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DE SOLIDARIEDADE SOCIAL

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kerstin jaCobsson Resumo

A sociologia contemporânea é firme na conceptualização da vida social em termos de clivagens e diferenças, conflitos de interesse ou de identidade, de poder e opres- são, mecanismos de segregação e de exclusão social, etc. Está menos preocupada com a conceptualização, e ainda menos com a observação da solidariedade e dos “vínculos” sociais que também existem nas nossas sociedades modernas, comple- xas e individualizadas. Estes tipos de laços sociais não podem ser adequadamente compreendidos em termos de relações de comunidade ou de Gemeinschaft. Con- sidera-se que nem os pares conceptuais de Gemeinschaft – Gesellschaft nem a so-

lidariedade orgânica – mecânica de Durkheim são capazes de definir estes laços.

É mais útil a noção de “moralidade cívica” de Durkheim, que pode fazer a ponte entre os códigos morais de vários grupos sociais. Este artigo tem como objetivo a conceptualização dos laços sociais e dos mecanismos de integração social e soli- dariedade que existem na Suécia contemporânea. Para esse efeito, introduzo neste artigo as noções de “consciência cívica” e de “co-sentimento cívico” enquanto categorias sociológicas, fornecendo também algumas ilustrações empíricas. Tam- bém abordo a combinação específica de individualismo e coletivismo característi- ca da cultura cívica sueca.

Palavras-chave: consciência cívica, Durkheim, integração social, Suécia, solida-

riedade social, confiança.

Será a sociedade possível?

A Primeira-ministra britânica Margaret Thatcher declarou em tempos: “Não existe tal coisa como sociedade. Existem homens e mulheres individuais e exis- tem famílias”.6570 Em contraste com esta afirmação ultraliberal – e também em

contraste com o individualismo metodológico, que afirma que só existem indiví- duos, a sociedade é uma realidade viva para as pessoas na Suécia. Para além disso, 69 Tradução de Érica Almeida Postiço.

ela tem conotações positivas. Nas nossas entrevistas em profundidade a 60 cida- dãos e cidadãs suecos, descobrimos que “sociedade” tem uma carga positiva para quase toda as pessoas, uma opinião partilhada por pessoas de diferentes classes e origens sociais apesar de terem diferentes opiniões sobre muitas outras coisas.6671

Quando a sociologia se desenvolveu enquanto disciplina no final do século XIX, as questões centrais eram: Como é possível a sociedade? (Simmel, 1971). Como se pode desenvolver a solidariedade social? (Durkheim, 1984). Estas continuam a ser as questões basilares a que a sociologia tem de responder. O que une as pessoas naquilo a que podemos chamar sociedade? E como manter esta união num mun- do caracterizado por uma crescente complexidade, pluralidade e individualização, onde as relações sociais estão cada vez mais interligadas naquilo a que chamamos globalização? Ou será que estes processos significam que a solidariedade social se deteriora? Por solidariedade social refiro-me aos laços que unem as pessoas umas às outras em sociedade.

A julgar pela sociologia contemporânea quase que podemos pensar que a socie- dade se encontra num processo de desintegração. A sociologia contemporânea afirma-se na conceptualização da vida social em termos de divisões e diferenças, de conflitos de interesse e de identidade, de poder e opressão, de mecanismos de segregação e exclusão social, etc. Está menos interessada em conceptualizar, e muito menos em observar, a solidariedade e o “vínculo” social que também exis- tem nas nossas sociedades modernas, complexas e individualizadas. E ainda assim, na Suécia, para a pessoa comum, a sociedade é uma realidade viva. Realidade essa que precisa de ser compreendida de forma adequada pelos cientistas sociais. Este artigo tem um duplo objetivo: primeiramente, visa conceptualizar e carac- terizar o tipo de “vínculo social” e de solidariedade que existem na Suécia con- temporânea apesar da pluralidade de modos de vida. Defendo que este tipo de ligações sociais não pode ser compreendido de modo adequado em termos de comunidade ou relações de Gemeinschaft. É mais útil a noção de “moralidade cívica” de Durkheim, que pode fazer a ponte entre os códigos morais de vários grupos sociais (Durkheim, 1992). Baseando-se em Durkheim, este artigo introduz as noções de “consciência cívica” e de “co-sentimento cívico” e argumenta que estes são componentes chave da solidariedade e da “vinculação social” num país como a Suécia. Este tipo de solidariedade não é prejudicado por uma individuali- zação em grande escala; pelo contrário, pressupõe indivíduos com um certo grau de autonomia. Isto significa que a consciência cívica é uma forma de consciência coletiva historicamente contingente, na medida em que se refere a sociedades com algumas características distintivas: Estado de direito, democracia e algum tipo de Estado-providência. Significa também que o conteúdo específico da consciência cívica, enquanto parte de um contrato social tácito, diverge entre países. Logo, em segundo lugar, este artigo propõe-se a fornecer algumas ilustrações empíricas de 71 Este artigo baseia-se no trabalho feito em conjunto com Eva Sandstedt (Jacobsson & Sandstedt,

como a consciência cívica é expressa no caso sueco. Abordo também a combi- nação específica de individualismo e coletivismo que é característica da cultura cívica sueca.

São usados muitas vezes vários indicadores comportamentais para medir a soli- dariedade para com os outros.6772 Aqui o interesse reside no caráter da “vinculação”

social, bem como nas dimensões de conteúdo da consciência cívica. Este artigo baseia-se, desta forma, em entrevistas qualitativas conduzidas em 2006 e 2007 a 60 cidadãos/ãs suecos/as pertencentes a diferentes classes sociais (trabalhado- res, trabalhadores por conta própria, empresários, estudantes, bem como pessoas desempregadas ou impedidas de trabalhar por motivos de doença), de ambos os sexos, residentes em zonas urbanas e rurais da Suécia, sendo tanto suecos naturais da Suécia, bem como “novos suecos” imigrados. Quisemos perceber o que é que as pessoas pensam sobre a sociedade, o Estado e o setor público, a cidadania, bem como as suas opiniões sobre questões de moralidade pública.

formas clássicas de teorizar a solidariedade social e integração social

A sociologia contemporânea tende a estar mais preocupada com os processos de desintegração, segregação e exclusão do que com a integração social. Exem- plo disso é o discurso pós-moderno sobre a individualização e a fragmentação. A vida social contemporânea é aqui caracterizada pela sua complexidade, plura-

lismo, incerteza e contingência – uma modernidade líquida, se quisermos citar Bauman (2000). Considera-se que a individualização resulta em fragmentação. Outro exemplo é o discurso utilitarista representado, por exemplo, pela escolha racional, que ignora por completo os mecanismos de solidariedade e reduz a vida social a cálculos instrumentais individualizados e baseados numa lógica meios- -fins. Luhmann, outro teórico, preocupa-se com a integração societal mas para si a integração social é desnecessária uma vez que a integração societal é obtida através de sistemas impessoais e autopoiéticos, tais como o sistema económico, o sistema judicial e o sistema político (Luhmann, 1982). Logo, Luhmann concebe um sistema de integração impessoal e livre de normas. O meu ponto de partida dá-se com a noção de que estas escolas de pensamento não conseguem explicar, ou talvez ignorem, a integração social que ainda parece existir no nosso mundo contemporâneo, plural e individualizado.

A sociologia clássica tem usado frequentemente pares de conceitos polarizados para capturar as relações sociais dentro da sociedade. Tönnies (2001) classificou dois tipos de relações sociais: Gemeinschaft caracterizando-se por laços intensos, fortes, 72 Por exemplo, a prontidão em doar sangue ou em doar dinheiro para fins altruístas (e.g. Wolfe, 1989). Os indicadores comportamentais também são usados regularmente para medir o civismo, tais como a discussão de políticas, a participação em grupos de voluntariado, o trabalho voluntário ou as contribuições para a caridade. Temos trabalhado de forma mais indutiva e verificámos que mesmo as pessoas que não estão envolvidas de forma ativa na sociedade civil em nenhuma destas formas expressam, ainda assim, uma consciência cívica.

frequentemente com um suporte emocional, baseando-se na espontaneidade (We-

senwille). A família é o protótipo deste tipo de comunidade. Gesellschaft (ou asso-

ciação) caracterizando-se por relações impessoais e instrumentais e baseando-se em escolhas racionais e uma atitude calculista (Kürwille). Basicamente, ao conceito de

Gesellschaft faltam laços de solidariedade, e consequentemente, uma integração so- cial. A sua forma mais comum é o Mercado. Enquanto que Gesellschaft é uma comu-

nidade de interesses, Gemeinschaft é uma comunidade de entendimento consensual (Tönnies, 2001: 23ff). O mesmo modo de pensamento é encontrado em Weber, que traça uma distinção entre as relações sociais caracterizadas por um sentimento subje- tivo – afetivo ou tradicional – a que ele chamou relações comunais (Vergemeinschaf-

tung), e as relações sociais caracterizadas por um ajuste de interesses com motiva-

ções racionais, a que ele chamou relações associativas (Vergesellschaftung) (Weber, 1994: 136ff). Também Simmel (1971: 324ff) escreveu sobre as relações impessoais

e as atitudes anónimas, reservadas e calculadas que ele julgava caracterizarem a vida moderna da cidade. Ele via a expansão da racionalidade do mercado, bem como o processo de individualização, como as principais causas por trás dessa forma de estar. Consequentemente, estes teóricos não tiveram em consideração as relações so- ciais que não se baseiam nem num relacionamento afetivo, nem num relaciona- mento instrumental. Assim, não conceberam um modo de solidariedade social e coesão que não se baseasse em relações e laços pessoais. No entanto, aconteceu o mesmo com outros sociólogos clássicos, nomeadamente com Durkheim. Argu- mentava que a vida coletiva em Gesellschaft não pode ser reduzida ao governo dos indivíduos pelo Estado. Há uma vida social em Gesellschaft que é tão natural e espontânea como a vida em Gemeinschaft mas de um tipo diferente, cujo estudo é tarefa dos sociólogos (Durkheim, 1994: 121). É este o desafio que gostaria de abraçar neste artigo.

De acordo com Durkheim, a crescente complexidade da sociedade, resultado da diferenciação funcional e da divisão do trabalho, altera os pré-requisitos para a coesão social e para a solidariedade. Durkheim (1984) usou o conceito de soli-

dariedade mecânica para captar a coesão social nas sociedades tradicionais, que

se caracterizam pela sua homogeneidade e se mantêm unidas por fortes valores e normas comuns e por uma forte consciência coletiva. Usou o conceito de soli-

dariedade orgânica para captar a coesão social numa sociedade funcionalmente

diferenciada, que é caracterizada mais pelas diferenças do que pelas semelhanças. Aqui a consciência coletiva é fraca. A divisão do trabalho cria uma interdepen- dência entre os indivíduos mas também uma maior consciência dessa interdepen- dência, que une as pessoas entre si. Durkheim afirmou: “Se a divisão do trabalho cria solidariedade (…) é porque cria entre os seres humanos todo um sistema de direitos e de deveres que os une de forma duradoura” (1984: 337f). Argumentava que com a divisão do trabalho os indivíduos tornam-se ainda mais dependentes da sociedade. Torna-se necessária uma moralidade de cooperação.

Os conceitos de Durkheim (solidariedade mecânica e orgânica) tornaram-se clás- sicos e ainda assim Durkheim nunca regressou a eles após o seu primeiro livro.

Continuou, no entanto, interessado na coesão social em sociedades socialmente complexas. Em Professional Ethics and Civic Morals (1992), salientou o papel do Estado para a coordenação geral e a regulação moral da sociedade. O Estado deve ser responsável pela sociedade no seu todo. Uma tarefa importante é “despertar o indivíduo para um estilo de vida moral” (1992: 69), isto é, agir no sentido de manter a solidariedade social, garantindo ao mesmo tempo a salvaguarda dos di- reitos individuais. “A nossa moral individual, longe de ser antagonista do Estado tem sido, pelo contrário, um produto do mesmo” (Durkheim citado em Giddens, 1978: 59). Durkheim via também o Estado como um veículo para a reforma social,

através da promoção da igualdade de oportunidades.

Durkheim (1992) traçava uma distinção entre uma moralidade específica de um grupo (que ele associava aos grupos profissionais) e uma moralidade cívica mais genérica que regula as relações entre o Estado e os seus cidadãos. Assim, mesmo que a moralidade numa sociedade complexa seja, em parte, específica para várias funções sociais, há também uma moralidade mais genérica e que pode unir vários grupos sociais. Esta moralidade “que faz a ponte” consiste em ideias, ideais e nor- mas relativas ao que significa ser cidadão/ã de um determinado Estado. Segundo Durkheim, o Estado e os seus cidadãos/ãs têm obrigações uns para com os outros. Nesta perspetiva, há um sistema de normas que pode unir as pessoas em socieda- des complexas e de grandes dimensões, mesmo que esse sistema de normas tenha de ser ancorado na lei para garantir uma coordenação societal bem-sucedida. O papel da lei é o de proteger e fazer cumprir essas normas para a cooperação entre estranhos que, sendo diferentes, são iguais entre si. Se pretendermos compreender a integração social na Suécia contemporânea, é útil afastarmo-nos da noção de moral cívica capaz de ligar entre si diferentes grupos sociais.

Rumo a uma conceptualização dos mecanismos de solidariedade social

Era comum entre os clássicos a tendência de associar os laços sociais e a solida- riedade a relações pessoais, enquanto se considerava a Gesellschaft apenas cara- terizada pela instrumentalidade, sendo Durkheim a notável exceção. No entanto, a solidariedade ainda é muitas vezes associada a relações de Gemeinschaft, i.e. a comunidades “fortes”, como a família, a vizinhança ou grupos da sociedade civil. Isto é obviamente o caso da tradição comunitária (por exemplo, Etzioni, 1993), mas também de Putnam (ver por exemplo Putnam e Feldstein, 2003). Outros veem a comunidade como romântica e reacionária (Bourdon e Bourricaud, 1989). O que quero dizer é que é um erro conceptual presumir que a coesão social precisa de ter um caráter de Gemeinschaft. O meu ponto de partida é o mesmo que o de Durkheim: existe uma vida moral e social também nas sociedades modernas, de grandes dimensões, complexas e individualizadas, mas trata-se de um outro tipo de relações sociais e obrigações concomitantes que não as de uma comunidade for- te.6873 Eu argumento que a integração social numa sociedade complexa, diferenciada

e individualizada, como é o caso da sueca, não consiste num sentimento de união ou de comunidade baseado em semelhança e proximidade. Em vez disso, trata-se de uma questão de relações abstratas e anónimas entre os cidadãos/ãs, de um tipo muito diferente do de Gemeinschaft. Em vez de pressupor uma relação cara-a-cara, os laços são baseados em não-encontros ou em encontros temporários.

A investigação sobre a integração social que enfatiza os sentimentos de pertença e de comunidade enquanto base para a coesão social e solidariedade é incapaz de captar a natureza do “contrato de solidariedade” em sociedades modernas, de grandes dimensões e complexas. Ao invés, a integração social num país como a Suécia baseia-se, e pressupõe, uma forma específica de consciência cívica. A consciência cívica consiste em ideias e normas sobre o que é exigido a um/a cidadão/ã, mas também num conjunto de sentimentos sobre os direitos e deveres associados à cidadania. Torna-se claro que a noção de consciência cívica também envolve sentimentos quando consideramos as reações dos/as cidadãos/ãs quando sentem que houve uma violação do contrato social, como acontece por exemplo nos casos de escândalos políticos. São comuns as manifestações de indignação coletiva na Suécia contra aquilo que se consideram serem os privilégios dos polí- ticos, contra políticos que não pagaram a licença de televisão obrigatória ou que contrataram serviços domésticos “por baixo da mesa” (ver Jacobsson & Löfmarck, 2008; Jacobsson & Sandstedt, 2005). As manifestações de indignação coletiva são interessantes de um ponto de vista sociológico uma vez que revelam uma ordem moral que é normalmente invisível e de caráter assumido.

A consciência cívica é a tomada de consciência do papel de cidadão, muito dife- rente de outros papéis sociais das sociedades funcionalmente diferenciadas. Impli- ca a inclinação para raciocinar a partir da perspetiva daquele papel em particular, i.e. implica uma certa mudança de papel relativamente a outras identidades. Assim, compreendo o papel de cidadão como uma disposição social e moral ou um modo de pensar. Importa aqui notar que o papel enquanto cidadão é mais amplo que a sua relação com o Estado. Este papel também implica relações e obrigações para com outras pessoas. Teoricamente, isto pode ser relacionado com a noção de es- fera pública de Habermas (Habermas, 1989), que é uma Öffentlichkeit de pessoas privadas. A cidadania é aqui uma noção teórica que liga o indivíduo ao Estado, mas também relaciona o indivíduo a outras pessoas privadas na sociedade civil. Em sueco há inclusive um conceito para isto, samhällsmedborgare, que significa literalmente “cidadão da sociedade”. Não tem, curiosamente, equivalente noutras línguas, onde a cidadania se refere à relação entre o indivíduo e o Estado.

A consciência cívica baseia-se naquilo a que podemos chamar de co-sentimento cívico (a partir de Segerstedt, 1938). Para Segerstedt, o co-sentimento decorre da vivência numa esfera de normas partilhadas. No entanto, este era um conceito mais geral do discurso público na Suécia da década de 40 do século XX. O primeiro

dominava a instrumentalidade. Para ele, a vida política nacional baseia-se em lógicas coletivas e não em deveres (Tönnies, 2001: 257).

ministro sueco Per Albin Hansson, no seu conhecido discurso sobre “A Casa do Povo”, falou do co-sentimento dos cidadãos, bem como do “lar dos cidadãos”, referindo-se assim a um sentimento de pertença e de comunidade entre os cida- dãos, implicando uma responsabilidade partilhada pela casa que pertence a todos. Sem dúvida que o uso que Hansson dá ao conceito demonstra uma valorização de- masiada das relações de Gemeinschaft. Para mim, o co-sentimento refere-se a um sentimento de pertença (um estar junto) sem quaisquer conotações com Gemeins-

chaft. Diz respeito a relações sociais de um tipo diferente das comunidades como

a família, vizinhanças, amizades, i.e., as pessoas que conhecemos de grupos pri- mários. Em vez disso, esta categoria engloba todas as pessoas de quem ouvimos falar ou vemos através dos mass media, dos livros, da Internet, etc., i.e., pessoas com as quais temos uma relação anónima e impessoal. É um co-sentimento de ou- tros anónimos que estão ligados ao Estado enquanto cidadãos/ãs do mesmo, mas também ligados entre si enquanto membros da sociedade (enquanto “cidadãos da sociedade” para usar o conceito sueco). É uma forma de “comunidade imaginada” para referir Anderson (1991), embora não necessariamente relacionada com nação ou nacionalismo. Além disso, não se trata apenas de uma comunidade abstrata. Estas relações com outros anónimos atualizam um tipo de moralidade – embora minimalista, consistindo em códigos morais, obrigações e normas que cabem aos cidadãos seguir, de acordo com a consciência coletiva e cívica. (Isto não quer dizer que todas as pessoas agem de acordo com tal moral cívica. O comportamento real baseia-se sempre numa mistura de motivos, interesses pessoais e normas a seguir, e é, muitas vezes, decidido por fatores contextuais e contingentes e por restrições.) Resumidamente, sugeri que nem o conceito de comunidade (Gemeinschaft) nem a solidariedade orgânica de Durkheim são capazes de captar as relações sociais e o “vínculo” social da sociedade sueca contemporânea. Para isto são necessários outros conceitos. Eu propus o conceito de “consciência cívica” e o respetivo “co- -sentimento cívico” como categorias sociológicas. Estas apontam para uma de- terminada racionalidade cidadã que funciona como uma (fraca) ligação e uma força vinculativa na sociedade sueca. Darei agora algumas ilustrações empíricas de forma a sustentar o que disse.

A consciência cívica enquanto consciência societal

Durkheim afirmou que “A sociedade é, acima de tudo, a consciência do todo” (citado em Bellah, 1973: xlii). Os nossos inquiridos de várias formas exprimem aquilo que interpretamos como sendo uma consciência societal, compreendida como uma tomada de consciência - e uma preocupação com - a sociedade em ge-

ral, e um sentimento de pertença a esse todo. A sociedade, tal como é compreen-

dida por estas pessoas, é formada por todos e não por um grupo social específico. A sociedade somos “nós” e “toda a gente”. “Toda a gente” parece ser o conceito chave da consciência societal na Suécia que expressa uma norma de universali- dade. É, no entanto, uma universalidade que termina nas fronteiras da Suécia. Os inquiridos ainda percecionam uma sociedade nacional em vez de internacional ou europeia.

Quando Alexander escreve sobre a solidariedade enquanto “o sentimento de liga- ção aos outros, de pertença a algo maior do que nós próprios, um todo que impõe obrigações e permite-nos partilhar convicções, sentimentos e cognições […] e que respeita as nossas personalidades individuais mesmo quando nos dá a sensação de