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OS CRITÉRIOS: CATEGORIAS DESCRITIVAS

1- Resposta às Necessidades Infantis

Neste primeiro subgrupo de famílias, as necessidades infantis, de diferentes naturezas (físicas, educativas e emocionais), não eram respondidas ou eram respondidas muito precariamente,

Necessidades físicas não respondidas

As crianças desse subgrupo de famílias apresentavam necessidades, das mais básicas (extremas) às menos básicas, não respondidas. Em relação à saúde, por exemplo, essas crianças não tinham os cuidados médicos atendidos, apresentando ferimentos e doenças não tratadas como doenças de pele, vermes, piolhos, “bicho de pé” porque andavam descalças em lugares com lixo e sujeira. Em relação à apresentação, as crianças desse subgrupo tinham uma aparência “desleixada”, as vestimentas estavam sempre sujas e cheiravam mal e, às vezes, eram inadequadas (muito pequenas ou muito grandes) para o tamanho da criança. Por exemplo, a professora de Tatiana (Família B) relatava que a aluna vinha sempre com os sapatos muito grandes, com as meias muito sujas, cheirando mal e sempre tinha calcinha suja “que a gente vê que não foram lavadas”. A higiene precária se estendia também ao ambiente que as crianças viviam, que era sujo e cheirava mal (havia restos de comida que ficavam espalhados pela casa sem que ninguém os limpasse por dias a fio, o quarto das crianças era sujo, o colchão em que dormiam cheirava muito mal). As condições de higiene da casa onde as crianças moravam chamava a atenção de vizinhos, que olhavam a casa com desdenho, bem como de agentes de saúde, que faziam notificações ao Conselho Tutelar reportando a situação. As crianças dessas famílias ainda tinham uma aparência frágil, sendo muito magras como, por exemplo, Sheila da Família A e Inácio da Família C que, apesar da idade de 6 anos, apresentavam peso e altura semelhantes à de uma criança de 3 anos. Sheila da Família A tinha o cabelo bastante ralo e ressecado. Todas as crianças desse subgrupo ainda faziam xixi na cama todas as noites, sendo que Sheila da Família A também urinava na roupa durante o dia, na escola. As crianças desse grupo também se apresentavam sempre esfomeadas, pedindo por comida. Por exemplo, em uma atividade com Tatiana da Família B, esta referiu que não conseguia brincar com as outras crianças que corriam porque estava com muita fome. Frequentemente, a alimentação dessas crianças era insuficiente e pouco nutritiva, não bebiam leite ou derivados e quase nunca ingeriam proteínas (carne). Quando tinham fome se alimentavam com café, salgadinhos industrializados, balas ou pão (principalmente as crianças da Família A).

Essas crianças não viviam uma rotina bem estabelecida (com hora de dormir, acordar, comer, tomar banho). Por exemplo, as crianças da Família A não tinham horário para dormir e nem para acordar e passavam todo o período matutino (estudavam a tarde) sem escovar os

dentes e sem se alimentar. As crianças da Família B e C chegavam da escola e não tinham alimentação à disposição, ficavam longos períodos de tempo sozinhas, sem a companhia e supervisão de um adulto responsável o que acontecia também aos finais de semana ou durante o período noturno quando os adultos saíam de casa (Família A e B).

Necessidades educativas não respondidas

As crianças desse subgrupo também apresentavam necessidades educativas não respondidas. Por exemplo, no campo da educação, apenas uma das crianças da Família A (Sheila) conseguia, segundo sua professora, acompanhar o aprendizado da turma; as outras três crianças apresentavam um fraco rendimento escolar. Elas não conseguiam acompanhar a turma, não faziam as atividades propostas e tinham um comportamento problemático e perturbador na escola, o que preocupava seus professores por: “Seu comportamento agressivo e o fato de não fazer exercícios na sala (escrever), ser desorganizada nas atividades e não ter capricho” (Professora de Tatiana da Família B). Inácio da Família C dificuldades ainda mais marcadas que as das outras crianças, uma vez que não conseguia nem reconhecer as letras e seus desenhos ainda eram garatujas. Essa criança faltava à escola frequentemente ou era frequentemente colocada fora da sala de aula devido ao comportamento problemático. As crianças deste subgrupo nunca traziam seus trabalhos/tarefas feitos de casa e o material escolar estava sempre incompleto (não tinham cadernos, lápis, etc).

No mais, a apatia das crianças da Família A chamava a atenção quando, no contato com essas crianças, percebia-se que elas não sabiam seus nomes completos e nem data de aniversário, não tinham conhecimentos sobre suas capacidades e talentos e nem sobre seus familiares ou história da família. Essas crianças conviviam quase que exclusivamente com os irmãos (quando não estavam na escola) nunca visitando algum amigo ou recebendo visita de amigos em casa. Inácio da Família C, apesar dos 6 anos, não apresentava noção de propriedade (entrava na casa de outras pessoas e pegava coisas que achava, abria a geladeira da escola e pegava lanches dos professores, subia em cima de carros ou entrava no carro de vizinhos, sem permissão). Ademais, seu comportamento perturbador representava ameaça a própria segurança (saía correndo dos adultos e atravessava a rua sem olhar, subia em muros altos ou em telhados). As crianças da Família B e C também costumavam sair de casa “sem objetivo” e andar/perambular pelas ruas sozinhas.

Necessidades emocionais não respondidas

Conforme o mencionado, as crianças desse subgrupo passavam longo períodos de tempo sozinhas, sem a supervisão, mas também sem a companhia de adultos, entregues a si mesmas. Dentro disso, pode-se dizer que viviam frequentemente a solidão e dessa forma eram privadas da

presença de referências significativas (um adulto de confiança), com quem pudessem interagir, perguntar, falar o que pensavam, suas preocupações, decepções e sentimentos.: “eu não gosto de ficar sozinha , tia” (dizia frequentemente Tatiana, da Família B). Essas crianças nunca eram elogiadas pelos cuidadores, o que não permitia que reconhecessem e desenvolvessem suas qualidades ou talentos. Pode-se dizer que durante todo o período de acompanhamento das famílias não foram observadas interações que incluíssem o elogio. Observava-se a busca, pela criança, de interação com o adulto no intuito de ser validada/elogiada em algum gesto. Via de regra, contudo, não havia reação dos adultos, nesse sentido. Pode-se dizer que também experimentavam com frequência o medo, quando eram testemunhas de violência conjugal (Tatiana da Família B) ou de disputas entre adultos (Sheila e Fábio da Família A) ou ainda quando eram punidas duramente, com castigos físicos (Inácio da Família C9). Ademais, raramente experienciavam o contato afetivo, caloroso com os adultos significativos, o que fazia com que essas crianças fossem exageradamente amicais com adultos desconhecidos, em busca de atenção, parando na rua para conversar com pessoas que não conheciam ou procurando contato físico com a pesquisadora já nos primeiro encontros (aproximavam-se muito, buscando o “colo” e permanecendo “coladas”, alisando o rosto e o cabelo da pesquisadora). No que diz respeito ao “apego” das crianças pelos pais, pode-se dizer que as crianças (principalmente as das Famílias A e C) não reagiam a saída ou chegada dos adultos (seja demonstrando tristeza ou pesar quando as mães saíam, ou alegria quando chegavam).