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Conforme exposto anteriormente, os Conselhos Setoriais e Representativos municipais de políticas públicas são uma forma de envolvimento da população que se desencadeia em uma nova caracterização da participação popular em São Paulo.

De acordo com os princípios da democracia participativa, os Conselhos, desde que tenham prerrogativas deliberativas e não apenas consultivas, desatreladas do poder do Estado, são umas das formas de se exercer o direito constitucional à participação.

Aldaíza Sposati (2002: 76),defende que,

“Esta experiência fortalece uma postura que tenho adotado em relação aos chamados conselhos. Para mim, os conselhos de representantes,.., devem realmente pertencer a esfera publica não estatal. Eles não podem ser dependentes da Prefeitura. Devem ser parte da esfera da sociedade civil, com atribuições claramente definidas, não podendo ser limitados pela administração municipal. Em minha leitura, são estruturas que pertencem à esfera publica e democrática.”

Na declaração de Sposati, a afirmação de que os Conselhos “não devem estar atrelados à esfera pública estatal”, trouxe a tona do debate qual o grau de autonomia dessa modalidade de participação popular.

Os modelos de Conselhos Setoriais e Representativos existentes na cidade paulistana trazem limitações ao permitir em sua composição representantes do governo municipal com poderes decisórios, que, certamente foi o que Sposati estava se referindo, tendo em vista que a criação deles é prerrogativa da esfera pública estatal.

Tótora (2001: 148) define que esses conselhos populares surgidos a partir da década de 1990, no Brasil, diferem dos modelos clássicos que foram estabelecidos nos países europeus e no antigo regime socialista. Esses “novos” conselhos, segundo a autora, “combinam mecanismos de participação direta com as formas tradicionais de representação política”, fazendo com que a política tradicional liberal passe a institucionalizar a participação popular dentro do aparelho estatal.

A autora afirma que,

“Os mecanismos diretos de intervenção da sociedade civil, dentre eles os conselhos, foram defendidos como estratégia de modernização. Nesse caso, a sociedade partilharia o ônus da responsabilidade de gerir bens públicos.” (Tótora, 2001, 149).

Chaia e Tótora em uma pesquisa realizada nos anos de 2000 e 2001 abrangendo cinco municípios da região metropolitana de São Paulo, abordando os Conselhos Municipais de Saúde, da Criança e do Adolescente, Educação e Assistência Social, destacam que “os aspectos convergentes dos vários conselhos foram afetados pela descontinuidade administrativa e política em dez anos de gestões municipais radicalmente diferentes” (Chaia e Tótora, 2004). 11

As referidas autoras concluem que a força da mobilização popular da década de 1980 não foi transferida para a atuação dos conselhos devido ao “alto poder de influência dos Executivos sobre as decisões dos conselheiros” (Chaia e Tótora, 2004: 218).

11 A pesquisa foi realizada através da aplicação de um questionário e a abordagem de campo através de

Foi detectado na pesquisa, também, que em vários municípios ocorreu uma grande influência do partido do prefeito sobre esses conselhos, e destacaram que em alguns casos existia ingerência por parte de Secretários das pastas envolvidas, nas decisões dos conselheiros12.

Outro aspecto apontado por Chaia e Tótora, é a forma de relação existente entre os conselhos e a prefeitura. Dessa forma, eles podem adquirir ou não uma maior importância na gestão municipal, “nesse sentido, o partido político do Executivo, o secretário municipal de cada setor e o histórico de luta de cada conselho setorial podem estabelecer uma dinâmica diferenciada” (Chaia e Tótora, 2004).

Luciana Tatagiba (2005) realiza um estudo oportuno sobre a criação e regulamentação dos conselhos na cidade de São Paulo, destacando três momentos históricos distintos.

Na primeira fase, período de 1956 a 1975, foram criados nove conselhos sendo que sete estavam relacionados a questões setoriais como, por exemplo, os conselhos de esportes e cultura e apenas dois tinham envolvimento com demandas sociais. Importante destacar que destes nove conselhos, apenas um foi implementado antes do período de ditadura militar, os demais foram criados a partir de 1965. 13

Em relação às características destes conselhos, eles apenas cumpriam uma função “meramente decorativa, face o cerceamento da arena decisória” (Tatagiba, 2005: 3). Este cerceamento decorreu do momento político do período pós 1964, que constituiu no absoluto rompimento do exercício democrático no país, impedindo, assim, que acontecesse uma participação efetiva da sociedade civil nas discussões e deliberações do poder publico.

12 As pesquisadoras destacam que esses conselhos constituem em meros legitimadores das políticas

implementadas, partilhando o ônus da responsabilidade pública ao constatarem que a correlação de forças entre executivo e conselhos, deixa esse último com uma participação restrita, devido à burocracia pública de monopolização das informações e a implementação dos projetos e os poucos recursos destinados às políticas sociais (Chaia e Tótora, 2004: 218).

Em 1979 foi instituído pelo então governador Reynaldo de Barros uma outra modalidade de conselhos que se denominaram como “comunitários”. Essa nova concepção de participação popular estava caracterizada por possuir uma configuração meramente consultiva atrelada ao poder do Estado (Tatagiba: 2005). O governo serviu-se desses conselhos para tentar cooptar as lideranças dos movimentos populares provindos das Comunidades Eclesiais de Base, o Movimento de Saúde da Zona Leste e muitos outros que estavam surgindo naquele momento, com o objetivo de esvaziar essas novas configurações de participação popular ativa.

Chaia e Tótora (2004:199) enfatizam que a composição dos conselhos comunitários eram representadas principalmente por lideranças de entidades de classe, movimentos religiosos e das SABs mas, com forte oposição das CEBs devido a estrutura limitada de participação nas tomadas de decisões dos conselheiros.

Gonh afirma que essa forma de cumplicidade do governo para com esses conselhos estava explicita na “manipulação das demandas populares” (Gonh, 2003,73. apud. Tatagiba,2005: 4).

“A prefeitura catalogou tudo de forma burocratizada, despolitizando qualquer conteúdo das reivindicações, e continuou a administrar segundo as prioridades definidas nos gabinetes, objetivando mais o atendimento dos interesses econômicos organizados”.

Na segunda fase14, 1984 a 1988, surgiram nove conselhos, seis atrelados às causas sociais e três setoriais. De acordo com Tatagiba, as características desses conselhos vêm de encontro com o novo contexto político brasileiro, “.. onde a pressão da sociedade pela democratização do Estado gerava novos formatos participativos que, mesmo com todas as suas limitações, já

evidenciavam a complexificação da arena de produção das políticas pela incorporação de novos temas e atores.” (Tatagiba,2005: 3).

Desses nove conselhos criados nesse período, dois foram implementados pelo então prefeito Mario Covas15: “Conselho Municipal da Condição do Idoso” e “Conselho Municipal do Deficiente Físico”. Esses dois conselhos foram constituídos para atuarem de forma deliberativa.

Nessa mesma gestão, seguindo os mesmos passos do então Governador Franco Montoro, que tinha implementado os Conselhos de Escolas Estaduais, foi instituído na cidade de São Paulo o “Conselho de Escola Municipal” em 27 de dezembro de 1985. Porém, cinco dias após, esse conselho foi extinto pelo novo prefeito, Jânio Quadros, que assumira o cargo em 1º de janeiro de 1986.

A terceira fase caracterizou-se pelo novo cenário político da cidade, com a eleição em 1989 da prefeita Luiza Erundina pelo PT, na qual tinha uma estreita relação com os movimentos populares.

Em seu governo, Erundina criou nove conselhos, sendo que três se destacaram por sua forte base social de sustentação: Criança e Adolescente, Idoso e Deficiente Físico e, por fim, Saúde.

A Câmara dos Vereadores, através da elaboração da LOM, institucionalizou três Conselhos, que foram: Saúde, Educação e Representantes16. Desses, apenas os dois primeiros foram implementados pelo governo. O Conselho de Representantes foi definido pela LOM para acompanhar em caráter deliberativo as ações das subprefeituras a partir do momento de sua implantação.

15 Em 1985 ainda não estavam restabelecidas as eleições livres para prefeito, Mario Covas foi nomeado pelo

Governador Franco Montoro que foi eleito em 1982.

16 Para mais detalhes da elaboração da LOM, ver CALDERON, Adolfo Ignácio. Democracia local e

participação popular – a Lei Orgânica paulistana e os novos mecanismos de participação popular em questão.

Conforme já exposto anteriormente, as subprefeituras foram criadas apenas em 2002 e a lei que determinou a implantação dos Conselhos de Representantes foi apresentada pelo governo apenas em 2004, convocando eleições para abril de 2005 nas 31 subprefeituras da cidade.

Embora tenha tido uma grande mobilização da sociedade, envolvendo cerca de 5.000 pessoas para que ocorressem as eleições dos Conselhos de Representantes, o processo foi impugnado pelo Tribunal de Justiça do Estado, alegando a inconstitucionalidade da LOM que foi aprovada em 1990 e vigora até hoje17.

A partir de 1993, com a eleição de Paulo Maluf para a prefeitura de São Paulo, 1993 a 1996, e em seguida Celso Pitta, 1997 a 2000, é rompido o desenho institucional que estava sendo delineado pela administração petista, provocando uma significativa mudança na gestão de governo e nas estratégias de ação dos movimentos sociais.

Nesse período, criaram-se seis conselhos, sendo que dois deles, o Conselho da Alimentação Escolar e o Conselho do FUNDEF (Fundo Nacional de Ensino Fundamental), foram instituídos por exigência da Lei para poderem receber recursos do governo federal. Os outros quatro conselhos foram constituídos para referendar as políticas públicas estabelecidas pelos dois prefeitos (Tatagiba,2005: 12).

Em 2001, Marta Suplicy do PT assume a Prefeitura de São Paulo e retoma o modelo proposto pela administração petista anterior, com a criação de sete novos conselhos nas áreas de habitação, segurança pública, população de rua, segurança alimentar, políticas públicas de drogas e álcool e o Conselho Municipal de Tributos, além de reativar o Conselho de Valores Imobiliários, criado na gestão de Erundina, e o Conselho de Cultura.

17 De acordo com Teixeira e Tatagiba (2005: 10), a eleição para os Conselhos de Representantes, que estava

prevista para abril de 2005, foi suspensa por uma liminar do Tribunal de Justiça a pedido do Ministério Público, alegando a inconstitucionalidade da LOM de 1990, que no seu entender, deveria ser de responsabilidade do Executivo e não do Legislativo a iniciativa de criação desses Conselhos.

Também foi instituída a Coordenadoria de Participação Popular com a função de promover a articulação entre os conselhos da cidade e a Coordenadoria do Orçamento Participativo com o objetivo de democratizar a participação popular nas decisões orçamentárias da cidade.

1.6-