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Considerações Finais Do Capítulo

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AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS COMO ESTRUTURAS DE MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS MATERIAIS E SIMBÓLICOS

3.4 Considerações Finais Do Capítulo

No presente capítulo, analisei a emergência de novas modalidades de organização social na comarca, especialmente as que relacionam os aldeões com a sociedade mais ampla. Além disso, explorei alguns aspectos para compreender as motivações que têm os agentes para articular-se com esses espaços e qual seu papel nas estratégias de reprodução social dos yaveños.

A organização comunitária aborígine constitui-se em uma instância de organização formal primária nas aldeias. Embora não seja integrada por todos os membros da comunidad, no discurso dos yaveños e na perspectiva dos agentes externos é pensada como a entidade representativa de todos os aldeões. A conformação das OCAs foi favorecida por um novo marco

75 Isso é particularmente expressivo para o caso da força policial, que só intervém quando os conflitos comunitários

institucional caracterizado pelas políticas do Estado Nacional e pelo agir dos membros das instituições públicas e privadas de promoção social. Esses agentes, ao definir as OCAs como destinatárias de suas ações, em lugar dos grupos domésticos ou pessoas individuais, condicionaram os aldeões a participarem desses espaços para aceder aos benefícios disponibilizados através dos projetos que são executados. Esse reconhecimento que os agentes externos fazem das OCAs contribuiu a que se constituíssem em um dos principais canais de vinculação dos aldeões com a sociedade mais ampla, quando menos, no que tange à mobilização de recursos.

No âmbito regional, observa-se a emergência de novos atores sociais, como os membros de MINKA e os dirigentes da Organização Camponesa e da Organização Kolla, que promovem novas modalidades de articulação e relacionamento. Através dos dirigentes dessas organizações, sempre com a intermediação dos presidentes das OCAs, os aldeões articulam-se com representantes do governo provincial e nacional e de outras instituições públicas e privadas. Antes, essa intermediação estava monopolizada pelos representantes políticos e pela Igreja Católica.

Os dirigentes dessas organizações sociais têm assumido um papel chave na cena local, que pode ser pensado através da noção de mediação social. Por um lado, mobilizam no território recursos econômicos através dos projetos que executam nas aldeias. Por outro, difundem visões de mundo que gradativamente começam a permear, não sem disputas e resistência, o senso comum yaveño, contribuindo a promover algumas transformações em suas lógicas de relacionamento e nas estratégias de reprodução social.

Um papel distintivo desses novos mediadores sociais, especialmente os técnicos de MINKA, é que, no espaço local, articulam sob um mesmo sentido uma diversidade de projetos criados por diferentes instituições de promoção social. Tanto o Estado Nacional como outras instituições de promoção social, públicas e privadas, nacionais e internacionais, formulam políticas de intervenção dirigidas a determinados setores sociais e segundo temáticas sociais (gênero, indigenismo, jovens, produção, saúde, tecnologia, etc.). No geral, são ‘ações pontuais/’ que não são pensadas para a especificidade dos diferentes locais onde finalmente serão executadas, nem estão explícitamente integradas às ações que outros agentes realizam nas diferentes temáticas. A diversidade de atores e iniciativas que coexistem na promoção social, não raro, podem constituir um empecilho na concreção de um “processo integral de desenvolvimento”. Contudo, no território estudado, esses mediadores sociais, especialmente os técnicos, operam captando e selecionando as diferentes ‘oportunidades’ (fontes de financiamento) disponíveis ‘no mercado da promoção social’. Através desse agir, compatibilizam-nas e fazem- nas coerentes em um ‘projeto de mudança social’. Desse modo, agem como ‘facilitadores’ para que os camponeses conciliem os diferentes projetos em uma estratégia de vida, que por certo nem sempre é congruente com as lógicas nativas. Esse papel que assumem contribui a que se constituam em agentes com grande influência em várias das transformações sociais que estão ocorrendo no lugar.

A “ajuda”, seja para oferecer, seja para receber, acaba por ser a motivação sobre a qual se estruturam os vínculos nessas organizações sociais. Os aldeões percebem-se na posição de ‘receber ajuda’ para melhorar suas condições de existências. Os mediadores sociais – técnicos de MINKA e dirigentes da Organização Camponesa e Organização Kolla– assumem a posição de ajudá-los através de disponibilizar recursos – tangíveis e intangíveis. Porém, longe de ser uma

ajuda gratuita ou desinteressada, em todas as situações encontram-se expectativas de retorno. Assim, o vínculo adquire características do tipo de reciprocidade balanceada.

Contudo, diferentemente da ajuda entre pares que ocorre no âmbito da aldeia ou entre parentes, as prestações de favores entre os membros dessas organizações sociais são de natureza diferente. Por um lado, ocorrem entre agentes situados em posições diferentes – dirigentes-bases ou técnicos-beneficiários. Por outro, intercambiam bens de natureza diferente (ajuda material e na gestão dos empreendimentos produtivos e comerciais por participação em diferentes eventos e apropriação das visões de mundo proposta). Porém, essas expectativas de retorno nem sempre são entendidas da mesma forma, o que contribui na geração de conflitos, especialmente nos casos onde se espera que os aldeões mudem suas conceições de mundo. Certamente, isso colabora para que as trocas sejam, conforme Sahlins, “mais conscientes e calculadas”.

Os técnicos de MINKA e, em menor medida, os dirigentes da Organização Camponesa e da Organização Kolla manifestam desconformidade com a realidade social vigente, por um lado, e a necessidade de operar certas transformações, por outro. O discurso de cada organização apresenta certa especificidade, mas isso não implica que sejam dicotômicos, embora as organizações não ajam de maneira articulada. Os dirigentes de OC têm centrado suas ações em aumentar a influência dos aldeões na tomada de decisões dos governos locais e promover empreendimentos produtivos a fim de melhorar suas condições de vida. Por sua vez, os dirigentes indigenistas centraram suas ações na luta pela terra e, em menor medida, estão promovendo uma mudança nos sentidos atribuídos ao indígena no local. Essas especificidades dos projetos nem sempre são percebidas pelos aldeões, embora gradualmente se apropriem de elementos de um e outro discurso.

CAPÍTULO IV

A POLÍTICA: A AMBIGÜEDADE DE UM DOMÍNIO SOCIAL PRECISO

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