professores mais qualificados, estes evoluíram para projectos que visam o desenvolvimento profissional dos docentes, pressupondo a mudança das suas práticas de ensino. Actualmente, os pressupostos epistemológicos e os objectivos dos projectos de investigação-acção seguem em direcções múltiplas, verificando-se ainda que muitos destes têm o seu enfoque na aprendizagem dos alunos e na melhoria das escolas.

No modelo de desenvolvimento profissional em análise, o objectivo fundamental dos planos de intervenção é facilitar o desenvolvimento de professores reflexivos capazes não só de identificar as áreas problemáticas no processo de ensino-aprendizagem, mas também de agir em função das mesmas, com vista a solucioná-las (Gore & Zeichner, 1991). Assim, a sua premissa principal reside na crença nas capacidades do professor para identificar problemas na

sala de aula e para, através de um processo que envolve a recolha de dados, a análise e a reflexão, desenvolver uma nova compreensão da realidade e formular soluções para os mesmos. Assim, e contrariamente a uma tradição que defendia que a função da investigação- -acção seria tornar o professor um melhor consumidor da investigação, enquanto quadro teórico de técnicas de acção educativa, actualmente o docente tende a ser encarado como um investigador. Este movimento do professor-investigador teve a sua origem no Reino Unido com os trabalhos de Stenhouse (referido em Masters, 2000), que considerava que o ensino deveria ser informado pela pesquisa e que essa pesquisa deveria ser efectuada pelos próprios professores, com base num questionamento auto-reflexivo e com o objectivo de melhorar a sua instrução. Também Elliott (1987,1993) considera que a investigação-acção se centra nos problemas experienciados pelo professor na sua prática diária e não nas questões teóricas definidas por investigadores externos. Verifica-se, assim, que nesta concepção da investigação-acção o professor não é meramente um espectador ou um objecto de estudo, mas sim o condutor do próprio processo investigativo. Este pode ser desenvolvido a título individual, mas muitos investigadores consideram que uma tónica na colaboração entre os docentes na implementação de projectos desta natureza é essencial, pois, como Sagor (1993: 10) afirma, ‘by turning to collaborative action research (...) we can renew our commitment to thoughtful teaching and also begin developing an active community of professionals’.

Do vasto leque de definições que encontrámos para o conceito, impõe-se uma referência à avançada por Kemmis & McTaggert (1990:5), que concebem a investigação- -acção como:

‘a form of collective self-reflective inquiry undertaken by participants (…) in order to improve the rationality and justice of their own social or educational practices, as well as their understanding of these practices and the situations in which these practices are carried out’.

A definição apresentada por estes autores encerra algumas das características comuns às diversas abordagens conceptuais de que a investigação-acção é alvo, nomeadamente o facto de se centrar na resolução de problemas, de promover a colaboração, de criar a mudança e de contribuir para a redefinição ou desenvolvimento de teorias. Diversos estudos relativos à

121 implementação de projectos de investigação-acção em programas de desenvolvimento profissional situam estas últimas características entre os seus níveis de incidência. Efectivamente, Sparks & Loucks Horsley (1990) referem um conjunto de projectos realizados por alguns investigadores que revelaram um aumento notório dos níveis de colegialidade entre os participantes (Watts, 1985), e aos quais nós acrescentamos outros mais recentes e que apontam para uma redefinição do conhecimento dos professores, bem como para uma mudança na sua intervenção pedagógica (Levin & Greenwood, 2001; Marshall, 2001; Somekh, 2005).

Ao contrário de outros modelos, tais como os cursos de formação, cujos trâmites processuais, em nossa opinião, dificultam aferir do seu verdadeiro impacto no ensino dos docentes, o facto de este modelo de desenvolvimento profissional partir da identificação de situações-problema no ensino do professor e implicar a recolha e análise dos dados, assim como a aplicação imediata de possíveis soluções, pode potenciar a criação da mudança ao nível das práticas de ensino. Por outro lado, tratando-se de uma formação centrada no quotidiano docente, assiste-se à simultaneidade da formação e da acção num processo que, através do questionamento e da reflexão, contribui também para esvaecer o hiato entre a teoria e a prática, facilitando a emergência de novo conhecimento e de novas teorias que derivam não daquilo que pode ser encarado pelos docentes como uma ideologia abstracta, mas sim de uma prática epistemológica. Não é nossa intenção desvalorizar as bases de conhecimento disponíveis, que encaramos como contributos úteis aos quais os professores podem recorrer na sua acção pedagógica. Pretendemos, sim, enfatizar o que Huberman (1983) já constatou quando afirma que há pouca evidência de que os docentes o façam, quer por desconhecimento, quer por considerarem a investigação como essencialmente conceptual e pouco direccionada para a sua realidade, o que, em qualquer dos cenários, contribui para alimentar o eterno conflito entre a teoria e a prática.

3.4 Desenvolvimento profissional através da participação em projectos de