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OS CRITÉRIOS: CATEGORIAS DESCRITIVAS

2- Consequências ao desenvolvimento Infantil

No que diz respeito às consequências no desenvolvimento infantil, observa-se que a falta de resposta a necessidades de diferentes naturezas parecem ter concorrido para a produção de impacto negativo significativo no desenvolvimento dessas crianças. Consequências foram evidenciadas nas crianças desse subgrupo: atraso no desenvolvimento físico (além risco importante à integridade física) e consequências no plano comportamental- social-afetivo.

Atraso no desenvolvimento Físico e Risco à integridade física

Duas das crianças desse grupo (Sheila da Família A e Inácio da Família C) tinham altura e peso semelhantes a uma criança de 3 anos. As crianças da Família A e B apresentaram um quadro de desnutrição quando foram avaliadas por um médico, sendo que a

9 Essa criança, segundo as educadoras da creche que frequentava e chegava a ter tanto medo da mãe que chegou

a urinar na roupa quando a mãe foi buscá-la. Quando percebia que a mãe estava brava, também se escondia durante horas debaixo da cama com medo de apanhar.

fragilidade física e o estado de saúde dessas crianças eram notadas também pelas professoras que se preocupavam com a situação:

“seu desenvolvimento físico, fisiológico, está muito debilitado... baixa estatura, baixo peso, feridas cutâneas que geralmente apresentam cicatrização lenta... febre...Apesar de tudo, ela consegue acompanhar a série”. (professora de Sheila da Família A).

“cor amarelada, aparência abatida, desânimo e magreza” (professora referente à Tatiana da Família B).

A presença de doenças e ferimentos nas crianças dessas famílias também ameaçava- lhes a integridade física das mesmas, uma vez que era real a probabilidade de complicações já que não recebiam qualquer tratamento ou tratamento adequado. Por exemplo, as crianças das Famílias A e B viveram, inclusive, risco de morte, por falta de cuidados médicos ou de supervisão. A falta de cuidados em relação a uma infecção no pé, causada por “bicho do pé” teve como consequência a internação de Tatiana com um quadro grave de infecção (“início de septicemia”). Um incêndio na residência da Família A, causado pelas crianças, por uma brincadeira com fogo quando estavam sozinhas, sem a presença de um adulto que as supervisionasse, quase se tornou uma tragédia.

Ademais, havia indícios de que Inácio (da Família C), que passava tardes inteiras andando pelas ruas, procurando outras crianças e brincadeiras, sem supervisão, havia sido abusado sexualmente, uma vez que, em certo período, apresentou muitos indicadores de abuso sexual (comportamentos sexualizados sofisticados na escola e em casa, em brincadeiras com o irmão mais novo e com o cachorro).

Consequências comportamentais10

A avaliação de problemas de comportamento realizada a partir dos instrumentos CBCL e TRF também apontaram para um impacto importante neste nível, sendo que todas as crianças desse subgrupo a apresentaram níveis clínicos em uma ampla gama de problemas de natureza externalizada e internalizada. A descrição dos problemas comportamentais dessas crianças é apresentada no Quadro 5.

10 Apesar de o alvo da pesquisa ter sido a criança notificada no período da seleção dos “casos”, pôde-se observar

também, com o convívio na família, consequências no funcionamento dos irmãos mais velhos dessas crianças. O irmão mais velho da Sheila da Família A, por exemplo, cometia pequenos delitos, tendo sido notificado várias vezes ao Conselho Tutelar por isso. A irmã mais velha de Tatiana da Família B também cometia pequenos delitos na escola (pegar material escolar das outras crianças ou material da própria escola e levar para a casa) e na sua própria casa (pegar o salário da mãe para comprar coisas), enquanto que a irmã mais velha de Inácio da

Família C era uma criança que apresentava baixo rendimento escolar (muita dificuldade de aprendizagem,

segundo sua professora), que ia frequentemente à aula cheirando urina com uma aparência desleixada e, por isso, era rejeitada por colegas, apresentando um comportamento introspectivo e se isolando.

Criança/família Problemas de comportamento (CBCL)

Problemas de comportamento (TRF)

Sheila e Fábio da

Família A

Sheila apresentou nível clínico para

Problemas Externalizados e nível

limítrofe para Comportamento de

Desrespeito às regras e

Comportamento Agressivo11.

Sheila apresentou nível clínico para

Problemas Externalizados e Problemas Internalizados. Nível clínico para Queixas Psicossomáticas e em nível limítrofe para Problemas Sociais, Problema de Atenção, Problemas de Pensamento, Comportamento de Quebra de Regras e Comportamento Agressivo.

Fábio apresentou nível clínico para

Problemas Externalizados e Problemas Internalizados.

Nível clínico para Retraimento/Depressão,

Queixas Psicossomáticas e Problema Social

e limítrofe para Ansiedade e Depressão,

Problemas de Pensamento, Comportamento de Desrespeito às Regras e Comportamento Agressivo.

Tatiana da Família B Problemas de comportamentos

Internalizados e Externalizados estão da normalidade para as crianças da

mesma idade.

Nível limítrofe para Problemas de

Atenção.

Níveis clínicos para Problemas

Internalizados e Externalizados.

Níveis clínicos para Problema Social,

Problema de Atenção, Comportamento agressivo, Comportamento de Desrespeito às regras e Queixas Psicossomáticas e

limítrofes para Problemas de ansiedade e

depressão e Retraimento.

Escores altíssimos para Hiperatividade e Impulsividade e Falta de Concentração sinalizando grandes dificuldades nesse nível.

Inácio da Família C Nível clínico para Problemas

Internalizados e Problemas Externalizados.

Nível clínico de problemas para

Retraimento, Problemas Sociais, Problemas de Atenção e

Comportamento Agressivo.

Nível clínico para Problemas

Externalizados e Problemas Internalizados.

Nível clínico para Problema Social,

Problemas de Pensamento, Problemas de Atenção, Comportamento de Desrespeito às Regras e Comportamento Agressivo.

Nível limítrofe para problemas de

Ansiedade e Depressão como também Retraimento, ficaram em nível limítrofe.

Escores altíssimos no que diz respeito a problemas Hiperatividade- Impulsividade sinalizando grande dificuldade nesse nível.

Quadro 5: Problemas comportamentais apresentados pelas crianças do subgrupo crônico a partir da avaliação das mães (CBCL) e professoras (TRF).

Apesar dos indicadores de muitos problemas comportamentais, Tatiana, da Família B apresentava também indicadores de adaptação que eram reconhecidos pela professora: “Gosta de brincar, conta casos e ri muito das coisas engraçadas... participa oralmente de todas as atividades, mas não gosta de escrever” (Professora de Tatiana da Família B).

Neste aspecto, no entanto, Inácio da Família C chamou especialmente a atenção, pois apresentou escores de problemas altíssimos nos dois instrumentos e que sinalizaram a presença para distúrbio no desenvolvimento global. Nas interações com essa criança, seus déficits e dificuldades desenvolvimentais eram evidentes. A criança apresentava dificuldades na fala/verbalização (era muito difícil entender o que ela falava) e parecia também ter dificuldades de compreensão, pois dava respostas “desconectas” às perguntas feitas ou parecia “não ouvir”. A criança mexia em todos os objetos ou coisas que lhe chamassem a atenção, mesmo quando alguém dizia que não era para mexer. Por exemplo, pegava baratas, insetos e até fezes com a mão, entrava dentro de carros que estavam abertos (não importando de que fossem), entrava na casa de pessoas e pegava o que lhe interessa (a ração do cachorro, garrafinhas de plástico, etc). Quando estava com raiva, frequentemente estragava ou quebrava coisas dos outros (riscava o carro do vizinho, por exemplo). A criança comia ou bebia restos de comida ou bebida que achava em garrafinhas ou latinhas. Quase nunca chorava, mesmo quando caía e se machucava e não procurava o contato físico com adultos (não gostava de ser tocada). Quando se sentia contrariado, tinha ataques de raiva, rasgando folhas e cadernos, jogando carteiras, batendo e cuspindo nos colegas e na professora. Como foi assinalado, a criança também apresentava muitas dificuldades no que se refere à aprendizagem escolar, não conseguindo ler/escrever nada (nem letras) e apresentando muitas dificuldades até mesmo para desenhar. Não sabia contar e nem diferenciar as cores corretamente. Quando estava no meio das outras crianças, brincando em grupo, frequentemente ficava nervoso por não conseguir desempenhar certa tarefa ou não conseguir esperar o tempo da sua vez e reagia pegando a mochila do colega e saindo correndo, batendo, chamando as outras crianças por apelidos pejorativos. Embora gostasse de estar na companhia de outras crianças, Inácio não tinha amigos.

3- Capacidade Parental e/ou do entorno social de resposta às necessidades