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C. Workshops de literacia para a liderança de mulheres

2. Metodologia: Aprendizagem pela conversa

É com palavras e atos que nos inserimos no mundo humano; e esta inserção é como um segundo nascimento, no qual confirmamos e assumimos o facto ori- ginal e singular do nosso aparecimento físico original. Não nos é imposta pela necessidade, como o labor, nem se rege pela utilidade, como o trabalho. Pode ser estimulada, mas nunca condicionada, pela presença dos outros em cuja com- panhia desejamos estar; o seu ímpeto decorre do começo que vem do mundo

quando nascemos, e ao qual respondemos começando algo de novo por nossa própria iniciativa (Arendt, 2001: 225).

2.1. Literacia de mulheres

Era objetivo do Programa Literacia-Mulheres-Liderança elaborar novas pro- postas educativas. Partindo do (meu próprio) passado de trabalho em projetos de conscientização de mulheres no GRAAL e viajando através da mais recente experiência de literacia para a liderança nas iniciativas realizadas no âmbito da Fundação Cuidar O Futuro, é pertinente perguntar se conseguimos ser inovadoras. As perguntas formuladas em 2005 (Koning, 2006: 241) foram:

Tabela 2. Temáticas de investigação reformuladas em 2005

Literacia de mulheres

• O que pretendemos com os projetos e programas só com mulhe- res? Que possíveis novos sentidos a construir?

• Que literacia de mulheres para a liderança é precisa?

• Que adequação fazer de dispositivos educativos em domínios como a liderança de mulheres, para que possam ser constitutivos do continuum da conscientização?

Nesta minha publicação – e olhando “ao espelho do meu próprio texto” (Emme- rik, 2009: 190) – encontro uma resposta para fundamentar o sentido de ambas as metodologias de literacia de mulheres para a liderança: tanto da metodologia da conscientização, como da aprendizagem pela conversa, que constitui, a meu ver, neste momento a sua “adequação”.

É importante situar o «processo de aprendizagem a partir da experiência» numa perspectiva critico-analítica (dizer “o que pode e deve ser”), que completa a di- mensão hermenêutica (dizer “o que é ou está sendo”) e estas duas com uma tercei- ra dimensão (dizer “o que podemos fazer para mudar”). Assim, num trabalho de

formação de mulheres, a conscientização é o método por excelência para realizar o

que Braidotti (1996) diz ser a questão central: “Como criar, legitimar e representar uma grande diversidade de formas alternativas da subjectividade feminista” para que as mulheres possam construir “genealogias alternativas” (p.32) e fazer um «trabalho contra», um trabalho de re-socialização?

A filosofia da conscientização de Freire [e a metodologia de aprendizagem pela conversa de Baker, Jensen & Kolb] partem do sujeito concreto num contexto e num tempo concretos, sintonizam com a tarefa definida por Braidotti. Segundo esta autora (1996:33) é preciso uma “política de tempo e de lugar” («politics of location» de Adrienne Rich), que define sempre a experiência e que forçosamente passa por uma “perda de unidade” e de uma “fragmentação” do Sujeito-Mulher nas suas múltiplas novas pertenças.

gerais sobre «a Mulher»” e para simultaneamente “desenvolver a tentativa teórica de reconhecer as múltiplas diferenças entre as mulheres (…). A consciência de estar situado conduz à escrita de histórias alternativas” (Braidotti, 2004: 59). E Maria de Lourdes Pintasilgo (2005) constata: “Adrienne Rich (…) não hesita em afirmar que só a narrativa das condições de vida das mulheres permite descrever o mundo, nar- rar a sua história e influenciar outras mulheres” (p.178). Permite partir dos factos, dos condicionalismos materiais (Koning, 2006: 85).

2.2. Literacia de mulheres e homens

No projeto Literacia para a Igualdade de Género e a Qualidade de Vida: Lideranças

Partilhadas os workshops realizaram-se em grupos de mulheres e homens, embora

nos 15 workshops tenham participado apenas 30 homens num total de 248 participan- tes. No quadro seguinte apresenta-se a estrutura do programa de um workshop sobre o Reinventar de Lideranças, com a metodologia de aprendizagem pela conversa:

Quadro 4: Programa do Workshop

Introduzir a Igualdade de Género no Reinventar de Lideranças 10h00 – Receção dos/as participantes

10h15 – Introdução ao projeto e sua metodologia de trabalho: aprendizagem pela conversa 10h30 – Lideranças a partilhar: Apresentação dos/as participantes e suas experiências

– Contextos por onde passei

– Como e quando as temáticas da liderança e igualdade de género me começaram a interpelar

– O que espero deste workshop 11h30 – Pausa para café

11h45 – Conversa: Reflexão sobre as experiências de liderança a partir de textos de apoio Primeiro tomar um momento para escrever individualmente, e depois conversar em pequenos grupos a partir das conversas da manhã e dos textos de apoio para responder às questões:

– O que entendo por liderança?

– Quais as relações que encontro entre este conceito e o de igualdade de homens e de mulheres?

– Quais são os principais desafios/obstáculos quotidianos ao exercício partilhado da liderança?

– Que papel têm as minhas práticas na sustentação/transformação destas realidades? 13h00 – Almoço

14h00 – Grupo de Discussão Focalizada 1: interação gravada em áudio – Conversa em grande grupo (metade dos/as participantes, cadeira vazia) para sistematização das reflexões e ideias partilhadas nas conversas.

14h45 – Grupo de Discussão Focalizada 2: interação gravada em áudio – Conversa em grande grupo (restante metade dos/as participantes, cadeira vazia).

15h30 – Conversa: Perspetivar os Percursos de Literacia – formular sentidos de

transformação do quotidiano com vista ao reinventar de lideranças partilhadas. 16h30 – Avaliação do workshop

Num tempo vazio de referências englobantes, o conceito literacia sintoniza-se melhor do que a conscientização com o que é “dominante” (mais técnico, menos crítico). Sintoniza-se com o vazio. Torna-se necessário objetivar o vazio, estar consciente das potencialidades dos espaços em branco (ver artigos de Ine van Emmerik nesta publicação) que o constituem, onde durante o tempo necessário podemos deixar as coisas indefinidas e esperar pelo que irá emergir. Neste tempo de indefinição, a tarefa nos espaços educativos parece ser, em primeiro lugar, a de promover a conversa.

Neste tempo de vazio a literacia e a aprendizagem pela conversa podem ser consideradas a adequação do dispositivo educativo da conscientização. A litera- cia e a metodologia de aprendizagem pela conversa são apresentadas a seguir em comparação com a conscientização e a sua metodologia. Ambas as metodologias têm mais em comum do que pode parecer numa primeira leitura. Pretendem que nos possamos inserir no mundo humano “com palavras e actos” e que esta inser- ção seja “como um segundo nascimento” (Arendt, 2001).

Para elaborar esta “comparação”, dei voltas nómadas por textos já publicados (Koning, 2005; 2006; 2009).

2.3. Filosofias e Metodologias em comparação Filosofia da Conscientização

A conscientização é o processo educativo que permite ao indivíduo desenvolver uma consciência crítica ativa e integrar-se de uma forma crítica numa ação de transformação.

conscientização é antes de mais um acto de conhecimento. Implica a revelação gra- dual da realidade (...). A conscientização não pode basear-se numa consciência iso- lada do mundo; ela é a expressão do processo dialéctico entre consciência e mundo. A conscientização destrói a convicção de que é no foro da consciência que se opera a transformação do mundo; torna claro que é no próprio mundo, na história e na prática vivida que o processo de transformação é real (Freire, 1971, citado em Ko- ning, 2006: 70).

Sendo a palavra “verdadeira”, ação e reflexão (Freire), é preciso (aprender a) dizer a palavra para que ela possa transformar o mundo. Multiplicar as palavras, en- tendidas como palavra e ação, para que as pessoas possam pronunciar o mundo e participar na sua transformação.

A conscientização é um conceito político e mais denso filosoficamente do que a literacia e por isso mais “cheio”.

Sem diálogo “não há comunicação e sem esta não há verdadeira educação” (Freire, 1972: 119, citado em Koning, 2006: 72).

Filosofia da Literacia

A literacia indica um processo fluido de aprendizagens sucessivas, um “processo permanente e contínuo de evolução” (Damásio, 2001: 127) na aquisição de com- petências, não apenas de escrita e leitura ou de outras formas de representação, por exemplo visual e mediática (Ibid.: 125), mas também a competência de ação política na polis, como fim em si, possibilitando o treino das competências de falar e agir, de pensar com outros e outras.

A literacia é um conceito técnico e mais abrangente, mas mais “vazio” politica – e filosoficamente do que a conscientização.

Baker, Jensen e Kolb (2002, citados/as em Koning, 2009: 88) fazem uma distin- ção entre diálogo e conversa. O diálogo é caracterizado por “vozes em oposição à procura da verdade”, uma definição que enfatiza a fala, a compreensão e a troca de ideias diferentes.

No diálogo exploramos todas as complexidades da reflexão e da linguagem. Na conversa os aspetos emocionais são mais enfatizados. O foco está mais na compre- ensão humana do que no aumento de conhecimento teórico e técnico. A conversa não é tanto um método mas antes uma experiência em que as pessoas participam.

Metodologia da Conscientização

A metodologia de conscientização implica ler o mundo, codificar problemas e construir os desafios necessários para poder seguir corretamente (e disciplinada- mente) o processo de descodificação. Significa seguir um caminho para tomar consciência de uma problemática, de agir e intervir, de mudar (uma parte do) mundo. É indicada para grupos que partilham um mesmo universo temático e se confrontam com problemas comuns.

Metodologia da Aprendizagem pela Conversa

O processo de Aprendizagem pela Conversa de Baker, Jensen & Kolb (2002) pro- porciona um espaço educativo fluído, porém estruturado, um espaço adequado para aprofundar a consciência, para desfazer ideias feitas e fazer circular novas ideias. A metodologia consiste em “processos de aprendizagem existenciais e morais que

estão em relação direta com questões técnicas e organizacionais de processos de pro- dução satisfatória, de boa gestão e de prestação adequada de serviços” (Kunneman, 2005: 113, citado em Koning, 2009: 96). É uma forma narrativa de produção de co- nhecimento, que Kunneman intitula Modus 3 e que completa as duas outras formas de produção de conhecimento Modus I e Modus II (Gibbons e Nowotny, referidos em Kunneman, 2005): Modus 1: produção de conhecimento científico em contexto aca- démico, disciplinar e controlada internamente. Modus 2: produção de conhecimento tecno-científico, em função das práticas, controlada por diferentes stakeholders.

Metodologia da Conscientização

O processo de conscientização desdobra-se em três fases (Koning, 2005: 96 – 101): A – Recolha do universo temático (do grupo/população em causa);

B – Devolução (ao grupo) da situação identificada; C – Acção transformadora.

Estas fases constituem uma unidade, que recomeça sempre de novo, procurando atingir de cada vez níveis mais profundos:

A – Recolha do universo temático

• Investigação temática ampla à volta do grupo social a ser abrangido • Investigação temática abrangendo já futuros/as participantes • Investigação temática com os/as participantes durante as sessões

B – Devolução da situação identificada

A segunda fase do processo consiste em analisar a situação que o grupo vive, para que, compreendendo-a, possa transformá-la.

Há dois momentos distintos:

1. A codificação consiste em tornar objetiva uma situação comum aos partici-