• Nenhum resultado encontrado

154 É importante frisar que a lógica do gerencialismo é o marco da Reforma Administrativa do Estado, ou melhor dizendo, a contrarreforma do Estado brasileiro. Entendemos que reforma é um termo utilizado historicamente como conquista dos trabalhadores e não como desmonte desses mesmos direitos, que é o que gerencialismo representa (COUTINHO, 2012; BEHRING, 2003).

Nessa lógica, foi realizada uma significativa alteração no aparelho do Estado para dar vazão ao gerencialismo, a transferência das atividades não-exclusivas do Estado para empresas públicas não-estatais. De acordo com Bresser-Pereira (1996b, p. 20) “as empresas serão mais eficientes se controladas pelo mercado e administradas privadamente”. Dentre essas mudanças defendidas pelo ex-ministro, estaria a contratação de novos trabalhadores celetistas via processo simplificado e a ampliação no processo de privatização pelo Estado.

Com essas políticas, Bresser-Pereira também desenha novas propostas para educação. Dentro dessas atividades não-exclusivas do Estado destaca os museus, os hospitais, os centros de pesquisa e as escolas técnicas que para ele, a reforma visou “transformá-las em um tipo especial de entidade não estatal – as organizações sociais” (BRESSER-PEREIRA, 1996b, p. 23). O falacioso discurso da modernização que continua a atacar o serviço público tem como um dos seus instrumentos a terceirização, que no setor público, tem como objetivo quebrar a estabilidade do servidor estatutário, principal tese defendida nessa pesquisa.

No bojo dessa perspectiva gerencial é que se criou a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, com a Lei Nº 12.550, de 15 de dezembro de 2011. Defende-se que a EBSERH representa uma terceirização dentro das Universidades Federais, visto que é transferida toda sua gestão dos hospitais universitários para uma empresa pública não-estatal. Uma empresa que tem como única função intermediar a contratação de trabalhadores, através de contratos CLT, substituindo progressivamente os funcionários públicos de regime jurídico único. Isto significa a realização da proposta de Bresser- Pereira, defendida no Plano Diretor da Reforma do Estado do Governo Fernando Henrique Cardoso; agora reafirmada e atualizada pelo Governo Bolsonaro: a quebra da estabilidade do funcionalismo público.

155 Como apontado na pesquisa, os governantes afirmaram que a empresa foi criada para solucionar o problema de sucateamento dos hospitais e resolver as contratações ilícitas das Fundações de Apoio. No entanto, o que se percebe é que esse processo de sucateamento ocorreu por decisões do próprio poder público, tanto pela diminuição do repasse de verbas quanto pela não realização de concursos públicos para a reposição do quadro de pessoal. No caso da UFBA, após anos sem reposição de pessoal, a solução encontrada foi a contratação via fundações de apoio - FAPEX, porém os pagamentos desses trabalhadores eram realizados via verbas de custeio. As verbas que chegavam para gastos com o hospital eram, portanto, direcionadas ao pagamento da folha de pessoal da FAPEX, o que acirrou a crise financeira do hospital, dificultando a compra de insumos e novos equipamentos.

Diante desse quadro, aliado à notícia do governo de que sem a adesão à EBSEHR não haveria novos concursos (UFBA, 2012), a Universidade optou pela adesão, ainda que de forma antidemocrática – sem debates amplos com o corpo universitário – e, a partir disso, foi firmado um contrato de 20 anos de gestão do Com-HUPES e da Maternidade, ambos ligados a Universidade.

Diferentemente da promessa de resolução de problemas gerenciais e de melhoria nas condições laborais, o que se observou é que com a chegada da EBSERH, os problemas permaneceram. A pesquisa acerca da percepção dos trabalhadores sobre a EBSERH aponta, dentre as principais dificuldades, que a existência de diferentes vínculos gera conflitos internos e situações de assédio moral; sendo que 46% dos trabalhadores passaram por alguma situação de discriminação por vínculo dentro do hospital. Concomitantemente, quando perguntado aos servidores se gostariam que a gestão voltasse a ser como antes, 78% afirmaram que sim, 13% informaram que está igual e não sente diferença e 9% que não. Na perspectiva daqueles que mencionaram que nada mudou referem-se principalmente aos problemas que não foram solucionados, como prometido.

Nesse aspecto, a criação da EBSERH representa diretamente o desmonte da carreira pública, visto que traz no seu bojo a contratação via processo simplificado para contratos via CLT. Com o processo de aposentadoria dentro de duas ou três décadas não haverá servidores públicos dentro dos hospitais, e todos passarão a atuar por meio do

156 vínculo celetista. Cabe ressaltar que isso representa uma vitória das políticas neoliberais, que conseguem romper com o servidor estatutário, em que elementos como salários mais altos para os celetistas podem ser entendidos como moeda de barganha pela estabilidade; e traz um silenciamento dos sindicatos e fragilização da luta coletiva.

A terceirização representa um processo de transferência da responsabilidade do Estado para com as políticas públicas de saúde, concomitante ao processo de privatizações e terceirizações (DRUCK, 2016), a mercantilização da saúde impacta nas relações e condições de trabalho desses trabalhadores.

À luz dos dados obtidos com a inserção no campo, foi importante desenvolver a hipótese que atacar primeiramente os Hospitais Universitários representa o enfraquecimento da luta sindical. Tendo em vista que o hospital caracteriza-se por ser um local em que há significativa concentração de servidores técnicos, trabalhando conjuntamente, e que, historicamente conseguiram importantes conquistas, inclusive eleger representantes para o legislativo.

Na entrevista com a servidora da gestão, Ednamara, foi realizado uma análise comparativa do HUPES antes e depois da EBSERH. Na perspectiva descrita por ela: “[...] a EBSERH veio com o intuito de melhorar todo o processo de gestão. Eu acho que isso ainda não foi muito possível. Melhorou em algumas coisas é claro, com a chegada de mais profissionais. Mas não foi um planejamento muito bem elaborado. O governo para criar a EBSERH já tinha o conhecimento que os Hospitais Universitários estavam em um processo de fragilidade de estrutura física, equipamentos e de profissionais. Onde todos os hospitais estavam trabalhando com funcionários terceirizados, tendo como âncora as fundações. E isso era ilegal”.

A mesma servidora segue pontuando que: “O Tribunal de Contas pontuou exatamente a ilegalidade desse processo, era preciso ter profissionais concursados, por causa da constituição. Só que essa foi a forma que o governo, desde os anos 90 que essas reformas de governo vêm tentando diminuir o papel do Estado. Pelo menos eu encaro assim”. E ainda aduz que: “Foi a forma que o governo achou, exatamente criar uma empresa brasileira pública, mas de gestão privada, onde os profissionais são contratados de forma celetistas e tentando mudar o processo de gestão[...]”.

157 A entrevistada também pontua como a EBSERH chegou sem nenhum planejamento, ao realizar concursos para hospitais que não tinham capacidade de absorver toda a mão de obra.Em consonância com o relato da gestora, sabe-se que o governo tinha ciência da situação frágil que se encontravam os hospitais, devido ao quadro reduzido de trabalhadores, com problemas na infraestrutura e falta de insumos e materiais. E nesse aspecto, os recursos que hoje são administradas pela EBSERH poderiam estar sendo geridos pela própria universidade, entretanto, o que ocorreu é que esses mesmos recursos só foram disponibilizados conforme à adesão da empresa pelos hospitais, o que configura uma situação de chantagem imposta, colocando a adesão da empresa não como escolha, mas como a única saída possível para a solução do sucateamento.

Reafirma-se, portanto, que o processo de desmonte desses hospitais se apresenta como uma escolha política, que inclusive vêm ocorrendo em tantas outras instituições públicas, essencialmente na área de educação e saúde – a exemplo a limitação dos gastos do Estado com saúde e educação, ditos como essenciais para o equilíbrio fiscal do país e pagamento da dívida externa, aprovada na Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos nº 95 (PEC 241) promulgada no governo do Michel Temer (MDB).

O atual governo de Jair Bolsonaro, marcado por uma avalanche de ataques aos direitos dos trabalhadores, representa um fanatismo neoliberal, que, no plano da educação, tem no ministro Abraham Weintraub, seu escudeiro na defesa de um projeto de destruição das universidades públicas federais e de sua privatização. A educação não é vista como prioridade por esse governo, e sim como ameaça, ao formar pessoas que discordam de sua perspectiva política. Em entrevista Abraham Weintraub afirmou que “as faculdades e universidades que aderirem ao Future-se vão ter de passar a contratar via CLT e não mais via concurso público” (ESTADÃO, 2019). A proposta do Future-se se inspirou também na EBSERH, pontuando aquilo que é visto como fundamental a ser feito, a contratação via CLT e não mais pelo regime jurídico único, ou seja, é a ideia de eliminar o servidor público, através da terceirização da gestão da universidade como um todo, transferindo-a para organizações sociais.

A reestruturação universitária é uma forma de atacar diretamente setores que discordam da sua postura autoritária. Nesse contexto, as Universidades, que são

158 responsáveis por produzir o conhecimento crítico e por possuir espaços democráticos para debate, tornaram-se alvos de ataques. Entretanto, a forte resistência encontrada nas universidades públicas brasileiras tem dificultado o projeto do governo, a exemplo da rejeição do Future-se pela quase totalidade das universidades e institutos federais.

O governo continua com o desmonte dos órgãos públicos, através do corte de verbas e das propostas de reforma administrativa. Para isso conta com o apoio de todos os segmentos empresariais, e de uma campanha da grande mídia que defende as privatizações e desmoraliza o serviço público, influenciando na formação da opinião pública, e em muitos casos, negligenciando a importância das instituições.

A pesquisa aponta que Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares é um projeto piloto para a proposta de privatização das universidades públicas, haja vista que a empresa foi até mencionada como exemplo bem-sucedido durante a apresentação do projeto Future-se. Nesse contexto, é fundamental defender o que é público, na mesma medida em que se defende a manutenção de direitos e o regime democrático. Essa é uma tarefa de todos os indivíduos conscientes da importância de tais elementos para se garantir um futuro com direitos e normalidade democrática. Em tempos de contrarreformas e retirada de direitos, avançar na organização e na luta coletiva para defender tudo o que foi duramente conquistado deve ser mais do que um desejo. Deve ser um dever a ser cumprido com urgência.

159 AGUIAR, André Luiz S. O assédio moral e a precarização das relações de trabalho. Orientadora: Profª. Drª. Maria da Graça Druck de Faria. Tese (doutorado) - Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Salvador, 2015.

ALMEIDA, R. Estudo de caso: foco temático e diversidade metodológica. Métodos de

pesquisa em Ciências Sociais: Bloco Qualitativo. Sesc São Paulo/CEBRAP. São

Paulo: 2016, p. 60-72.

AMORIM, Helder S. A terceirização no serviço público: à luz da nova hermenêutica constitucional. São Paulo: LTr, 2009.

AMPERT, J. et al. Hospitais de ensino: a trama da crise. Rev. Bras. Educ. Med. [online]. 2013, vol.37, n.2, p.155-156.

ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: Sader, Emir (org.). Pós-

Neoliberalismo - as políticas sociais e o Estado Democrático. Rio de Janeiro: Paz e

Terra. 1995.

ANDREAZZI, Maria de Fatima S. Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares: Inconsistências à Luz da Reforma do Estado. In: Revista Brasileira de Educação

Médica. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: 2013. p.275-284.

ANDREAZZI, Maria F. S.; BRAVO, Maria Inês S. Privatização da gestão e organizações sociais na atenção à saúde. Revista Trabalho, Educação e Saúde. Rio de

Janeiro, v. 12 n. 3, p. 499-518, set./dez. 2014.

ANTUNES, Ricardo. Há futuro para os sindicatos? In: _______. O privilégio da

servidão: O novo proletariado de serviço na era digital. São Paulo: Boitempo. 2018.

ARAÚJO, Kizi Mendonça de; LETA, Jacqueline. Os hospitais universitários federais

e suas missões institucionais no passado e no presente. História, Ciências, Saúde –

Manguinhos, Rio de Janeiro, v.21, n.4, out.-dez. 2014, p.1261-1281.

APUFPR et al. Dossiê contra a atuação da empresa brasileira de serviços

hospitalares (EBSERH) no complexo do hospital de clínicas da universidade federal do Paraná. Curitiba. 2016. Disponível em: <http://apufpr.org.br/wp-

content/uploads/2016/06/Dossi%C3%AA-EBSERH-vers%C3%A3o-final.pdf>. Acesso em: 20 Set. 2016.

ARRAZ, Lucas. 'Má gestão': Hospital das Clínicas tem 400 leitos desocupados e até

1 médico por paciente. Bahia Notícias. Salvador. 30 de jan. 2019. Disponível em:

<https://www.bahianoticias.com.br/noticia/231836-ma-gestao-hospital-das-clínicas-