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O vínculo técnico-dirigentes no contexto da Organização Camponesa

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AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS COMO ESTRUTURAS DE MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS MATERIAIS E SIMBÓLICOS

3.2 A Criação Da Necessidade De Mudança Social: Os Técnicos De MINKA E Os Dirigentes Da Organização Camponesa Na Produção De Um Projeto Político

3.2.3 A Organização Camponesa um novo ator na cena local

3.2.3.1 O vínculo técnico-dirigentes no contexto da Organização Camponesa

Depois de anos de problemas no gerenciamento da loja do Movimento Territorial em San Salvador de Jujuy, em 2006 decidiu-se que iria ser fechada. A decisão afetaria a comercialização de produtos dos membros das diferentes organizações. A discussão girou em torno da “falta de compromisso de algumas organizações”, ou especulação, no envio de produtos para a venda, seja em quantidade, seja em qualidade, fato que promovia o desabastecimento da loja e dificultava manter a freguesia. Perante essa situação, os dirigentes da OC decidiram assumir a gerência da loja privilegiando a comercialização dos produtos de suas “bases”. Essa tomada de posição não se restringe a uma estratégia comercial, senão deve ser interpretada à luz de outras ações desses dirigentes, tendentes a adquirir maior autonomia em relação aos outros integrantes do Movimento Territorial, incluídos os técnicos.

Nesse mesmo ano, os dirigentes da OC decidiram iniciar os trâmites para obter a pessoa jurídica de Associação Civil sem fins de lucro. Até esse momento operavam com a de MINKA, como as organizações do Movimento Territorial, para receber apoio financeiro de outras instituições. Isso obrigava a ter que formular projetos junto a outras organizações do Movimento. Em sua argumentação sobre o porquê dessa opção exprimiram que a OC estava em condições de encarar novos projetos, mas o fato de as outras organizações integrantes do Movimento não estarem consolidadas constituía-se em um empecilho para suas iniciativas. Assim, entendiam que ganhavam autonomia sem afetar o processo que se construia nessa organização.

Não obstante, essas ações tendentes à aquisição de autonomia refletiam a mudança que estava ocorrendo no vínculo dos dirigentes da OC com os das outras organizações, incluídos os técnicos. A obtenção da pessoa jurídica visava ganhar autonomia. Tal fato pode ser interpretado como um ato que tende a fazer prescindível, em parte ou totalmente, o papel de mediadores sociais que desempenham os técnicos, para disputá-lo no local. É preciso interpretar esse fato como parte do processo de transformação do vínculo entre dirigentes e técnicos, especialmente no que tange à redefinção da assimetria de poder existente entre as partes.

Para captar alguns elementos da mudança no vínculo técnico-dirigente é interessante analisar a trajetória de Ainoa, uma das principais dirigentes da OC. A jovem, de 26 anos, havia emigrado aos 16 à cidade de Salta para trabalhar como empregada doméstica. No entanto, como tantas outras experiências de emigrantes, a dela não foi boa e retornou em 1997 a sua aldeia. Nesse ano, vinculou-se a um projeto de gênero de MINKA. Em uma entrevista que tivemos em 2002, realizou a seguinte reflexão sobre seu processo de vinculação e engajamento na OC:

DEPOIMENTO 3.5

“Yo desde antes, antes... yo era como que... Me acuerdo de cuando se hacían las primeras reuniones en mi comunidad, a mí ni siquiera me interesaba, era como que eran uno más que venían... [refere-se aos técnicos]. No era capaz mi intención o para mí, antes mi futuro, estar en esto que hoy por hoy estoy aquí, ¿no? Trabajando con las comunidades y todo esto. Antes yo pensaba que el campo no servía. Me gustaba más, siempre, la ciudad.

Siempre mi pensamiento ha sido la ciudad. Pero después estuve un tiempo en la ciudad y volví a mi lugar. Y bueno, ya conocía de esto y ahí me quedé... Y bueno, de ahí, desde MINKA, me proponen para promotora y seguí un tiempo y ya en el proceso me han ido capacitando, saber qué quiere decir una organización, desde todo, ¿no? Es como que me costaba a mi eso, un tiempo, y desde ahí, desde ese año hasta hoy, pienso en un cambio total. Porque hoy por hoy pienso en el lugar donde vivo, en el crecimiento de mi comunidad, desde la Organización Campesina, desde el Movimiento y me siento parte de eso y muy comprometida, ¿no? Porque hay días que nosotros nos pasamos semanas fuera de la familia y, bueno, eso es un compromiso grande y tenemos que enfrentar eso, porque uno apuesta a eso y creemos que tiene futuro. Por lo menos eso lo creo yo... Y por eso le pongo, pilas y propuestas y lo que fuera... Lo que yo pueda estoy ahí y, como decía antes, los chicos en cada instancia nos capacitamos. Y desde los técnicos que nos han enseñando desde a usar una computadora, desde participar en una reunión... Tenemos muchas cosas que hemos aprendido... Sobre todo desde lo que uno habla y se compromete a hacer con la gente... Ese es un cambio que noto, ¿no? Y mi intención es que hoy, más adelante, seguir hasta donde pueda y a apostar al crecimiento del Movimiento, por sobre todo, y de la Organización Campesina. Desde el lugar donde uno trabaja y donde uno vive y hoy aprendo o sé que el lugar donde vivo es el mejor (...)” [MA-L-2002:11].

Ainoa reflete sobre seu processo de vinculação com a organização a partir de sua posição atual. Portanto, é difícil resgatar as motivações iniciais que a levaram a vincular-se como a proposta dos técnicos. Contudo, é interessante como realiza uma auto-objetivação e explicita o processo de mudança na sua visão de mundo e atitude. Note-se o distanciamento que realiza da visão de mundo de que o território “não é um bom lugar para morar”, para passar a conceber que “o lugar onde moro é o melhor”, no sentido que é possível melhorar as condições de existência na comarca. Em paralelo a essa ruptura, encontram-se as idéias de “capacitação”, “aprendizagem”, “ensino” que, associadas às estruturas organizativas, constituem-se na alternativa para pensar um outro futuro na região, um “crescimento para a comunidade”. Eis uma das formas em que os dirigentes assimilam a idéia de mudança social dos técnicos.

Nesse relato e nos dos outros dirigentes, é comum encontrar categorias e idéias que compõem a visão de mundo dos técnicos, mas que não são freqüentes nas falas dos camponeses. A mudança na narrativa dos dirigentes foi especialmente evidente a partir de 2001, quando começou o Programa de Formación Política de Dirigentes –PFPD- do Movimento Territorial. Nesse espaço, iniciaram um processo de reflexão sobre o que significa uma organização e ser dirigente.

O PFPD surge da motivação dos dirigentes do Movimento e dos técnicos. Para os primeiros origina-se na necessidade de capacitação para assumir os cargos que ocupam, isto é, adquirir um perfil “mais político”. Para os técnicos, a possibilidade de gerar um processo de reflexão para começar a falar em termos de um projeto político, assim como avançar na sua definição. Estava implícita a idéia de superar o projeto comunitário, restringido a questões produtivas ou comerciais, a fim de começar a articular as diferentes ações realizadas para atingir objetivos a médio e longo prazo.

Essa instância formativa significou uma mudança na percepção dos dirigentes do Movimento sobre si mesmos e do papel que vinham desempenhando. A partir do PFPD assumiram maior protagonismo na condução de suas organizações. Gradativamente apropriaram- se da função de capacitadores de suas “bases” e começaram a participar na definição de critérios,

tarefas, até esse momento, assumidas majoritariamente pelos técnicos. Embora esse processo fosse estimulado pelos técnicos, desencadeou um questionamento e uma disputa sobre seu papel em uma organização de base. Na medida em que os dirigentes foram assumindo certas tarefas, alguns começaram a sentir que prescindiam de sua colaboração. No entanto, os técnicos continuavam a participar nas diferentes instâncias organizativas.

Em 2002, essa tensão eclodiu em uma assembléia do território centro do Movimento Territorial, na que participaram dirigentes de organizações que em sua maioria não tinham sido patrocinadas pelos técnicos de MINKA. Não participaram dirigentes da OC. Nessa oportunidade, em decorrência das dificuldades que surgiram em torno da execução de um projeto, um técnico e um dirigente enfrentaram-se em um duelo verbal. O debate deslocou-se para o papel que assumiam os técnicos no âmbito de uma organização de base, como Movimento Territorial. Interpelava-se sobre sua legitimidade para opinar em questões que tangem aos produtores. Em outras palavras, desnaturalizou-se o discurso dos técnicos, no que insistentemente se afirmava que todos faziam parte da mesma organização e projeto, para colocar os técnicos por fora da organização e, nessa condição de um ‘outro’, reconhecê-los como colaboradores.

Esses fatos iniciaram um processo de mudança, certamente conflituoso, no vínculo técnico-dirigente no seio do Movimento Territorial que em 2007 ainda não tinha concluído. Se bem é interessante realizar uma abstração para analisar a dinâmica do vínculo em questão, pode- se cair em uma simplificação se a complexidade desse tipo de relação social for reduzida aos papéis (técnico e dirigente) que as pessoas ocupam nesse espaço institucional. Indubitavelmente essa dimensão estrutural tem grande poder explicativo para analisar o atrito. No entanto, os laços que ocorrem entre os agentes em poucas ocasiões reduzem-se às posições que ocupam na hierarquia organizacional, sempre envolvem uma carga subjetiva, em grande medida, de caráter emocional. De fato, detrás desses papéis sociais há pessoas que se relacionam através de outros papéis (companheiros de militância, parentes, amigos, chefes, dirigentes, educadores, etc.) e realizam favores mútuos, além de reconhecer-se como parte de um coletivo. O vínculo que os técnicos mantêm entre si e com os diferentes dirigentes varia em função da própria história do laço. Não é o mesmo o relacionamento dos técnicos com os dirigentes que afirmam que “os ajudaram a crescer” que com aqueles que tiveram uma outra trajetória como lideranças, patrocinadas por dirigentes políticos e/ou religiosos. Em suma, são laços com carga afetiva que mudam de pessoa em pessoa, condicionando seu posicionamento perante os conflitos. Assim, é importante considerar que os papéis sociais e, em conseqüência, as posições estruturais ocupadas na organização – embora sejam elementos estruturantes do conflito e condicionem as lógicas e tomadas de posição– nunca acabam por explicar completamente as posições tomadas pelos atores.

No caso analisado, embora se enfrentassem técnicos e dirigentes, não significou que a tomada de posição dos outros dirigentes do Movimento Territorial fosse acorde a esses papéis. Embora esse atrito explicitasse uma contradição no âmago dessa organização – refiro-me à relação mediador-mediado–, houve dirigentes que se somaram ao questionamento, outros ficaram aliados dos técnicos e a maioria ficou expectante, sem evidenciar sua tomada de posição. Finalmente, os técnicos negociaram com os dirigentes redefinir a composição dos espaços deliberativos e decisórios, que passaram a ser integrados só por dirigentes53.

53 Em um artigo (COWAN ROS, 2005), descrevo e analiso o atrito e a forma em que ocorreu o ‘duelo verbal’ nessa

Aos fins desta pesquisa, esse debate serve como cenário para compreender a evolução do vínculo dos dirigentes da Organização Camponesa com os técnicos, pois efetivamente o conflito no âmbito do Movimento influenciou esse vínculo. Em 2002, dias após a disputa na assembléia, indaguei a Ainoa sobre sua percepção do atrito que se apresentara na assembléia territorial. Em sua reflexão exprimiu:

DEPOIMENTO 3.6

- Al principio [o Movimento] era más de los técnicos. Nosotros íbamos más por escuchar, no poníamos tantas propuestas, siempre los técnicos decían “hagamos esto” o “nos podemos juntar así”(…) Pasó un tiempo y los representantes fuimos creciendo, más en el sentido de participación, de saber qué es una organización, por las mismas capacitaciones de los técnicos. Hoy nosotros, los representantes, los dirigentes, ya no somos aquellos de hace cinco años y me parece bien porque ya estamos en tiempo de decir “para qué sí y para qué no” [os técnicos]

- ¿Y para qué sí y para que no?

- Para que sí, me parece que ellos desde ayudar a hacer, desde buscar financiamiento, apoyar alguna experiencia que se viene haciendo, en ese sentido me parece bien el rol del técnico… En lo que no... a veces hay cosas que necesitan ellos solos, ¿no? Un ejemplo, decidir vender el producto... Hay algunas veces que han andado experiencias que ellos [os técnicos] las quieren mantener, quieren decidir, pero a esta altura la gente ya ha crecido, entonces la gente se para y dice: “mirá… nosotros somos los que tenemos que decidir, ya no ustedes”. Fue un caso puntual que nosotros tuvimos y me parece bien que todos hayan podido crecer y valorar, ¿no?54 [MA-L-2002:6].

Nessa narrativa está presente a idéia de que são dois os elementos que legitimam os dirigentes para assumirem a tomada de decisões. Por um lado, são eles os membros das organizações de base, não os técnicos. Novamente se constrói a idéia do técnico como um outro. Por outro lado, Ainoa, em seu papel de dirigente, assume que já “cresceram”, isto é, adquiriram capacidades e habilidades a partir do saber disponibilizado pelos técnicos. A diferença atual de capacidades entre ambas as partes não justificaria a distribuição atual dos papéis. Note-se que nesse raciocínio está implícita a visão de mundo dos técnicos que supõe a conquista da autonomia através da incorporação do saber.

Contudo, quando a entrevistada se refere a quem está legitimado para decidir, salienta os “representantes” ou os “dirigentes”. Essas categorias só têm sentido se existem ‘representados’ e ‘dirigidos’, isto é, as “bases” que carecem desse saber e, portanto, precisam de pessoas esclarecidas para se emanciparem. Desse modo, legitima a instituição que a entrevistada encarna, a de dirigente. Novamente a lógica de construção da autoridade e da posição do dominante

54 Ainoa refere um atrito com relação à comercialização de carne que havia ocorrido naquele ano. Como já enunciei a

consolidação da Organização Camponesa, em grande medida apoiou-se em um projeto de comercialização de carne patrocinado por MINKA, através do qual após vários anos abriram um canal de comercialização na capital provincial. Posteriormente, passou-se a comercializar a carne no local do Movimento Territorial sediado nessa cidade. Em 2002, após a importante desvalorização da moeda argentina (mais do 300% com relação ao dólar norte- americano) os dirigentes avaliaram que seria mais rentável vender a empresários bolivianos, que demandavam esse produto. Os técnicos avaliaram que não era oportuno abandonar o canal de comercialização na capital provincial, devido à incerteza das políticas econômicas e ao desabastecimento que se faria do local, com a consqüênte perda de freguesia. Os dirigentes acabaram por priorizar o mercado boliviano. Na visão de alguns técnicos, isso contribuiu ao desabastecimento e falência do local do Movimento Territorial, cuja gestão em 2007 foi assumida pelos dirigentes da Organização Camponesa. Eis um dos casos no qual entram em contradição os interesses dos membros das organizações de base e os interesses do Movimento, referido no início desta seção.

através da posse “do saber” reproduz-se nas relações de mediação dirigente-base, através do estabelecimento da diferença.

No entanto, em nenhum depoimento os dirigentes manifestaram a prescindibilidade dos técnicos. Sempre lhes reconheceram e concederam um lugar no Movimento Territorial. As tarefas outorgadas se restringiram a “acompanhar” ou “apoiar” suas decisões e a realizar tarefas burocráticas, isto é, vinculadas à escrita e ao saber institucional.

Note-se que o vínculo continua (re)produzendo-se em torno à noção de “ajuda”. No entanto, assim como no começo eram os técnicos os que tomavam a iniciativa para vincular-se com seus potenciais beneficiários, assumindo o papel de ‘educadores’ e indicando o caminho a seguir, agora os dirigentes questionam esses papéis instituídos, tentando definir eles qual caminho transitar e o papel que devem assumir os técnicos. Embora o vínculo continue a (re)produzir-se em torno da ajuda, está mudando a assimetria de poder e a atitude que assumem as partes. Certamente isso não é por acaso. Em parte, é resultante do processo de “empoderamento” que promoveram os técnicos. De fato, nas disputas em que se engajam os dirigentes acionam as categorias de legitimação e dispositivos de acumulação de poder disponibilizados pelos técnicos. Mas isso não significa que tenham planejado o processo dessa maneira, mais bem faz parte de seus desdobramentos.

Todavia, os dirigentes só em parte podem assumir o papel de mediadores entre as instituições públicas e suas “bases”, devido à dificuldade de se apropriarem dos saberes necessários para interagir com essas instituições. Tampouco possuem o aval que oferece o título universitário, valorado por algumas instituições de financiamento. Esses são alguns dos capitais valorizados no campo burocrático, que se impõem como limitantes à entrada de agentes desapossados desses recursos. Essa é uma das condições de possibilidade de reprodução da relação de mediação em questão.

Quando os dirigentes conseguem objetivar essa situação, tentam redefinir as regras da organização para limitar a influência dos técnicos e, assim, subordiná-los a seus interesses. Isso se expressou em uma série disputas entre os dirigentes da OC e alguns dos técnicos destinados pelo Movimento para trabalhar nas aldeias de Yavi. Em duas dessas disputas os dirigentes acabaram por demitir os técnicos.

Em outubro de 2005, durante minha permanência na Morada Camponesa fui testemunha da evolução do segundo desses conflitos. É difícil verter todos os elementos explicativos desse atrito, principalmente se o propósito é extrair desse fato uma explicação significativa para compreender a dinâmica do vínculo técnico-dirigente. Em parte, isso se deve a que o desentendimento não se desenrolou no terreno de uma disputa verbal, nem as argumentações foram completamente explicitadas. Além disso, entendo que grande parte do conflito foi permeado por diferenças de afinidade entre as pessoas engajadas. Contudo, um dado significativo é o ‘terreno’ onde os dirigentes situaram a disputa. Fazendo uso de sua faculdade de empregadores institucionalizaram o conflito e demitiram uma técnica. Posteriormente foi substituída por outra.

Os dirigentes não informaram nem advertiram a técnica de sua desconformidade, nem da decisão que iriam tomar, mas ela percebeu que algo não estava bem com uma das dirigentes. Simplesmente, convocaram-na a uma reunião do Movimento Territorial, através da qual a técnica tinha sido contratada, e apresentaram uma carta onde solicitaram sua demissão por não responder às necessidades dos membros da OC.

Existem outros elementos que possibilitam identificar novos aspectos para analisar o vínculo em questão. Ainda que os dirigentes se envolvessem em uma disputa com uma técnica, estavam em condições de enfrentar qualquer técnico dessa forma? Certamente, não. O atrito foi com uma técnica nova e antes de tomar a decisão consultaram uma técnica fundadora de MINKA55. Neste ponto, é importante relembrar que os dirigentes mantêm uma relação empregatícia e, portanto, de dependência econômica com os fundadores de MINKA. Outro aspecto esclarecedor é que a técnica ainda não tinha conseguido legitimar-se ante os técnicos de MINKA, certamente os mais influentes no Movimento.

Destarte, infiro que embora esteja mudando a assimetria de poder no vínculo técnico- dirigente, existem particularidades que se compreendem melhor a partir da posição que ocupa cada agente na hierarquia da organização e das disputas em jogo. Por um lado, entre os técnicos produz-se uma hierarquia que outorga diferentes status. A pertença a MINKA e a antiguidade nessa organização são dois elementos que elevam o status da pessoa, assim como sua formação política e o apoio que recebe dos dirigentes e produtores. Essa segregação por status dos técnicos é (re)conhecida pelos dirigentes, que estabelecem alianças com os diferentes atores segundo as disputas e interesses que estiverem em jogo56.

Mesmo que a disputa com a técnica tenha significado um jogo de queda-de-braço do qual saíram vitoriosos os dirigentes, não é para desconsiderar que antes da última jogada buscaram o aval dos técnicos melhor posicionados. Se, por um lado, os dirigentes fortaleceram sua posição ante uma ‘segunda linha’ de técnicos e ante os outros dirigentes do Movimento, por outro, contribuíram a reproduzir os fundadores de MINKA na posição dominante. Por sua vez, esses fortaleceram a confiabilidade dos dirigentes ao “respeitarem” a decisão das lideranças da OC. Pois, evidenciaram coerência com seu desejo de que os camponeses adquirissem autonomia.

Mas não se pode reduzir esse conflito a uma disputa de posições na hierarquia organizacional. Lamentavelmente os dirigentes mostraram-se relutantes a exprimir-me sua visão sobre a evolução do vínculo com os técnicos. Indubitavelmente, na visão deles, por minha

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