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5. O TRABALHO NO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO

5.6 Os trabalhadores e a organização sindical

Dentre as hipóteses trabalhadas ao longo da pesquisa, destaca-se a fragilização sindical que a EBSERH representava. Principalmente, por perceber que os Hospitais Universitários das grandes universidades federais sempre foram um locus importante do movimento sindical dos servidores. No questionário, foi inquirido aos entrevistados se os mesmos já haviam acionado o sindicato para reivindicar direitos trabalhistas, após sua entrada no hospital. Das respostas obtidas, 61% afirmaram que nunca acionaram e 39% já haviam acionado. Entre os motivos, 83% ocorreram por cortes indevidos (como corte de auxílio transporte, receber hora extra, corte de insalubridade do RJU, o setor não recebe insalubridade); 14%, por desrespeito a direitos trabalhistas; e 3% ausência de condições para realizar o trabalho, tais como falta de água e sabão, elevadores quebrados, dentre outros.

Ao interpelar se conheciam o sindicato da sua categoria, 100% dos servidores RJU conheciam e 100% deles pagavam o imposto sindical. Todavia, entre os funcionários celetistas apenas 66% conheciam o sindicato50, ainda que 71% nunca pagaram o imposto sindical, 14% já tiveram o desconto sindical, mas não ocorre mais, 13 % tem o imposto descontado no contracheque e 2% não souberam informar. Segundo Galvão et al, “as mudanças nas formas de contratação impactam na sindicalização”, cabe ressaltar, que historicamente no Brasil, há uma fragilidade da sindicalização no setor de saúde e educação (GALVÃO et al.,2019, p. 257).

Os estudos da área da sociologia do trabalho apontam que a terceirização corrobora com o constante ataque à organização dos trabalhadores, devido principalmente ao processo de torná-los dispersos e fragmentados.

50 Esse dado é contraditório pois apesar de afirmarem que conheciam o sindicato a maioria não sabia dizer o nome do próprio sindicato ou tinham contato com o mesmo. (DIÁRIO DE CAMPO, 2019)

141 A terceirização e a consequente fragmentação da representação sindical dos trabalhadores anteriormente representados por uma entidade sindical com maior tradição ensejam, frequentemente, o rebaixamento de direitos previstos em convenções e acordos coletivos de trabalho (PELATIERI et al., 2018).

É importante compreender que a chegada da EBSERH diminuiu o quadro de servidores públicos dentro do hospital. Em 2013, havia cerca de 875 servidores RJU e esse número foi reduzido a 699, conforme dados de 2018. Isso significa que em apenas cinco anos houve um decréscimo de 176 servidores, o que representa uma redução de 20,11% no quadro de pessoal do hospital.Aliado a isso, no que se refere aos empregados públicos (CLT), desde a criação da EBSERH, em 2013 até o ano de 2018, houve a contração de 1.458 novos empregados. Em 2014, contrataram de 145 empregados públicos 51que em comparação a 2018 que representa um aumento de 1.0005% no número de contratações. Tais dados apontam, portanto, que no mesmo período (2013 - 2018), em contrapartida à redução de 20,11% do número de servidores.

Gráfico 04 – Número de servidores estatutários e empregados públicos do HUPES (2013 e 2018)

51 Dados disponíveis em Senes (2018) 875

0

2013

RJU (UFBA) CLT (EBSERH)

699

1458

2018

RJU (UFBA) CLT (EBSERH)

142 Em entrevista, a gestora Ednamara pontuou como a contratação de tantos empregados se tornou um transtorno:

Fez um concurso que de repente os profissionais passaram, mas o estabelecimento não pode absorver. Teve que absorver esse profissional,

mas não tinha o que ele fazer [...]. Em alguns hospitais, por que já soube que aconteceu em outros também, as pessoas fizeram planejamento para uma capacidade futura. Não a capacidade do momento.

Assim como a carência, a contratação de mão de obra sem a devida preparação da estrutura hospitalar gerou transtornos. Acima, no gráfico 4, é possível perceber a diferença nos números totais de servidores estatutários e celetistas no hospital em 2013 e 2018. Quando analisado em nível nacional, conforme Senes (2018), existiam no Brasil, no ano de 2013, 846 empregados da EBSERH. Já em 2017, esses empregados totalizavam 24.347, o que significa um aumento de 2777,9%. Quanto aos servidores públicos, o número em 2013 que era de 23.531 reduziu-se a 20.253, o que representa uma diminuição de 13,93%. Analisando o caso do HUPES a redução de servidores foi de 20,11%.

Adicionalmente, ao observar o número de concursos públicos entre 2013 e 2018, para ingresso em carreira técnica administrativa – RJU, é possível realizar a seguinte analise: Em 2013, o edital nº 02/2013 e o nº 03/2013 ofertaram 06 e 109 vagas para toda universidade, respectivamente; no edital nº 01/2014 foram ofertadas 10 vagas; e no nº 02/201652 foram 83 vagas, totalizando 208 vagas para Técnicos Administrativos no período. A ausência de descrição da lotação das vagas não possibilitou a análise específica de qual o quantitativo desses novos concursados foi encaminhado ao HUPES. A EBSERH, por sua vez, realizou o primeiro concurso para o HUPES em 2014 com três editais: o nº 2/201453 para área médica ofereceu 384 vagas; o nº 3/2014 para área assistencial com 1.037 vagas; e nº 04/2014 para área administrativa com 143 vagas. Em editais para concursos nacionais, mas com o quadro de vagas destinados ao HUPES

52 Informações disponibilizadas no site: https://concursos.UFBA.br/concursos-anteriores-tecnicos. 53 Informações disponíveis em: http://www2.ebserh.gov.br/web/portal-ebserh/ver-edital-encerradas/- /asset_publisher/4cxea2Y04KQc/content/id/166818/2014-02-hupes-UFBA-concurso-n%C2%BA-04- 2014

143 foram os seguintes: no edital nº 13/2014 para área assistencial foram 3 vagas e 4 para área médica; no edital nº 09/2015 na área assistencial foram 20 vagas e 12 na área médica; e no edital nº 01/2018 foram oferecidas 4 vagas na área médica, 60 para área assistencial e 7 para área administrativa. Isto significa, que a empresa divulgou em certames públicos a oferta de 1.674 vagas para o Com-HUPES em quatro anos. Contudo, nem todos foram convocados, tendo em vista que há diferença entre o número atual de trabalhadores e o número de vagas ofertadas.

No que se refere à representação sindical, entre os servidores, a representação é realizada pela ASSUFBA que também incorpora os trabalhadores FAPEX. São representados todos os profissionais Técnico Administrativos em Educação e excluem apenas os docentes que possuem outro sindicato, no caso a Sindicato dos Professores das Instituições Federais de Ensino Superior da Bahia (APUB).

Para os trabalhadores da EBSERH, a representação sindical é frágil, visto que a criação do sindicato na empresa é recente e o mesmo já foi alterado algumas vezes. Além disso, como demonstrado na pesquisa de campo, a maioria dos empregados públicos não são sindicalizados e uma parcela sequer conhece o seu funcionamento. Dentre os trabalhadores sindicalizados, foi perguntado aos 66% que afirmaram conhecer o sindicato da categoria, o nome sindicato que o representa e as respostas foram: o Sindicato dos Médicos (SINDMED); Sindicato dos Farmacêuticos do Estado da Bahia (SINDFARMA); Sindicado dos Enfermeiros do Estado da Bahia (SEEB); Sindicato dos Fisioterapeutas e Terapeutas Ocupacionais do Estado da Bahia (SINFITO); Conselho Regional de Nutrição (CRN), estes foram citado de formas pontuais. Os mais citados foram o Sindicato dos Trabalhadores da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (SINDSERH) que foi descrito como o ‘novo’ sindicato e o Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal no Estado da Bahia – SINTSEF/ BA que, segundo a pesquisa, atualmente representa os trabalhadores e conta com 338 filiados no HUPES.

Os servidores estatutários, por sua vez, tem como representação sindical a ASSUFBA (2019b). Esse sindicato representa os Técnico-Administrativos em Educação de todas universidades federais da Bahia. Surgiu em 1980 e conseguiu por meio da luta coletiva conquistas como a construção plano de cargos e salários da categoria. Nesses quase 40 anos de organização o sindicato conseguiu voz e direito ao

144 voto nos Conselhos Superiores e na consulta para escolha da Reitoria e Diretoria das unidades das universidades; ajuste da parcela da hora extra; saque do FGTS, etc.

Dentre essas lutas, o sindicato destaca que esteve presente em movimentos sociais, tais como “contra a ditadura militar, pelas Diretas Já, pelo impeachment do presidente Fernando Collorc[...], contra o golpe político-jurídico-midiático de 2016” (ASSUFBA, 2019b, s/n). E segue a agenda de luta contra os ataques de Bolsonaro. Trata-se de uma organização que mais reúne servidores, o que possibilita uma expressiva luta coletiva. O que se percebe, no entanto, é que com a chegada da Ebserh, e a diminuição gradativa dos servidores e dos concursos públicos, a ASSUFBA está ameaçada. E sofreu uma perda grande em sua principal base na UFBA, que eram os funcionários do HUPES, o que tem fragilizado a sua representação.

Na pesquisa, a técnica de enfermagem, Rafaela, afirmou que se não fosse a militância da ASSUFBA o hospital já teria fechado, pontuando a importância da organização sindical para garantir o trabalho dos servidores e também o atendimento aos usuários.

Entretanto, com essa terceirização no núcleo do HUPES e, por conseguinte, a existência de dois ou mais vínculos pode acarretar em situações como a descrita pelo auxiliar de enfermagem Thiago: quando teve a proposta para a construção da Greve Nacional dos Técnicos em Administrativos em Educação, a EBSERH não quis unificar, demonstrando que a terceirização cria situações de fragilização da luta coletiva.

Antunes (2018) aponta que é importante o movimento de reorganização desses sindicatos, tendo em vista a nova morfologia da classe trabalhadora. Os sindicatos precisam ampliar sua organização social com a perspectiva classista e menos corporativista, aproximando-se da base de forma menos burocratizada. O autor destaca como os sindicatos tem por desafio lidar com uma classe trabalhadora cada dia mais heterogênea, ainda mais complexa do que a presente no fordismo, e retomar o sentido de pertencimento de classe. Isto significa, conseguir recuperar esse sentido diante dos ataques do capital que constrói divisões objetivas e subjetivas, como é possível ver no presente estudo.

145 A reforma trabalhista de 2017, que possui um viés antissindical coloca aos sindicatos diante de novos desafios, dentre eles o fracionamento das bases sindicais, incitada pela precarização dos contratos trabalhistas (GALVÃO et al., 2019), acompanhados de medidas como a possibilidade de negociação individual dos trabalhadores com a empresa.

Aliado a isso, conforme mencionado anteriormente, o atual governo vem desenvolvendo projetos de lei que visam coibir a atuação sindical no país, tais como a Instrução Normativa (IN) nº 2 SGP/MPDG/2018, que em seu artigo art. 36 coloca que “poderá haver a liberação do servidor público para participar de atividades sindicais, desde que haja a compensação das horas não trabalhadas” (BRASIL, 2018).

Há também os Projetos de Lei PL 3.814/2019 e o PL 4.026/2019, ambos muito parecidos, que possuem dentre seus objetivos colocar como obrigatório a contribuição sindical por boleto, direcionado para a residência do trabalhador ou na sede da empresa em que trabalha. Ambos projetos visam, portanto, proibir que seja feito o pagamento da mensalidade por desconto em folha. Os projetos reafirmam que a contribuição deve ser autorizada individualmente e de forma a ser documentada por escrito, regra presente desde a Reforma Trabalhista de 2017. O PL 3.814/2019 foi retirado pelo autor, já o projeto 4.026/2019 encontra-se em tramitação.

Cabe ressaltar que o processo de fragmentação sindical não decorre exclusivamente do processo de terceirização das instituições públicas. Os sindicatos em diversos momentos se tornaram apáticos, principalmente ao manifestarem de forma passiva e submissa aos projetos políticos do governo (ARAÚJO, 2010 apud GALVÃO et al., 2019). Entretanto, o aumento do número de greves no Brasil possibilita perceber que os sindicatos possuem capacidade de mobilização, principalmente quando há pautas financeiras e corporativas (GALVÃO et al., 2019).

Segundo o historiador, Badaró Mattos, houve também o crescimento no número de greves por fora do sindicato pós 2013, movimento que é reflexo que ele chama de “domesticação” das centrais sindicais e dos sindicatos (GUIMARÃES, 2014). O papel de conformação aos governos petistas é um importante elemento a ser pontuado quando se analisa a atuação sindical, que reduziu a mobilização das bases sindicais.

146 Outro quesito é a diminuição da confiança na organização sindical. Galvão et al. (2019), destaca que o índice divulgado pelo Ibope Inteligência em 2009 era de 46 pontos, passando para 37 em 2013 e 35 em 2018. Há diversas hipóteses quanto a essa mudança, a relação das lideranças sindicais com o governo; concomitante, a relação do PT a corrupção; e as crises no mercado de trabalho a partir de 2015 (GALVÃO et al., 2019).

Em contrapartida, em 2017 foi realizada a maior greve da história, com adesão de 35 milhões de trabalhadores que infelizmente não conseguiram barrar a reforma trabalhista. Segundo os autores, a partir de 2017, houve um novo recuo dos sindicatos e as greves passaram a atuar com pautas defensivas, isto é para assegurar direitos historicamente conquistados.

O que se percebe é que todo esse movimento, desde à tendência a contratações de caráter celetista e redução gradativa no número de concursos públicos, e por conseguinte, de servidores públicos estáveis, alinhada a distinção das condições salariais e planos de carreira, juntamente à projetos de leis e políticas governamentais cada vez mais arbitrárias, bem como a mobilização da mídia para influenciar a opinião popular acerca das instituições públicas e, muitas vezes, o silêncio dos sindicatos, resultam, portanto, no enfraquecimento dessas instituições, facilitando o caminho para as terceirizações.

O processo dessas terceirizações, por sua vez, gera impactos no que se refere ao clima organizacional dentro das instituições, visto que a existência de multiplicidade dos vínculos trabalhistas e consequente segmentação os trabalhadores afetam diretamente as relações interpessoais.

No decorrer das entrevistas realizadas, pode-se notar que, dentre os servidores estatutários, uma constatação frequente foi que “as lutas e conquistas acerca de melhorias na infraestrutura hospitalar e/ou materiais de insumo e equipamentos não se realizaram por uma unificação dos profissionais”, sendo constante a fragmentação dos profissionais na busca de um objetivo único. Nessa lógica, as representações sindicais das categorias se apresentam como linhas tênues, que embora convirjam para um mesmo ponto central, não se identificam enquanto unidade na luta.

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