• Nenhum resultado encontrado

O espectro político-partidário yaveño

No documento Download/Open (páginas 184-200)

A POLÍTICA: A AMBIGÜEDADE DE UM DOMÍNIO SOCIAL PRECISO DA ADMINISTRAR

4.2 A Configuração Da Arena Política Yaveña

4.2.1 O espectro político-partidário yaveño

Desde o retorno da democracia no país em dezembro de 1983, na Província de Jujuy governaram representantes do Partido Justicialista, ou peronismo como é denominado comumente. Os partidos de oposição, que desse momento tiveram certa representatividade e continuidade, foram a União Cívica Radical – radicalismo – e o Movimento Popular Jujeño. Nas diferentes eleições, essas três forças políticas concentraram entre 85% e 99 % dos votos.

O radicalismo foi fundado em 1891. Durante o século XX essa estrutura partidária teve ampla presença em todas as províncias do país e presidiu o governo nacional em diferentes períodos. Desde 1983, dois governos nacionais (1984-1989 e 1999-2001) estiveram a cargo de representantes desse partido, porém ambas as gestões deveram finalizar antes do prazo devido a crises econômicas e políticas. Na Província de Jujuy, o radicalismo teve uma significativa presença. Nas diferentes eleições, o caudal de votos oscilou entre 20 % e 49 %, ora participando como partido, ora em frentes eleitorais com outras forças políticas. No entanto, na medida em que se sucederam os falidos governos nacionais que encabeçaram seus dirigentes, a presença radical e seu caudal eleitoral no país e na Província foram drásticamente reduzidos. Em 2007, apenas atingiram 21% dos votos provinciais.

O Movimento Popular Jujeño – MPJ – foi um partido político provincial que participou das eleições provinciais no período 1983-1995, consolidando-se como terceira força. Em 1999 integrou a ALIANZA - frente eleitoral nacional conduzido pelo radicalismo e opositor ao peronismo-, que culminou subitamente sua existência com “a crise nacional de 2001”. O MPJ dissolveu-se como força política e seus dirigentes emigraram para outros partidos políticos.

A Comissão Municipal de Yavi caracteriza-se por ser um distrito com baixa incidência no caudal de votos provincial. Seus 954 eleitores inscritos (em 2007) apenas representavam 0,23% dos votantes provinciais. No entanto, as principais forças políticas provinciais costumam apresentar seus candidatos locais nas eleições. Indubitavelmente a força majoritária é o peronismo, cujos candidatos ganharam todas as eleições desde 1983. Essa permanência no governo provincial e local levou-o a que fosse denominado na linguagem coloquial como “oficialismo” e o restante das forças políticas como “oposição”, inclusive a facções peronistas dissidentes que eventualmente concorrem nas eleições.

Na década de 1980, o radicalismo teve uma presença significativa no distrito, principalmente na localidade de Yavi. As pessoas lembram que a distribuição de forças políticas nessa localidade era uma média entre peronistas e radicales. Mas os recorrentes fracassos dos governos radicales nacionais deterioraram essa correlação de forças.

Há uma característica importante de salientar no que concerne aos motivos que exprimem os yaveños quando justificam sua filiação a alguma dessas forças políticas. Enquanto os que aderem ao peronismo fundamentaram essa opção nos direitos que Perón lhes dera, especialmente trabalhistas, os radicales sempre justificaram sua opção política por negação ou rejeição do

peronismo. Nos quatro relatos que obtive de dirigentes radicales, não percebi que seus membros optassem por essa força política em função de alguma conquista, passada ou presente, efetivada por dirigentes nacionais, provinciais ou locais. Perante a interrogação sobre o porquê de sua filiação a essa força política, suas respostas sempre começaram questionando o labor do peronismo. Só em uma ocasião um dirigente radical invocou um referente histórico do radicalismo. Mas nos outros relatos era evidente um desconhecimento da história desse partido centenário. Aliás, todos reconheceram o melhoramento nas condições de vida dos yaveños durante o governo de Perón. Não por acaso, desses quatro referentes radicales, três tinham participado ativamente no peronismo. Mas por diferenças com os dirigentes peronistas optaram por passar à oposição.

Em 2005 e em 2007, apresentaram-se quatro forças com candidatos para a Comissão Municipal (Tabela 4.1 e Tabela 4.2). Em ambas as eleições, três das forças que concorriam referenciavam-se com o peronismo e a outra (Alianza Frente Jujeño) representava um frente eleitoral conduzido pelo radicalismo. Na eleição de 2005, as duas forças de inspiração peronista (Alianza Frente para la Victoria e Alianza Frente Unión por Jujuy) participavam das eleições com uma chapa de presença provincial. O Movimento Acción Popular era uma chapa local com presença em quatro municípios da Puna. As duas vagas que estavam em jogo para a Comissão Municipal foram ganhas pelos candidatos da Alianza Frente para la Victoria, conduzida no local por dirigentes alinhados à facção do peronismo que governa a Província e a Nação.

Tabela 4.1 Resultados das eleições para membros da Comissão Municipal de Yavi, 2005.

Partido político ou Frente eleitoral Votos Porcentagem

Alianza Frente para la Victoria 389 59,5 Movimiento Acción Popular 162 24,7

Alianza Frente Jujeño 38 5,8

Alianza Frente Unión por Jujuy 4 0,6

Votos Brancos 56 8,6

Votos Nulos 5 0,8

Total 654 100

Fonte: Tribunal Electoral Permanente de la Província de Jujuy

http://www.tribelectoraljujuy.gov.ar/modulos/escrutmun.asp?ele=2005 [acesso 17/04/2008].

Em 2007, as três forças peronistas que concorreram na eleição (Alianza Frente para la Victoria, Alianza Primero Jujuy e Alianza Frente Unión por Jujuy) enquadravam-se em alguma das facções provinciais do peronismo e concentraram 91 % dos votos. Nessa ocasião, as duas vagas em jogo foram ganhas pelos candidatos das duas primeiras forças.

Tabela 4.2 Resultados das eleições para membros da Comissão Municipal de Yavi, 2007.

Partido político ou Frente eleitoral Votos Porcentagem

Alianza Frente para la Victoria 388 56 Alianza Frente Primero Jujuy 213 30

Alianza Frente Jujeño 34 5

Alianza Frente Unión por Jujuy 3 0,5

Votos Brancos 37 5

Votos Nulos 20 3

Total 695 100

Fonte: Tribunal Electoral Permanente de la Província de Jujuy

http://www.tribelectoraljujuy.gov.ar/modulos/escrutinio07.asp [acesso 17/04/2008]

Pareceria que en Yavi o radicalismo, mais do que ser uma alternativa política, constitui-se em uma estrutura donde fazer oposição à facção governante do peronismo. Evidentemente a vida política local, em sintonia com o que acontece no âmbito nacional a partir de 2001, tem se centrado na dinâmica das disputas internas do peronismo. Essa luta de facções reflete-se nas eleições gerais através de diferentes chapas que adscrevem ao peronismo.

4.2.2 “Graças a Perón...”: a dádiva na configuração da filiação peronista

Entre cientistas, militantes populares e cidadãos argentinos existe certo consenso em reconhecer o Dia da Lealdade Peronista – manifestação popular ocorrida em 17 de outubro de 1945 na cidade Buenos Aires– como ato fundacional do Movimento Peronista. Nessa oportunidade milhares de manifestantes, conduzidos por dirigentes sindicais, mobilizaram-se à Praça de Maio para reclamar pela libertação do Secretário de Trabalho, Coronel Juan Domingo Perón, que fora apressado pelos integrantes do governo militar de que fazia parte. Meses depois, em fevereiro de 1946, Perón ganha as eleições nacionais e consagra-se presidente, iniciando-se no país um importante ciclo de transformações sociais, especialmente no que diz respeito às políticas trabalhistas. Grande parte do fenômeno que significou o peronismo nessa década compreende-se mais amplamente se se considerar o contraste na vivência das classes populares entre a série de governos conservadores na década anterior – denominada década infame76

– e a adveniência de um governo ‘de corte popular’, como o de Perón.

76 Em 1930, o general José Félix Uriburu, membro proeminente da oligarquia açucareira do noroeste do país, realiza

um golpe de estado iniciando o ciclo político denominado década infame que culmina em 1943. No imaginário popular e na perspectiva de diferentes historiadores, esse período caracterizou-se pelas alianças dos governantes com setores agraristas nacionais e capitalistas estrangeiros, a repressão dos sindicalistas, a sistemática corrupção e a fraude eleitoral.

Na Puna o peronismo é a referência político-partidiária imediata da maior parte da população. Isso não só se registra nos atos eleitorais, mas também na filiação política à que aderem as pessoas quando são indagadas. As referências que acionam os yaveños sobre o peronismo não são muito diferentes das enunciadas pelos operários das grandes cidades do país. Os direitos trabalhistas obtidos nessa época e o melhoramento nas condições de vida constituem- se em um ponto de referência para salientar a mudança que significou o peronismo. “Graças a Perón nós temos pelo menos o salário”; “pagaram-nos o salário de nossas esposas”; “melhoraram os salários”; “além do mais, graças a Perón nós podemos nos aposentar”. Frases desse tipo são freqüentemente enunciadas ora por pessoas idosas, ora por jovens que relatam o narrado por seus pais ou avós, para ilustrar o que significa Perón, o que Perón fez por eles e, em conseqüência, o porquê de ser peronista.

Na percepção de muitos yaveños, em particular a daqueles que emigravam para a colheita de cana-de-açúcar na década de 1930, a chegada de Perón ao governo não só melhorou as condições de vida em termos materiais, também possibilitou por primeira vez a vivência da dignidade. Foi nos relatos dessas pessoas onde pude perceber facilmente a vivência da discriminação étnica e do maltrato físico que “sofreram”, como costumam narrar, quando levados aos engenhos para trabalhar na safra. Lembranças de chicotadas ou fumigações massivas, quando embarcados primeiro nas carroças e depois no trem com rumo ao engenho, foram enunciadas para ilustrar-me o “trato de animais” que recebiam e como eram submetidos a um trabalho inumano, ilustrado muitas vezes como “escravo”.

Na literatura sobre o campesinato puneño, abundam relatos sobre as duras condições de trabalho nos engenhos e como isso foi possível através das intrincadas relações que as oligarquias agrárias do noroeste argentino mantinham com o poder político na década de 1930. No entanto, em poucas ocasiões esses relatos são documentados. Apenas Ian Rutledge (1987), no livro Cambio agrário e integración. El desarrollo del capitalismo em Jujuy 1955-1960, oferece informação e documentação que me possibilitou ter uma maior compreensão e realizar inferências, a partir dos dados coletados, sobre como funcionava o domínio da política no âmbito local e provincial naquela época.

Rutledge demonstra que Patrón Costas, dono do engenho San Martín del Tabacal localizado na vizinha Província de Salta, tinha, entre 1930 e 1949, o controle sobre quase um milhão de hectares distribuídos entre as Províncias de Salta e Jujuy. Dessa extensão, 100 mil hectares correspondiam à fazenda de Yavi, a totalidade da comarca sob estudo nesta pesquisa. A finalidade da pose de semelhante extensão de terra, de baixa produtividade agropecuária, não radicava nos recursos naturais que ali existiam, senão na mão-de-obra que significava a população residente. A terra foi comprada ou arrendada para recrutar operários no momento da colheita da cana-de-açúcar no engenho, sob justificação do pago do arrendamento, isto é, o direito a viver ‘nas terras do patrão’. Desse modo, grande parte dos yaveños, incluídas mulheres e crianças, era obrigada a emigrar à safra seis meses por ano. No engenho não havia horário de trabalho, “trabalhava-se de sol a sol” sob condições de temperatura extrema. O salário era pago segundo o trabalhado, mas antes era descontada a parte correspondente ao arrendamento no lugar de residência. Além do mais, os operários eram obrigados a fornecer-se de alimentos e insumos nas lojas do engenho. O consumido descontava-se do pagamento final. Para evitar o surgimento de sublevações ou conflitos, cada engenho tinha forças de segurança que controlavam a ordem. Se se considerar que grande parte da população era analfabeta e a correlação de forças que existia dentro do engenho, compreendem-se as irregularidades que existiam na remuneração dos

operários. Isso é lembrado pelas pessoas idosas quando relatam suas vivências no engenho, evidenciando sua vulnerabilidade ante os donos dos engenhos e os administradores.

Rutledge explica as condições que fizeram possível a existência de um sistema de recrutamento de mão-de-obra com traços de servidão, já entrado o século XX no noroeste argentino. Patrón Costa foi senador nacional pela Província de Salta entre 1932 e 1943. Nesse período também foi presidente do Senado da Nação, presidente interino da Nação em 1942 e presidente do governante Partido Democrata Nacional (conhecido como partido conservador) entre 1931 e 1935. Seu irmão, Luis Patrón Costas, foi governador de Salta entre 1936 e 1940. Outras famílias com interesses no setor agrário da região estavam envolvidas nas instituições públicas de governo (RUTLEDGE, 1987:190-191).

Essa influência no poder político nacional e provincial era complementada no âmbito local através dos serviços que recebiam dos “contratistas”. Esses agentes representavam o interesse do dono do engenho nas fazendas da Puna e recrutavam e organizavam o envio dos camponeses na época da safra. Nessas áreas, possuíam um poder de autoridade, semelhante ao de polícia. Considere-se que os residentes estavam morando na propriedade do patrão e que as terras em questão estão localizadas em um território desértico e de fronteira. Nessas condições, é pertinente inferir que a presença das instituições do Estado nacional e provincial (polícia, juizes, etc.) era mínima, quando não inexistente ou fortemente influída pelo poder político provincial, isto é, o do próprio dono do engenho.

Os “contratisas” freqüentemente eram os donos das pequenas lojas locais e, através da venda e créditos outorgados aos residentes, (re)produziam relações de dependência consigo, fortalecendo sua autoridade e poder local. Segundo Rutledge, o agir desses agentes não se limitava ao recrutamento de mão-de-obra e à comercialização com os camponeses, também tinha um papel ativo no recrutamento de votos, que possibilitava, por um lado, a reprodução das posições ocupadas por seus patrões no governo provincial e nacional e, por outro, a projeção política dos “contratistas” no cenário político local ou provincial. Em Yavi, a família Salazar operou como “contratista” de Patrón Costa. Mamerto Salazar foi deputado provincial entre 1932 e 194277 (RUTLEDGE, 1987:192-199).

As condições de trabalho no engenho começaram a mudar com a chegada de Juan D. Perón à Secretaria de Trabalho da Nação. Em outubro de 1944, foi sancionada a Lei 12.921, conhecida como “Estatuto del peón”, através da qual se estenderam ao âmbito rural vários dos direitos trabalhistas. A Lei tinha um apartado especial para regular as condições de trabalho nos engenhos açucareiros. Essas medidas possibilitaram elevar o salário, melhorar as condições e reduzir a jornada de trabalho, obrigava os empresários a oferecer morada e assistência sanitária aos operários e educação para as crianças, além de outorgar o direito de aposentadoria e salário familiar. Finalizada a “década infame”, os sindicatos nacionais adquiriram uma renovada força, ora sob condução do peronismo, o que fomentou a organização dos operários nos âmbitos de trabalho ainda não sindicalizados, especialmente nos engenhos.

77 Os Salazar são considerados uma família tradicional em Yavi, fato que se observa no mausoléu da família no

cemitério e na casa que ainda têm na vila. No entanto, há anos que os descendentes dessa família não residem nem participam na política local, embora para alguns eventos festivos visitem a vila. A partir das observações realizadas e dos relatos obtidos, infiro que essas famílias tradicionais perderam o poder que em outras épocas tiveram, quando menos, atualmente não têm interesses econômicos, nem controlam facção alguma no lugar.

Nas Províncias do noroeste argentino, é nas reformas trabalhistas nos engenhos onde se evidencia com maior ênfase a significativa mudança nas relações contratuais entre os empresários e os operários. No entanto, a profundidade das transformações sociais, em particular a mudança na assimetria de poder entre classes sociais, ganha força a partir da mobilização que iniciam em 1945 os indígenas puneños com o objetivo de reivindicar a entrega da titularidade das terras. Esse ciclo de protestos adquire sua máxima expressão em 1947 no Malón de la Paz. Através do decreto N° 18.341 em 1949, Perón expropria 58 fazendas da Puna e da Quebrada de Humahuaca. Em um primeiro momento, passaram a estar sob propriedade do governo nacional e depois provincial. Apesar de que não respondesse à reivindicação dos indígenas outorgando-lhes o título de propriedade das terras, cedeu o direito a residir nelas durante uma geração. Os puneños deixaram de residir nas terras de Patrón Costas e de estar obrigados a emigrar a cada ano à safra. No entanto, incentivados pelo incremento salarial e as melhores condições de trabalho continuaram assistindo aos engenhos (RUTLEDGE, 1987:211-214).

Da caracterização apresentada por Rutledge, observa-se que o conjunto de leis e decretos sancionados por Perón não só melhoraram as condições materiais de existência dos puneños em geral, e dos yaveños em particular, mas também afetaram diretamente as relações de sujeição sobre as quais se reproduzia a ordem social vigente. De fato, nos relatos dos yaveños se valora tanto o melhoramento material, como a dimensão simbólica da qualidade de vida.

Em várias ocasiões, os entrevistados afirmaram: “com Perón nós tivemos a carteirinha de identidade”. Interpreto que com essa expressão tentaram ilustrar-me diferentes aspectos dos ganhos obtidos em termos de cidadania. Parece ser que, por um lado, muitas pessoas acederam por primeira vez a sua carteira de identidade e puderam participar das eleições. Por outro, entendo que com a expropriação das fazendas da Puna, as instituições do Estado ganharam maior presença na região e, com elas, tanto as forças de segurança como as próprias eleições adquiriram certa autonomia dos interesses dos donos dos engenhos. Por último, em 1947 as mulheres tiveram, por primeira vez na historia argentina, direito ao voto.

Quando se indaga aos yaveños sobre o peronismo, quem pergunta defronta-se com esses imaginários populares altamente consagrados como mitos, quer dizer, um passado idealizado a partir de certos ganhos na qualidade de vida. Saliento que sempre foi uma referência ao passado e à figura de Perón, isto é, à pessoa mais do que ao movimento peronista. Em poucas ocasiões, existiu uma referência imediata aos membros do partido justicialista atual. Quando referidos a estes, mais assiduamente falavam em termos de “o oficialismo”, “os políticos” ou “o partido justicialista”. Mas a categoria peronismo surgiu imediatamente associada a Perón e aos direitos que ele lhes deu. Na esmagadora maioria das vezes, as pessoas afirmaram ser peronistas porque “graças a Perón...” eles acederam a uma melhor qualidade de vida. Nesse sentido, ser peronista parecia fazer parte de um agradecimento, ou, em outras palavras, constituía-se em um tributo, em uma espécie de homenagem através da qual se retribuía com a lealdade a quem lhes dera tanto78.

A partir das transformações que ocorreram na década de 1940 é apropriado supor que mudou significativamente a lógica da areana política yaveña. Por um lado, eclodiu um novo partido político – o justicialista– que, através da estrutura sindical no engenho, articulava-se com grande parte de suas bases e consagrou-se como majoritário no distrito. Mas, ao não existirem

78 Existiram relatos de pessoas, no geral envolvidas no partido justicialista, que explicaram sua opção pelo peronismo pelo fracasso dos últimos governos nacionais do partido radical. As crises inflacionárias desses governos foram o motivo referido.

pesquisas que documentem as mudanças ocorridas no funcionamento do domínio da política no distrito entre 1940 e 1983, desconheço o acontecido com a estrutura política do partido conservador no lugar. Em particular, refiro-me ao papel que passaram a desempenhar os contratistas. Embora tenha finalizado a sujeição dos yaveños para assistirem aos engenhos através da expropriação das fazendas, não implica que tenha diminuído sua dependência dos contratistas, nem que estes tenham continuado fieis aos donos dos engenhos. De fato, no meu trabalho de campo, alguns yaveños referiram-se à família Wayar-Salazar, antigos contratistas de Patrón Costa, como se fossem peronistas. Pareceria correto inferir que alguns dos contratistas mudaram de cor política, reproduzindo-se na posição que tinham atingido.

Nas entrevistas realizadas, não foi fácil registrar aspectos da vida política no local anteriores à década de 1990. Os relatos dos entrevistados sempre se remontaram a um passado relativamente recente. Tampouco achei na Comissão Municipal registros onde pudesse coletar as chapas e candidatos que se apresentavam às eleições. Os relatos sobre a década de 1980 ilustraram uma cena política onde existia um dirigente do partido justicialista, “o caudillo”, originário da vizinha cidade de La Quiaca, e que chegou a ocupar cargos de importância no governo provincial, entre outros vice-governador e senador provincial. O caudillo possuía grande

No documento Download/Open (páginas 184-200)