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E AgÊNCIA PARTILHADA

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inevan emmerik Resumo

Promover processos de literacia no contexto profissional implica desenvolver competências para enfrentar a complexidade, abrandando e colocando a questão “O que estamos de facto a fazer?”. Esta questão inicia um processo de compre- ensão não-linear, em que novos insights podem surgir. Espaço em branco é um conceito na literatura que indica o branco entre as linhas que fazem parte do texto. Neste artigo é uma metáfora para a fase de transição entre a ordem e a surpresa que é inerente ao processo de compreensão não-linear. A intervisão é um método adequado para facilitar este processo. É uma forma de trabalho em que os pares, numa base mútua, fornecem feedback crítico e apoiante no intuído de melhora- rem as suas competências profissionais. Facilitar o processo de intervisão é como conduzir um processo de aprendizagem pela conversa e também requer certas competências. Não é tanto uma forma de liderança partilhada na ação, mas antes uma forma de agência compartilhada, onde cada participante contribui para a hos- pitalidade em ação.

Palavras-chave: Intervisão, espaço em branco, liderança partilhada, agência par-

tilhada, amigo crítico, hospitalidade, aprendizagem (pela conversa), profissiona- lismo fraco, literariedade.

Introdução

Este artigo explora as questões do espaço em branco, da intervisão e da literacia em ligação com o conceito de liderança partilhada que vem a ser descrito neste li- vro. Este texto integra contribuições da investigação que realizo atualmente sobre o espaço em branco e a literacia profissional, no âmbito do meu doutoramento, e contribuições dadas anteriormente para o projeto Lideranças Partilhadas.5257

56 Tradução de Érica Almeida Postiço.

57 Literacy of women for leadership, the journey of a friendship (2009), In: Eunice Macedo e Marijke de Koning (Orgs.); Coaching and learning, conferência, junho 2010, Porto; e Workshop Intervi-

Profissionalismo frágil e literacia

Como encontrar palavras para intuições morais em situações laborais com- plexas e depois de o fazer como decidir o que é melhor fazer? As dimensões existenciais e sociais do trabalho estão intimamente ligadas e influenciam-se mutuamente. Há uma grande mudança em curso na sociedade: o trabalho está a deixar de ser uma função para passar a ser um papel pessoal, um papel que está muito ligado às características particulares de cada pessoa. Com base nes- te desenvolvimento, Furrusten (2003) introduziu o conceito de profissão frágil. Uma profissional frágil tem de encontrar o seu caminho no meio da tensão que ocorre entre dois pólos: ela é cada vez mais forçada a encontrar o seu próprio caminho entre a pressão de sistemas de controlo cada vez mais restritivos. Estes sistemas baseiam-se em conhecimento “duro” e deixam muito pouco espaço para o aspeto vulnerável da condição humana, na qual o conhecimento “mole” é importante. Estas práticas de conhecimento “mole” no trabalho adquirem um modo específico de aprendizagem: aprendizagem existencial. Kunneman rela- ciona esta aprendizagem (modo de aprendizagem 3) aos outros dois modos para desenvolver conhecimento: o modo de aprendizagem 1, o discurso académico, e o modo 2, o modo profissional. Estas práticas têm a ver com as formas “duras” de aprendizagem.

Descobrir qual é a coisa certa a fazer numa situação de trabalho complexa é muito exigente. Requer que abrandemos o ritmo e, muitas vezes, que exploremos valores pessoais mais profundos. Depois as palavras são encontradas numa espécie de balbuciação. Maria de Lourdes Pintasilgo (1980: 20) refere-se a este fenómeno quando fala do segundo nascimento no discurso.

Abordar realmente a questão básica que Arendt levanta na introdução de A

Condição Humana, “O que estamos a fazer?”, e com isso encarar a complexidade,

é um movimento ético que se faz apenas de forma lenta e com grande esforço.53 58

uma tendência crescente na sociedade para procurar o controlo no conhecimento “duro” sem que haja uma ligação ao conhecimento “mole”, existencial e moral,

que precisa de fazer parte da investigação (Kunneman, 2005). As descrições de práticas profissionais mostram que este movimento ético é um processo de apren- dizagem de compreensão não linear (Witteman, 2010; Marks-Tarlow, 2008; Sachs, 2009). Esta aprendizagem tenta fazer justiça à pluralidade da vida humana, na qual o conhecimento é procurado para o momento presente, para este caso, para

esta pessoa em relação a um desafio profissional. Isto faz um apelo ao curriculum

vitae oculto do profissional frágil, onde o conhecimento existencial, em relação à moralidade e o que significa ser humano, está velado.

Mas como podemos explorar esta prática, como podemos ler um curriculum vitae oculto? Isto requer a competência de ler o branco nas entrelinhas da nossa própria vida. Buikema (2006) introduz o conceito de literariedade. As pessoas experienciam 58 Cilliers (2005), fala do ponto onde dizemos: “We are in trouble”.

o “real” quando a vida não lhes corre como esperavam. Há uma experiência de rutura com as expectativas estabelecidas. O momento literário ou artístico é a imitação desse processo. O branco dá espaço ao leitor para “dar sentido” e esse é um trabalho difícil (Dijk, 2006).

Procuro investigar como o conceito de literariedade, que Buikema introduz, pode ser aprofundado e desenvolvido numa filosofia sobre as práticas de aprendizagem de profissionais quando estes têm de lidar com questões complexas e precisam de integrar o conhecimento existencial “mole” no conhecimento “duro” já adquirido. Isto acontece em práticas de aprendizagem onde existe espaço para o desenvol- vimento de um profissionalismo frágil, espaço para uma literacia profissional. A literacia não é apenas sobre a aprendizagem, é também sobre a capacidade de aprender. Porque a literacia em contexto de trabalho edita um “texto” no sentido lato (prosa / poesia / arte / música / filme / uma conversa com alguém), que desem- penha o papel de mimese do inesperado, um texto que desafia um processo não linear que abre espaço para encontrar palavras para julgamentos morais.

Espaço em branco

Parte da metodologia nesta fase da investigação consiste em usar a metáfora es-

paço em branco (whitespace) como conceito sensibilizante. É um conceito com

várias camadas, pelo que abre espaço a investigações futuras. Ao mesmo tempo funciona como uma espécie de contentor para a teoria, a prática e novos insights. Refere-se ao conhecimento que emerge das entrelinhas de uma narrativa de vida. E refere-se ao lugar no tempo e no espaço que é necessário para permanecer com aquilo que ainda é indefinido. Este lugar, o espaço em branco na fase de transição entre a ordem e a surpresa, deixa espaço para a emergência de conhecimento em questões complexas. E, por último, estabelece uma ligação natural às teorias da arte e da literatura. Descrevo-o da seguinte maneira:

Trabalhar no espaço em branco

“Espaço em branco é espaço vazio”, disse uma vez um cliente a um designer gráfico. Ele nunca esqueceu aquelas palavras, pois não concordava com elas. Ele sabia, por experiência própria, que o espaço em branco mexe, de forma ativa e passiva, nas imagens e nas palavras. É por isso que pintores e poetas o sabem há séculos. “Espaço em branco é espaço vazio”. As pessoas que trabalham em empresas concor-

dariam com esta afirmação. O espaço em branco, quer no tempo, quer no espaço, é vazio, inútil, não é produtivo.

Eu discordo. O espaço em branco, o espaço para deixar as coisas indefinidas por algum tempo, criando espaço para aquilo que possa surgir, é algo que está a de- saparecer cada vez mais das organizações, tal como da sociedade em geral. No trabalho, as pessoas que têm de gerir situações complexas têm cada vez menos oportunidades para abrandar o ritmo. Para discutirem e refletirem na melhor forma de lidar com as questões complexas quando disso precisam. Há uma forte tendência para “lidar” com a complexidade através do controlo: procedimentos, leis, sistemas. O espaço em branco não é inatividade e não é um luxo. É essencial para lidar com questões lentas. É essencial para ter em conta que trabalhar e organizar são

atividades humanas, nas quais as pessoas não são uma categoria mas uma pluralida- de. Isto significa que aquilo que há de único em cada um de nós possa ter o espaço de que necessita.

Num sítio onde não há espaço para falar e para investigar a complexidade do tra- balho, espaço para criar novos significados nas palavras e entre elas, espaço para o surgimento de novo conhecimento, o jogo da linguagem dominante funciona como uma prisão.

Isto significa que o espaço em branco também tem uma dimensão ética. Funciona assim como um espaço performativo para os processos de aprendizagem existen- ciais e morais, em relação direta com questões técnicas e organizacionais.

Intervisão e facilitação

Quer o coaching, quer a intervisão são espaços em branco no sentido que já defini. Estão ambos a criar espaço no tempo e no espaço para explorar o branco que há entre as linhas da narrativa de vida de um profissional. Na comunicação realizada em de junho de 20105459 explorei coaching e aprendizagem. Neste artigo quero fazer

alguns comentários sobre intervisão e aprendizagem.

Uma definição corrente para intervisão é: “Acordo no qual os pares fornecem fee- dback crítico e apoiante, numa base mútua, para melhorarem as suas competências profissionais”.

Essas competências podem ser melhoradas de várias formas. Um aspeto importante é o desenvolvimento de um profissionalismo frágil, onde os partici- pantes são convidados e apoiados a procurar o conhecimento existencial “mole”, que conseguem ler nas entrelinhas da sua própria biografia. Para esse aspeto do processo de aprendizagem é essencial estar ciente do facto de que a intervisão é uma forma de criar um espaço em branco para os participantes.

É um espaço entre a esfera pública (trabalho) e a privada, onde todos podem ex- plorar livremente a forma de lidar com problemas de trabalho.

A intervisão é também um espaço no tempo, onde os participantes podem abran- dar o ritmo. É um espaço para ler nas entrelinhas dos problemas abordados, onde se podem exprimir intuições morais, que ajudam a encontrar a melhor forma de agir.

Para o/a facilitador/a, o foco principal está em como manter o equilíbrio certo entre estrutura e “nada”, entre palavras e silêncio. É preciso haver fronteiras e é preciso haver espaço livre. É como um espaço em branco real: o branco não quer dizer nada sem o texto à sua volta, e o texto ganha significado (subtexto) com o branco. Há uma dinâmica em curso, uma transição constante entre a ordem e a surpresa. As cinco dimensões da aprendizagem pela conversa são de uma importância essencial (Kolb, Baker, & Jensen, 2005).

59 Conferência de Lançamento do Projeto Lideranças Partilhadas intitulada Coaching and Learning – proferida a 14 de junho de 2010

1. Conhecimento integrado: há um equilíbrio saudável entre a experiência do mo- mento presente e o conhecimento conceptual que se refere ao exterior, ao passado? 2. Praxis: na reflexão sobre as experiências práticas de participantes é preciso haver um equilíbrio entre ação e reflexão.

3. Não foque a conversa naquilo que está a fazer mas também naquilo que está a ser. 4. Intersubjetividade: há na conversa espaço para as necessidades dos indivíduos e para as relações entre cada participante?

5. Hospitalidade: há lugar tanto para o status (respeito pela integridade de cada pessoa presente) e para a solidariedade?

Estas cinco dimensões podem ser ouvidas nas vozes de profissionais que são faci- litadores experientes da intervisão, quando refletem sobre o seu trabalho.

A intervisão é um lugar para procurar um novo equilíbrio entre o privado e o pesso- al, um lugar para experimentar e refletir sobre novos comportamentos. No processo de partilha com os outros aprendemos mais sobre nós mesmos e mais sobre os outros. Ao mesmo tempo, reconhecemos que outros pontos de vista são possíveis. A intervisão deveria estar mais integrada na vida quotidiana, na educação, na família. Dá um contributo para uma maior auto-consciência (Anne Heppe).

Há espaço e atenção à relação entre os participantes, a partir de uma consciência de que esta relação está de facto a funcionar. O outro na conversa é como que um texto que pode ser lido, quer nas suas palavras, quer no espaço em branco. Este espaço permite aos participantes ficarem numa zona de transição entre o bal- bucio e a fala, entre a mudez e a linguagem; permite-lhes experienciar um “segun- do nascimento no discurso”.

A intervisão é um processo performativo, o conhecimento desenvolve-se enquanto se conversa sobre o aqui e agora da interação a decorrer entre os participantes. Desta forma, a intervisão pode dar um contributo para o desenvolvimento do pro- fissionalismo frágil; os participantes conseguem assim ler nas entrelinhas da sua narrativa pessoal.

Quando nos focamos no aqui e agora, ele dá-nos muito. Perguntando frequentemente aos outros: “como te sentes, aqui, neste momento, sentada nesta cadeira?”. É como uma arte: tudo se abre e torna-se mais transparente. Deixar as coisas como elas estão cria uma consciência sem limites (Mirjam Klein Wassink).

Liderança partilhada ou agência partilhada?

Dijkstra e Feld (2011) definem liderança partilhada como um processo social que acontece em grupos de trabalho. Neste processo, as posições de liderança alteram-se de acordo com as necessidades da situação. É um processo de co- -criação. Com base nessa definição, pode-se dizer que a intervisão é liderança

Eu prefiro falar de agência partilhada. A palavra liderança ainda implica, mais ou menos, um papel onde alguém lidera, onde alguém assume responsabilidade pela criação de condições para o desenvolvimento humano, mesmo quando este papel de liderança muda regularmente de uma pessoa para outra. O espaço em branco da intervisão é dar espaço para o desenvolvimento da capacidade de nos regularmos a nós próprios, o segundo nascimento através do discurso é uma expressão da na- talidade humana. Ao mesmo tempo, todas as pessoas assumem responsabilidades pelo desenvolvimento do(s) outro(s).

A intervisão requer uma agência partilhada de todos os participantes para garantir a qualidade do processo em grupo. Todos agem para com os outros como amigos críticos. O que quer dizer: dar apoio, empoderamento e desafiarem-se uns aos outros através de questões provocadoras. Um amigo crítico é alguém que nos dá informação para que possamos olhar as coisas de forma diferente. Quando criticamos o outro na qualidade de amigo, não há julgamento, mas pode haver um

feedback que mostra um conflito entre as nossas ações e as nossas palavras, coisa

que melhora a qualidade da nossa autorreflexão. Dizendo-o de forma sucinta: a intervisão é uma forma de hospitalidade em ação.

Quero concluir com um poema que escrevi durante uma conversa com colegas a respeito da intervisão. Usando técnicas de escrita criativa, criei uma “bola de neve”. Cada linha tem uma palavra a mais que a anterior. Tal como o processo de aprendizagem numa conversa.

Intervisão Aprender juntos/as Há questões pessoais Mas um objetivo comum

Encontrar palavras que podem ajudar Aprender a lidar com a confusão Por um tempo curto mudar de ritmo

Porque há espaço para aceitar que isto acontece

Comprometer-se com a aprendizagem pessoal e a do/a outro/a

Desenvolver um estilo próprio, a própria sabedoria, juntos/as construir éticas

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Leitura complementar

- A practical guideline on intervision by an NGO, UNODC: Intervision guideli-

nes. http://www.unodc.org/documents/balticstates//Library/PharmacologicalTre- atment/IntervisionGuidelines/IntervisionGuidelines.pdf

- Network leadership in action: What does a critical friend do? National college for school leadership. http://networkedlearning.ncsl.org.uk/collections/network- -leadership-in-action/nlg-what-does-a-critical-friend-do.pdf

VITAMINA C PARA COMUNIDADES