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Descentralização e Participação Popular em São Paulo 1989/

A experiência de democratizar a participação popular na gestão do governo petista paulistano apresentou como principal ponto a institucionalização dos NRPs (Núcleos Regionais de Planejamentos).

Esses núcleos foram criados em 1989 com a prerrogativa de realizar fóruns de discussão com a população sobre a elaboração do orçamento da cidade entre outras demandas. Eles estavam centralizados nas ARs (Administrações Regionais) 19 em articulação com as secretarias fins e a população, principalmente os movimentos populares de cada região.

As ARs foram criadas em 1965 para atender demandas locais da população, como conservação de ruas, pequenas obras emergenciais, fiscalização e concessão de licenças para funcionamento de estabelecimentos, entre outros.

Os prefeitos, até então, serviam-se desse poder político local para poder ampliar suas bases políticas e estreitar seu relacionamento com o Poder Legislativo, utilizando, assim, como moeda de troca, as nomeações dos administradores regionais vinculados aos interesses dos vereadores, caracterizando, desse modo, em uma intensa influência dos parlamentares nas ARs.

Na administração petista, as ARs passaram a fazer parte do plano estratégico para a democratização da participação popular, visto que elas estavam situadas geograficamente próximas à população.

Dessa forma, a gestão petista dá maior importância as ARs atribuindo aos administradores a condição similar ao de secretário.

Couto (1995, 126), afirma que,

“No caso especifico do PT, a ocupação dos cargos de administradores regionais tinha uma importância específica. Primeiro, dada a ênfase do partido numa política de descentralização que viabilizasse a participação popular, o administrador regional - como responsável por uma unidade descentralizada de gestão governamental no âmbito do município- desempenharia papel fundamental. Segundo, e em decorrência dessa política, a gestão petista conferiria aos administradores regionais um status semelhante ao de secretário.”

Definidas pelo governo petista as novas diretrizes das ARs, foram então instituídos os NRPs em cada uma das 20 ARs existentes20 com o objetivo de integrar o governo e a população na discussão das demandas locais de cada região, ampliando assim o espaço de participação popular.

Um dos pontos de destaque dos NRPs foram as plenárias orçamentárias que deram diretrizes para a elaboração do orçamento municipal em 1989. Porém, a falta de articulação do governo central e o local acabaram gerando conflitos, principalmente pela ausência de clareza sobre as diretrizes da administração central sobre as questões que eram discutidas e solicitadas pela população, implicando, assim, na desarticulação da participação popular em vista do seu descrédito em relação ao governo.

Em junho de 1990 ocorreu um encontro dos NRPs, na qual foram alavancadas cinco propostas para ampliar os canais de participação,

Mutirões para a produção coletiva de serviços urbanos Conselhos gestores para os equipamentos públicos Conselhos setoriais

Plenárias para discutir o orçamento Audiências públicas

Além dessas propostas, os participantes do encontro exigiram maior clareza nas regras de como e quando fazer. Diante desse dilema conflitante, a prefeita decidiu extinguir os NRPs imediatamente.

Félix Sanches21, destaca, em entrevista que :

“na gestão Erundina, a rigor não tinha uma definição muito clara sobre a democratização da gestão pública. O problema fundamental era que essa gestão não estava nem um pouco disposta, muito menos do que na gestão Marta Suplicy, a aceitar a participação, era uma visão mais técnica, mais centralizada no gabinete da prefeita”

Ainda segundo Sanches,

“os NRPs eram a semente de uma proposta que encaminharia para uma coisa parecida com o OP. Numa reunião com a prefeita, lá eles colocaram literalmente o dedo na cara dela cobrando o porque não fazer a participação popular, e a prefeita acabou com esses núcleos”

Aldaisa Sposati, que foi Secretária das Administrações Regionais entre 1989 a 1991, define que a prefeita Luiza Erundina “retrocedeu no projeto de descentralização” e que muitos secretários municipais com o tempo “perderam o interesse pela descentralização”. Ainda segundo Sposati 22, sua exoneração deveu-se a insistência em ampliar a participação popular através da implementação das Subprefeituras e dos Conselhos de Representantes (Sposati,2002: 85).

21 Entrevista realizada pelo autor dessa dissertação em 12 de maio de 2005. Félix Sánchez foi coordenador do

OP - 2001/2004 em São Paulo e fez sua tese de Mestrado em Ciências Sociais pela PUC SP sobre o Governo Luiza Erundina.

Sobre o mesmo tema, Sanches (1997:109) faz as seguintes ponderações, “Minha interpretação, baseada na avaliação produzida pelos próprios administradores regionais e pelos NRPs, é de que este embate colocou frente a frente concepções de fundo sobre a pauta que caberia a um governo popular e democrático assumir. O conflito estabelecido a propósito da articulação regional versus setorial desvenda uma face que a literatura que analisa a gestão petista tem negligenciado bastante. Neste conflito, as linhas de forças não foram dadas por embate de caráter ideológico, nem por uma dinâmica de amoldamento à lógica governante em contraposição à visão mais “militantista”. Tampouco se tratou de um conflito referenciado nas correntes e tendências internas do PT”.

Dessa forma, segundo Sanches (1997:111), com o fim dos NRPs o governo extinguiu a única forma de planejamento regional que a gestão petista tinha construído até o momento.

O então Secretário de Planejamento Paul Singer definiu os NRPs como “uma inovação política de muito sucesso” ao estabelecer um contato mais estreito entre a administração municipal e a população (Singer,1996:108).

A extinção dos núcleos, de acordo com o Secretário, deveu-se ao conflito entre várias secretarias e os administradores regionais, a medida em que esses obteriam maior poder com a criação das subprefeituras.

Os NRPs se fortaleceram ao adquirir grande volume de experiência e conhecimento do “local” ao terem o contato mais próximo com a população, o que contribuiu para o surgimento de um grupo de pressão favorável a descentralização do governo, motivo esse que determinou a prefeita a dissolver os núcleos (Singer,1996:109).

Com a extinção dos NRPs, a democratização da discussão sobre o orçamento municipal passa a ser realizada através de “audiências publicas regionais” e posteriormente “audiências publicas municipais”.

Anteriormente, essas audiências eram realizadas pelos NRPs através de plenárias setoriais, regionais e micro-regionais, essas últimas dentro dos próprios distritos23 para ampliar ao máximo o contato do poder público local com a população e discutir os problemas e soluções da região.

A população tinha participação nesses NRPs através de comissões de acompanhamento e fiscalização. As audiências públicas regionais já abrangiam um território menor delimitando a participação da população, visto as dificuldades para se deslocarem de seus distritos. E por fim, as audiências públicas municipais se restringiram a serem debatidas na Câmara dos Vereadores.

A implementação de uma gestão participativa não se resume apenas a envolver os grupos mais organizados para discutir os problemas da cidade, é preciso, também, criar mecanismos que possam incluir aqueles que estão à margem da política. Nesse aspecto parece que os NRPs estavam muito restritos aos movimentos sociais organizados, o que tornou a ser mais um espaço reivindicativo restrito ao invés de deliberativo e amplo.

Kowarick e Singer (1994: 291) enfatizam que um dos problemas enfrentados no governo Erundina para implementar a democracia participativa como forma de gestão dos destinos da cidade era o contraste entre a necessidade de agilidade, rapidez e eficiência das decisões públicas, em detrimento de que os movimentos sociais são lentos, oscilantes e desiguais.

Ainda segundo os autores, os movimentos organizados representavam “uma minoria quantitativamente irrisória” e, além disto, “não aglutinam nem universalizam interesses mais amplos e gerais”, sendo localistas, fragmentados e parciais. Essa constatação apontou para a fragilidade do Governo Municipal em compreender a importância da participação popular, ao não incluir aqueles que estavam à margem do associativismo.

23 O Município está dividido em 96 Distritos. Os distritos estão subdivididos em 5 regiões: Centro, Norte, Sul,

Os autores (Kowarick e Singer,1994: 301) apontam três aspectos que podem ter contribuído para que o governo petista trocasse o modelo de gestão participativa para um plano mais centralizado de poder:

1- O fato dos movimentos organizados representarem apenas uma parcela bastante minoritária da população.

2- A heterogeneidade dos movimentos sociais.

3- Os interesses particulares de cada movimento prevaleciam sobre os interesses gerais da cidade, o que obstaculizou o desenvolvimento da participação direta.

A diversidade dos diversos movimentos sociais, apontados por Kowarick e Singer, pode dificultar e atrasar as deliberações e a efetivação dos projetos de políticas públicas, uma vez que, cada movimento representa um determinado seguimento ou área de interesse. Dessa maneira, esses interesses acabam, em muitas vezes, entrando em conflitos com as prioridades a serem deliberadas por eles e implementadas pela esfera estatal.

É Importante fazer uma reflexão sobre essa problemática levantada pelos autores e questionar se o caminho mais efetivo para equacionar as diferenças dos organizados que participam e dos não organizados e marginalizados do sistema político, era a extinção dos NRPs como aconteceu.

A ausência de um órgão responsável para apresentar propostas de procedimentos para a implementação da gestão participativa e que fizesse a interligação entre os diversos circuitos do governo municipal e a população, foi determinante para que não avançasse a democracia participativa no governo Erundina. Compreender esses obstáculos pode nos indicar por que essa administração não implementou o OP na cidade de São Paulo, sendo que nesse mesmo período o OP foi instituído na cidade de Porto Alegre, obtendo relativo sucesso.

Vitale (2004:10) destaca que a tentativa de implantação do OP na gestão Erundina não foi bem sucedida devido à “falta de experiência” e pouco conhecimento das questões técnicas do orçamento, levando a caracterizá-lo apenas como consultivo e informativo.

Mas, ao analisar a trajetória histórica do governo petista de Luiza Erundina (1989-1992) no âmbito da democratização e participação popular, além desses dois motivos apontados por Vitale, foi possível constatar outros fatores que influenciaram para a não implementação do OP na cidade paulistana por essa administração. O primeiro deles, foi a imobilidade do núcleo do governo municipal em incentivar a participação popular, a medida que, a administração municipal demonstrou-se muito desencontrada e lenta na tentativa de democratizar o orçamento público da cidade.

A criação dos NRPs representava um importante instrumento para iniciar gradativamente a participação popular nas decisões orçamentárias da cidade, mas infelizmente ele foi extinto pela prefeita após 18 meses de existência.

Dessa forma, o acesso da população as questões que envolviam o orçamento municipal ficou restrito às audiências públicas, que foram gradativamente sendo centralizadas na região central da cidade contribuindo para o esvaziamento do quorum, visto a dificuldade de deslocamento da população interessada.

A implementação do OP na cidade de Porto Alegre a partir de 1989, envolveu uma significativa reestruturação administrativa na qual foram criadas as condições institucionais para que o OP passasse a ser um dos principais núcleos de atuação da gestão petista, o que não ocorreu na cidade de São Paulo na gestão de Erundina.

O fato de não ter sido criada uma coordenadoria ou secretaria para regulamentar o orçamento participativo na cidade paulistana foi um obstáculo para uma maior articulação entre as secretarias, ARs e demais órgãos do

governo municipal, visto que a falta de sinergia entre eles obstruiu o processo de distribuição orçamentária, frustrando as expectativas de parte da população, aqueles que participavam das audiências, que na maioria das vezes não eram contemplados em suas reivindicações, restringindo sua participação como consultiva e não deliberativa.

A inoperância dessas audiências populares ficou nítida ao constatar que elas eram realizadas com 15 dias de antecedência da data de entrega da peça orçamentária a Câmara de vereadores, impossibilitando a população participar ativamente, pelo fato de que o acesso às informações era precário e restrito apenas a elaboração, pelo governo, de um panfleto contendo as principais metas das propostas tributárias, era distribuído no dia da audiência, não havendo tempo hábil para o participante tomar parte do processo da discussão orçamentária. Singer (1996: 119 e 120) avalia que, “as audiências deixavam muito a desejar”.

Resumindo essa reflexão da participação popular no governo Erundina, é importante destacar cinco aspectos conflitantes que empacaram a gestão petista na implementação de uma gestão mais participativa e descentralizada.

O primeiro aspecto aponta para a ausência de articulação entre o núcleo do governo municipal e o local, somado a falta de clareza sobre as diretrizes dessa administração em definir como seria o papel do governo na implementação da gestão participativa.

O segundo ponto a ser enfatizado, foi o conflito encontrado dentro do circuito de poder que envolveu as secretarias e as ARs. Isso aconteceu motivado pela existência dos NRPs, que eram o canal de interlocução entre a administração pública e os movimentos sociais organizados, que por sua vez, se articulavam entre si para pressionar o governo, criando uma forte tensão entre o local e o central e, ao mesmo tempo, fortalecendo os administradores regionais em detrimento dos secretários.

Dessa forma, a possibilidade de descentralizar as decisões das políticas públicas ocasionou forte pressão por parte das principais Secretarias para que não fossem ampliadas as discussões de seus projetos com a população, o que acarretou na extinção dos NRPs pela prefeita conforme abordado anteriormente.

A terceira questão traz a tona o debate sobre como democratizar a participação popular e quais são os atores envolvidos nesse processo.

No modelo implementado no inicio da administração Erundina, foi possível identificar a ausência de uma estrutura, por parte do governo, para criar as condições necessárias de uma participação popular mais ampla, não se restringindo apenas aos movimentos sociais organizados, que segundo Kowarick e Singer, eram compostos de uma minoria na qual não representavam os interesses mais amplos e gerais.

A ausência de um órgão que tivesse a incumbência de promover cursos de formação política e cidadã, como aconteceu em Porto Alegre por exemplo, aprofundou a distancia entre os que participavam e aqueles que estavam à margem da política em São Paulo. Incluir essas pessoas no processo democrático participativo é fundamental para a concretização da democracia participativa, o que não aconteceu nesse governo analisado.

O quarto ponto assinala para a restrição da participação popular a espaços reivindicativos e não deliberativos, que passam a ser uma espécie de fórum consultivo, como o exemplo das audiências publicas para a discussão do orçamento, na qual o governo municipal apenas legitima as políticas publicas implementadas.

Por fim, o quinto aspecto acaba sendo uma síntese dos anteriores e indicam que ao não serem criadas as condições necessárias apontadas acima, a gestão Erundina não tinha interesse em promover a democracia participativa conforme anunciado em seu programa de governo nas prévias do PT.

Capítulo 2