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Grupo 3: Negligência Não Confirmada

1- Repostas às Necessidades Infantis

No que se refere às necessidades infantis apresentadas pelas crianças das famílias reunidas nesse grupo, pode-se dizer que todas tinham suas necessidades físicas respondidas, mas algumas delas apresentavam necessidades educativas e/ou emocionais respondidas de modo insatisfatório ou parcialmente respondidas.

No tocante às necessidades físicas, verificou-se, por exemplo, que todas as crianças tinham peso e altura semelhantes às outras crianças de sua faixa etária, não apresentavam ferimentos ou doenças não tratadas, não eram deixadas sozinhas (sem a presença de um adulto, durante longos períodos de tempo), apresentavam boa higiene (apresentando-se sempre limpas e vestidas adequadamente)41.

Necessidades educativas parcialmente respondidas (algumas famílias respondem satisfatoriamente, outras menos)

No que se refere às necessidades educativas, observava-se que, em todas as famílias, as crianças viviam uma rotina (hora de acordar, se alimentar, dormir), tinham amigos e relações sociais com familiares e outras crianças, freqüentavam a escola com regularidade, tinham brinquedos em casa e não ficavam sem supervisão por longos períodos de tempo.

Algumas das crianças das famílias reunidas nesse grupo, no entanto, apresentavam necessidades de natureza educativa que permaneciam sem resposta ou que eram respondidas de modo insatisfatório, principalmente àquelas concernentes a aspectos psicossociais, relativos a aprendizagens e comportamental social. Por exemplo, muitas das crianças apresentavam problemas de comportamento, que se manifestavam principalmente na escola, sendo considerados perturbadores ou problemáticos (Bruna - Família G, Renata - Família L, Kevin - Família M), ou de rendimento escolar (Bruna - Família G, Marcelo - Família J, Renata - Família L, Kevin- Família M).

“quando ele quer fugir, ninguém pega ele. Esses dias eu coloquei, ele fugiu,

aí eu fiquei brava e fui bater nele, ele entrou de baixo da cama. Não havia meios de tirá-lo de lá. Ele chuta, esperneia, atira coisas, mas não deixa ninguém encostar a mão...” (Sebastiana Avó - Família M).

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Por causa da situação de pobreza, em algumas das famílias desse grupo, as roupas utilizadas pelas crianças eram freqüentemente gastas e velhas. No entanto, estavam sempre limpas e eram apropriadas para o tamanho das mesmas e ao clima/estação.

“Aluno apresenta alterações de humor repentinas, sendo que se torna

incontrolável, agride educadores e colegas com chutes e mordidas, palavrões além de destruir material didático-pedagógico dele e de seus colegas. Joga brinquedos e outros pertences dos colegas no telhado ou do outro lado do muro, sai da sala de aula sem autorização, demonstrando não ter a menor noção de respeito às regras básicas de conduta”. (Trecho extraído da notificação feita ao Conselho Tutelar pela coordenação da escola referindo-se a Kevin - Família M).

Necessidades emocionais parcialmente respondidas (algumas famílias respondem satisfatoriamente, outras menos)

Pode-se dizer que, de modo geral, as crianças desse grupo tinham suas necessidades emocionais respondidas, pois eram crianças que se apresentavam vinculadas a figuras de referências, seus cuidadores principais demonstravam apreciarem a companhia dos mesmos, observando-se a demonstração de afeto por meio de contato físico (abraços, subir no colo, etc.). Notava-se também, que tinham elegido algum adulto a quem podiam recorrer e que atendiam suas demandas e necessidades particulares.

Algumas dessas crianças, no entanto, viviam, ao mesmo tempo, com alguma freqüência, situações em que eram expostas à experiência de medo e violência, dentro de suas casas. Nesse sentido, destacam-se crianças que eram testemunhas de violência conjugal (Laura - Família H, Tina - Família I) ou àquelas que eram vítimas de punição corporal e que viviam situações de medo, dor, raiva e sentimentos de desvaler...

Ainda, como no caso específico de Kevin (Família M) que, eventualmente e de modo inesperado, era visitado por sua mãe42, o que lhe causava uma gama de emoções, que nitidamente repercutiam em seu comportamento manifesto, em casa e na escola.

2- Risco ou presença de consequências ao desenvolvimento infantil

Algumas crianças desse grupo, por viverem, em suas casas, situações de violência, como a violência conjugal ou abuso físico apresentavam risco à integridade física, sendo que para a maioria também se detectou conseqüências já manifestas em nível comportamental.

Risco à integridade Física

Como já assinalado, algumas das crianças desse grupo viviam algum tipo de violência dentro de casa, o que implicava, em algum grau, risco a sua integridade física. Por exemplo, Renata (Família L) de apenas 5 anos vivenciava, ocasionalmente, punição corporal exagerada

42 A mãe de Kevin havia perdido sua guarda por maus-tratos, sendo por isso que ele vivia somente com o pai e

o que era alvo de preocupação dos vizinhos: “qualquer dia desses ela mata a menina de tanto bater”. Outras crianças como Laura da Família H ou Tina da Família I, por vezes, foram agredidas pelos pais (empurrada bruscamente na parede, por exemplo) ao tentarem defender as mães durante episódios de violência conjugal.

Consequências comportamentais

Todas as crianças do grupo 3 apresentavam algum tipo de problema de comportamento. Observa-se, porém, que algumas das crianças apresentam um maior número de problemas, sendo estes mais significativos (atingindo níveis clínicos), como Bruna da Família G ou Kevin da Família M. Em outras crianças, os problemas aparecem de forma mais discreta (nível limítrofe) e/ou situacional (manifestando-se em apenas um ambiente: casa ou escola) como, por exemplo, no caso de Laura da Família H, (limítrofe), Marcelo da Família J, Renata da Família L. (situacional)

O Quadro 11 apresenta os resultados da avaliação comportamental das crianças do grupo 3 realizada pelas mães e professores a partir do CBCL e TRF.

Crianças/famílias Problemas de Comportamento

(CBCL) Problemas de Comportamento (TRF) Bruna

(Família G)

Nível limítrofe para Problemas Externalizados.

Nível clínico Problemas Sociais.

Níveis clínicos para Problemas Internalizados e Externalizados.

Níveis clínicos para Problemas de Pensamento, Problemas de Atenção, Comportamento de Desreipeito às Regras e Comportamento Agressivo. Nível limítrofe para de “Ansiedade/Depressão” e Problemas psicossomáticos.

Laura (Família H)

Nível limítrofe para Problemas Internalizados e nível clínico para Problemas Externalizados.

Limítrofe para Problemas de Atenção.

Limítrofe para Problemas

Externalizados.

Escores em níveis normais na escala de síndromes.

Tina (Família I)

Nível limítrofe para Problemas Internalizados.

Escores em todas as escalas de síndromes em níveis normais.

Nível clínico para Problemas Internalizados. Nível clínico para Problemas de Retraimento e Depressão.

Marcelo (Família J)

Limítrofe para Problemas de Atenção e Problemas Sociais.

Todos os escores estavam em níveis normais.

Renata (Família L)

Todos os escores estavam em níveis

normais. Internalizados Nível clínico para e Problemas Problemas Externalizados.

Nível limítrofe para problemas de Ansiedade/depressão e Problemas de natureza agressiva.

Kevin (Família M)

Nível clínico para Problemas Externalizados e limítrofe para Problemas Internalizados.

Níveis clínicos para Comportamento Agressivo e Comportamento Delinquente. Limítrofe para Problemas de Atenção.

Níveis Clínicos para Problemas Internalizados e Problemas Externalizados.

Nível Clínico para Problemas de Atenção, Problemas Sociais, Comportamento de quebra de regra, Comportamento Agressivo.

Nível limítrofe para problemas de Ansiedade/depressão.

Escores preocupantes no que diz respeito a Problemas de Atenção (Hiperatividade e Impulsividade).

Quadro 11: Problemas comportamentais apresentados pelas crianças do grupo 3 a partir da avaliação das mães (CBCL) e professoras (TRF)

Pode-se dizer que os problemas de comportamento manifestados, especificamente, por duas das crianças da pré-escola (Renata da Família L e Kevin da Família M), destacavam-se na visão dos professores, seja pelo nível de agressividade, seja pelo desafio que representavam à figura de autoridade: “disciplina, desobediência, bate muito” (professora de Renata da Família L). Devido ao comportamento perturbador que as crianças apresentavam, ao longo do período de pesquisa, houve novas notificações da escola ao Conselho Tutelar, de forma que pôde-se observar o início de uma dinâmica semelhante à vivida pelas famílias do grupo 2 (este aspecto será melhor discutido no item 1 referente aos MECANISMOS).

Um ponto em comum das crianças desse grupo, no entanto, era que apresentavam também muitas características e comportamentos avaliados positivamente, que eram adaptativos. Eram crianças que gostavam de brincar e se interessavam por atividades lúdicas, pareciam muito inteligentes, entendendo e aprendendo facilmente regras de jogos, eram observadoras, gostavam de estar com outras crianças e tinham amigos (mesmo Tina da Família I que, embora apresentasse muita timidez e dificuldade de se relacionar com outras crianças na escola, mantinha bons relacionamentos com as irmãs e com algumas outras meninas da vizinhança). Esses aspectos positivos eram reconhecidos pelas professoras das crianças, que conseguiam enxergar qualidades nas crianças com facilidade:

“Bom humor e simpatia” (Professora de Kevin da Família M).

“Atenciosa, curiosa, desafiadora e atende aos trabalhos de acordo com sua idade” (Professora de Renata Família L).

“É uma criança muito carinhosa” (Professora de Marcelo da Família J)

“Tem muita facilidade em aprender” (professora de Laura da Família H).

“Apesar de ser bem tímida, ela aprende muito rápido” (Professora de Tina da Família I).

3- Capacidade Parental e/ou do entorno social para dar respostas às