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Fazem parte do primeiro grupo as Famílias A, B, C e D. Conforme o mencionado, as famílias reunidas nesse grupo são aquelas para as quais os critérios que indicam a negligência manifesta foram cumpridos, segundo a definição adotada, bem como os referentes aos dois mecanismos de produção da negligência. Em outras palavras, pode-se dizer que nesse grupo as necessidades infantis não estavam sendo atendidas, oferecendo risco ou já implicando em prejuízos ao desenvolvimento dessas, devido a uma incapacidade dos cuidadores e do entorno social, de responderem às necessidades. Subjacente a esse quadro, nas famílias aqui reagrupadas denotou-se a existência de prejuízos na interação cuidador-criança, bem como no plano das interações família-entorno.

Observando-se com mais detalhe essas famílias, um diferencial emergiu nas análises impondo uma nova subdivisão no interior desse grupo. Uma diferença relativa ao tempo de manifestação da problemática da negligência, no interior Grupo 1, concorreu para que se fizesse uma distinção em subgrupos: um constituído pelas Famílias A, B e C, nas quais a negligência parecia ser uma manifestação de longa data; um outro, referente à Família D especificamente, na qual o problema se estendia por um período bem menor, parecendo ser

limitado no tempo. Assim, detectou um quadro de Negligência Confirmada Crônica e um de Negligência Confirmada Circunstancial (NCC).

A caracterização das famílias pertencentes ao subgrupo denominado Negligência Confirmada Crônica é sintetizada no quadro 4 a seguir.

Identificação/ Família

Breve caracterização do cenário familiar

Família A (Fábio e Sheila)

Fernanda de 46 anos, mãe de Fábio, havia deixado há quase um ano os três filhos de 13, 9 e 6 anos (Fábio) sob os cuidados de sua filha mais velha, Gisele de 24 anos que, por sua vez, tinha uma filha de 6 anos (Sheila). Dessa forma, Gisele era responsável pelos três irmãos e pela filha. Gisele estudara até o primeiro colegial e morava com as crianças em uma casa cedida pelo pai de sua filha, que era caminhoneiro e não passava muito tempo na cidade (sem que ambos mantivessem qualquer relacionamento conjugal). A casa da família apresentava um péssimo estado de conservação, tendo vidros e móveis quebrados, muito lixo e mato no quintal e odor forte. Tanto o pai de Sheila quanto a mãe consumiam álcool e/outras drogas, sendo o consumo frequentemente abusivo. Focalizando Fábio, Fernanda achava que sua atitude não era de abandono, dizendo que não tinha condições de levar todas as crianças para morar com ela, mas que passava na casa das crianças algumas vezes por semana para vê-las (havia semanas que passava todos os dias, outras menos), levando pão ou dando dinheiro para as crianças comprarem alguma coisa no bar. Fernanda não trabalhava (era amasiada a outra mulher que era quem sustentava a casa em que vivia). Assim, toda a responsabilidade pela manutenção da rotina e dos cuidados das crianças ficava a cargo de Gisele. Gisele, em seu turno, tinha uma aparência descuidada (era desleixada consigo mesma). Ela não trabalhava, portanto, não raro, tinha pouco ou nenhum dinheiro, mas não procurava emprego. Ficava em casa o dia inteiro ou andando pela rua. Mantinha a casa com o dinheiro dado por um programa de renda mínima da prefeitura (60 reais) e com uma cesta básica por mês. Frequentemente era a assistência social da prefeitura municipal que pagava contas de água e luz. As duas adultas cuidadoras dessa família, Fernanda e Gisele, entravam em conflito frequentemente (brigas/discussões). Gisele também tinha muitos conflitos com o pai de sua filha quando ele estava presente. Este ameaçava expulsar a mãe e as crianças de sua casa e chegou a separar a casa em duas partes depois de uma briga, sendo que mãe e crianças ficaram morando na sala da casa.

Família B (Tatiana)

Lucia (30 anos) vivia com o marido Luiz 31 anos, com o qual tinha três filhos com idades de 12, 6 (Tatiana) e 02 anos. Lucia era trabalhadora rural (com renda de 1 salário mínimo) e era a única adulta que trabalha na casa, pois o marido, que era dependente de álcool e outras drogas, passava o dia fora de casa, em bares. A família vivia em uma casa alugada, embora não pagasse o aluguel havia meses, sendo

Identificação/ Família

Breve caracterização do cenário familiar

ameaçados frequentemente de despejo pelo proprietário. A casa em que viviam apresentava um péssimo estado de conservação (era muito escura, tinha as paredes sujas, úmidas e rachadas, lixo no quintal e, às vezes, presença de animais como baratas e escorpiões que entravam). Lucia e o marido viviam frequentes episódios de violência conjugal (com agressões verbais e físicas, inclusive com ameaças de morte) na presença das crianças. A genitora queixava-se frequentemente de cansaço extremo, dores no corpo e dificuldades para dormir. Transferia muitas responsabilidades domésticas à filha mais velha, que cuidava dos irmãos mais novos como também da organização da casa no período que a mãe estava trabalhando. A família recebia bolsa família, mas pelo alto absenteísmo das crianças na escola, vivia sob o risco de perdê-la.

Família C (Inácio)

Mariana, 24 anos, era mãe de quatro crianças de 7, 6 (Inácio) e 3 anos, e um bebê de cinco meses, sendo que estava grávida de mais um bebê. Mariana referia nunca ter trabalhado e dizia que não queria trabalhar, tendo estudado até a 6 série . Três de seus filhos, incluindo Inácio, moravam com a sua mãe (avó das crianças), pois essa detinha a guarda das crianças. A avó (Ana), 43 anos, tinha uma casa própria, era trabalhadora rural e ganhava um salário mínimo. O avô das crianças era dependente de álcool e não trabalhava, passando a maior parte do dia fora de casa, em um bar. Como a avó trabalhava o dia inteiro, quem ficava com crianças era a própria mãe biológica, que morava em outra casa, com seu companheiro (pai de seu bebê mais novo). A avó dizia que pegara a guarda das crianças porque a mãe na época “era

muito irresponsável” e queria dar o bebê Inácio para adoção. Conta que o bebê nasceu prematuro e ficou internado no hospital por dois meses, sendo que a mãe nunca foi visitá-lo. A avó relatava muito cansaço e desânimo de cuidar dos três netos e de mais uma filha sua, ainda adolescente, sendo que, por isso deixava cada vez mais as crianças sob responsabilidade da mãe biológica e alegava que queria devolver a guarda: “ela tem que assumir os filhos”. Mariana, contudo, expressava não ter planos de reconquistar formalmente a guarda das crianças. Assim, de fato, a mãe era quem, no cotidiano, assumia a obrigação de levar e buscar as crianças na escola, fazer as refeições, cuidar da higiene e supervisioná-las, Mariana, no entanto, frequentemente acordava tarde fazendo com que as crianças perdessem a aula, esquecia de ir buscá- las na escola, não limpava o quarto das crianças na casa da avó, que cheirava urina, e esquecia-se de dar banho antes da aula fazendo com que as crianças fossem à escola cheirando mal. Ademais, a avó referia que a mãe usava punição corporal excessivamente com as crianças que chegavam a ter medo dela. A avó também apontava que a mãe rejeitava o filho Inácio, demonstrando ter menos paciência com ele, preferindo e dando mais atenção aos irmãos.

Quadro 4: Caracterização das famílias reunidas no subgrupo “Negligência Confirmada - Crônica”