• Nenhum resultado encontrado

5. O TRABALHO NO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO

5.5 As relações entre os trabalhadores da EBSERH e os servidores da UFBA

5.5.2 Satisfação no emprego

O quesito satisfação no emprego veio da necessidade de entender a relação com os sujeitos e o seu trabalho. Durante as perguntas foi possível perceber que alguns trabalhadores nunca refletiram sobre a satisfação no emprego nem se gostariam de mudar algo, enquanto outros sabiam exatamente o que lhes incomodavam. Neste item, a pesquisa mescla o nível de satisfação do emprego com elementos como autonomia, o que mudariam no emprego, se gostariam de trabalhar em outro lugar e se já desejou sair do trabalho ou pedir transferência por causa de colegas ou chefes.

No âmbito das coisas que mais gostam no trabalho estão, entre as respostas, “o trabalho em si” para 57% dos entrevistados, isto é, executar o trabalho e atender o paciente, “a equipe de colegas/relacionamento interpessoal” com 28% e “trabalhar dentro de um Hospital Universitário que seja SUS” com 14%. 1% respondeu que não gosta de nada.

Para os servidores RJU, foi realizada perguntas comparando a gestão antes e depois da EBSERH e se existiram solicitações de transferências após a chegada da empresa. Tais indagações tem o propósito de abarcar um dos objetivos da pesquisa que é a comparação entre o antes e o depois da chegada da empresa.

Do total de servidores RJU, 68% disseram que algum colega pediu transferência após a adesão da EBSERH, 27% informaram que não houve transferências e 6% não souberam informar. Dos que responderam positivamente 45% informaram que os

136 colegas pediram transferência para trocar para setores considerados “mais leves”, 24% aposentaram, 21 % saíram do HUPES, 10% não souberam informar para onde foram. De acordo com relatório fornecido pela PRODEP, entre janeiro de 2014 e março de 2019, 153 servidores pediram aposentadoria.49

Como mencionado pela enfermeira Janaína: conheço muita gente que quer sair do hospital, não sai porque é preso. Ainda tem essa, né, muita gente que queria ir para qualquer outro lugar da UFBA. A sensação relatada é de aprisionamento por terem que permanecer trabalhando para uma empresa com a qual não escolheram trabalhar, mas lhe foi imposto pela UFBA, ao aderir à EBSERH.

Quando questionado aos entrevistados dos dois vínculos se estavam satisfeitos com o trabalho, 20% informaram que não, 80% informaram que sim, e o maior motivo da satisfação era porque se realizavam profissionalmente, 52%, já 23% informaram que estavam satisfeitos pelas condições de trabalho, como salários, estabilidade e carga horária. Das outras respostas, 20% falaram que a satisfação vem da boa relação interpessoal da equipe e chefias, e 5% informaram que já esteve mais satisfeita. Uma observação importante é que 100% dessa resposta “satisfeito pelas condições de trabalho” veio de trabalhadores CLT, ou seja, apenas os celetistas informaram que o motivo da satisfação está entre as boas condições de trabalho, principalmente aos salários.

Entre os que relataram insatisfação com o trabalho, observam-se as seguintes justificativas: busca por melhores condições de trabalho (46%), relação com colegas (35%), e 19% insatisfação com os resultados. A servidora auxiliar de enfermagem, Julieta, expressou em uma frase o que a deixava insatisfeit: muito chefe para pouco índio. Referindo-se, principalmente, à gestão da empresa que colocou mais hierarquias na rotina de trabalho, como também foi citado pela enfermeira RJU, Cassandra: tem coisas simples que mudou e agora tem que passar pelo médico, pontuando o modelo de gestão médico-centrada, instaurada pela empresa, em que a centralização dos atendimentos e das chefias passam pelos médicos, isso também foi afirmado por outros entrevistados.

49 Segundo a PRODEP o número de servidores que pediram aposentadoria foram: 22 em 2014; 25 em 2015; 30 em 2016; 40 em 2017; 29 em 2018; 7 em até Mar/2019.

137 Quanto à autonomia, 70% informaram que tem autonomia, 19% que não e 11% disseram que relativamente. Entre os que disseram não ter autonomia, 73% acreditam que não a tem dada a estrutura de gestão da EBSERH e 27% dada a particularidade de cada área.

Também foi questionado o que mudariam no HUPES, se pudessem. Entres as principais mudanças: 23% alterariam a estrutura do hospital; 20% as condições de trabalho; 18% a gestão hospitalar; 14% a quantidade e qualidade dos insumos; 12 % relação entre colegas; 6% melhorariam a assistência para os usuários; 4% a contratação de novos trabalhadores; 1% trocariam o setor onde trabalham, 1% não mudaria nada e 1 % nunca refletiu a respeito disso. Ainda nesse sentido, a assistente administrativa celetista, Laura, trouxe a seguinte perspectiva:

(Laura) - O que falta aqui, um pouco, é um senso de justiça com relação à diferença de vínculos que às vezes a gente percebe que duas pessoas desempenhando a mesma função são tratadas de maneira diferentes por ter vínculos diferentes. E aí, nisso aí eu sinto um tanto de discriminação, um tanto de rejeição.

(Pesquisadora) - Mais alguma coisa que você mudaria?

(Laura) - Em geral seria isso, porque se no Hospital houvesse um senso de justiça maior, se todos fossem tratados de maneira igualitária pela função que cada um desempenha, eu acho que muita coisa poderia ser melhorada aqui dentro.

(Pesquisadora) - Você acha que esse tratamento diferente é entre colegas ou entre chefias?

(Laura) - Tanto entre colegas quanto entre chefias, nas duas esferas. E uma outra questão, é a questão da gestão do hospital que eu acho que, às vezes, deixa muito a desejar.

(Pesquisadora) - Você fala a gestão? (Laura) - Sim.

(Pesquisadora) - Que elementos está deixando muito a desejar?

(Laura) - Tem coisas que precisam, tem coisas que são urgentes e não são dadas as devidas prioridade. Que as vezes, não sei, talvez, que esteja envolvido no processo entenda por uma outra ótica. Talvez tenha um outro senso de prioridade.

Contabilizando apenas os servidores RJU, foi perguntado se a mudança de gestão para EBSERH havia gerado impactos de melhora ou piora nas condições de trabalho. Nesse sentido, 58% informaram que não fez diferença, 36% que havia piorado e 6% disseram que a gestão melhorou.

138 Logo sem seguida foi indagado se queriam que a gestão voltasse a ser como era antes da adesão à EBSERH. Para essa questão, 78% afirmaram que sim, 13% informaram que está igual e não sente diferença e 9% que não gostariam.

Uma certa incoerência pode ser identificada nessas respostas. É possível levantar a hipótese de que quando os servidores afirmam que não há diferença quanto às condições de trabalho antes e depois da chegada da empresa, ocorre pela compreensão de que muitas promessas foram feitas, mas pouco mudou na prática. Entretanto, houve alteração no campo das relações interpessoais, com a chegada dos celetistas e os conflitos que se acirraram a partir disso, por isso o desejo pelo retorno da gestão à UFBA.

Quando questionados se desejariam trabalhar em outro lugar, da totalidade, 57% dos trabalhadores afirmaram que não gostariam de trabalhar em outro lugar, relatando, dentre os principais motivos: a relação com a profissão (49% das respostas); a relação com o hospital universitário e com a sua proposta SUS, com 25%; a proximidade da aposentadoria (13%) e 13% porque gostam do setor em que trabalham.

Entre os 43% que gostariam de trabalhar em outros lugares, as principais justificativas são: 30% buscam melhores condições de trabalho; 23% desejam passar em outro concurso, sendo 100% dessa resposta foi dada por trabalhadores celetistas; 17% desejam trocar de setor dentro do próprio HUPES; 14% estão desestimulados; 11% desejam ir para outro lugar da UFBA, sendo 100% dessa resposta dada por servidores RJU; e 2% desejam trocar de cidade ondem trabalham. O servidor assistente administrativo Miguel informou que: aqui [o HUPES] é o único lugar que tem ponto eletrônico e a carga horaria é maior que nas outras unidades da UFBA. O HUPES é considerado o pior lugar para trabalhar.

No momento em que foi indagado se eles desejaram pedir transferência ou demissão em função do relacionamento com colegas ou chefias, 87% informaram que não, nunca desejaram, entre os 13% que disseram que sim, os principais argumentos foram o assédio moral, contabilizando 50% dessas respostas, 31% negligência da chefia, 13% dada a relação ruim com os colegas; e 6% por falta de autonomia imposta por chefia.

139 O relato a seguir é de uma enfermeira com vínculo RJU, Janaína, quando interpelada a respeito das questões de satisfação no emprego. A fala da mesma diz muito a respeito da opinião de outros servidores quanto à satisfação, e principalmente, quanto ao sentimento de pertencimento ao trabalho.

Janaína: Conheço muita gente que quer sair do hospital, não sai por que é preso. Ainda tem essa né. Muita gente que queria ir para qualquer outro lugar da UFBA.

Pesquisadora: - E você está satisfeita com seu trabalho no HUPES?

Janaína: Sim. Eu gosto. Por que eu gosto ainda das pessoas vínculo UFBA, são pessoas de luta, são pessoas de resistência, que respeitam os usuários. Assim, eu estava hoje comentando exatamente isso. Eu circulei hoje pelo hospital todo e tem pouca gente da UFBA, poucos servidores da UFBA. A maioria é EBSERH. A maioria da UFBA está a noite ou está no Ambulatório. Muita gente da EBSERH. Eu estava contando para a assistente social hoje, se não fosse a gente, como ela chamou essa moquequinha de funcionário que resta da UFBA dentro do hospital, eu não sei o que seria dentro desse hospital não.

Por que todas as lutas, todas as questões inclusive pelos usuários quem levanta a bandeira somo nós. Esse sentimento de pertencimento. Eu falo muito isso. Esse sentimento de pertencimento você não sente no vínculo EBSERH. Eu vim para cá quando eu passei no concurso em 2008 e entrei em 2009. Eu me senti assim, bom, eu tenho que cuidar dessa casa! A casa é

antiga, velha e cheia de problemas. Eu tenho que cuidar da casa por que é aqui que vou me aposentar. Então eu preciso melhorar essa casa.

Os servidores da UFBA tem esse sentimento, eu não sei o porquê que os atuais não tem. Eles não tem. Eles estão aqui, dão seu plantão, recebem o dinheirinho e vão embora. Você chega em uma unidade, pergunta por um paciente X, ah, não tá comigo não, tá com fulano, e cadê o fulano? ah foi pro almoço, se eu quiser saber alguma coisa desse paciente, só quando ele voltar. Isso não existe. Isso é feio. Você vai em outras instituições públicas que as pessoas são todas envolvidas. E nós éramos assim. Então, isso me causa tristeza. Então, sou feliz? Sou. Sou feliz por que estou nesse grupo, por que eu gosto de lutar por nós, pelos usuários, pelo sistema, pelo SUS, mas é triste ver no que está se transformando. Esse é meu sentimento.

Esse discurso traz algo que tantos outros servidores pontuaram durante as entrevistas, há uma relação diferente destes com os trabalhadores da EBSERH, elemento que cria o sentimento de hostilidade, rivalidade e desconfiança na rotina de trabalho. Tais questões influenciam diretamente no produto do trabalho. Chama a atenção o sentimento de pertencimento e apreço demonstrado pela enfermeira. Pode-se afirmar que há uma diferença na construção da relação dos trabalhadores dos diferentes

140 vínculos com a instituição a partir do momento que se insere a lógica privada no setor público (CHANTAL, 2012).