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4. A REESTRUTURAÇÃO DAS UNIVERSIDADES E DOS HOSPITAIS UNIVERSITÁRIOS

4.3 Hospital Universitário e o programa REHUF

A reforma da administração pública desenhada no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995) e o processo de delimitar o setor de atividade não-exclusiva do Estado, onde se inclui, dentre outros, a educação e a saúde, foram essenciais para instituir via Decreto nº 7.082, de 27 de janeiro de 2010, o Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF). Dentre seus objetivos

78 se destaca dispor “sobre o financiamento compartilhado dos hospitais universitários federais entre as áreas da educação e da saúde e disciplina o regime da pactuação global com esses hospitais” (BRASIL, 2010). E posteriormente a reforma, deu origem a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), representando, dentro das Universidades Federais, um importante setor que está sendo privatizado: os Hospitais Universitários, hospitais-escolas utilizados tanto pelos docentes e discentes dos cursos de saúde ou afins, como por parte da população que recorre a esses hospitais através do SUS.

Os hospitais, instituições que inicialmente eram voltadas apenas para cuidados dos enfermos e das enfermidades, modificaram-se muito ao longo da sua história. A sua terminologia hospes traz o significado de hóspede ou convidado. São “derivações dessa palavra, como por exemplo hospitalis (ser hospitaleiro) e hospitium (lugar em que hóspedes eram recebidos)” (ARAUJO e LETA, 2014, p. 1263) associando a um lugar de recepção dos enfermos para serem tratados. Segundo Kizi Araújo e Jacqueline Leta (2014) é no século XX, com o Relatório de Flexner (1910)27, que surge a recomendação de que as escolas médicas criem seus próprios hospitais. Para as autoras, nesse momento “origina-se um novo conceito de hospital, o hospital de ensino (médico), que quando vinculado a uma universidade é também denominado Hospital Universitário (HU)” (idem, p. 1262).

No Brasil, o primeiro caso de associação entre os hospitais e as escolas médicas ocorreu em 1892, no Rio de Janeiro, quando a Faculdade de Medicina passou a treinar seus estudantes nos leitos hospitalares da Santa Casa de Misericórdia. Entretanto, foi a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo que teve o primeiro hospital- escola, em 1944, quando inaugurou o Hospital das Clínicas em São Paulo. (ARAUJO e LETA, 2014)

27 “O Relatório Flexner, financiado pela American Medical Association, apresentou um amplo diagnóstico da situação das escolas e da educação médica nos EUA e no Canadá (Lampert, 2002).[...] O relatório propunha algumas recomendações que visavam não somente uma mudança curricular, mas também mudanças estruturais, como a construção de um hospital próprio e a integração da missão pesquisa às missões tradicionais de ensino e assistência. Tal integração passou a ser um requisito para o credenciamento e a avaliação dessas instituições naqueles países (RODRIGUES, 1999). Esse novo conceito de hospital, vinculado formalmente às escolas médicas e que pressupõe a integração da pesquisa ao ensino e à assistência, também se difundiu pelo mundo, passando a coexistir com o modelo anterior.” (ARAUJO e LETA, 2014, p 1265).

79 No caso brasileiro, os Hospitais Universitários são órgãos das Universidades Federais, que estão subordinadas ao Ministério da Educação – principal responsável pela despesa de pessoal- e ao Ministério da Saúde (MS) pela vinculação ao sistema de saúde e a pactuação de metas com o governo federal e estadual, prestando serviços de assistência ao Sistema Único de Saúde (SUS). Estes hospitais são também escolas, pois participam da formação acadêmica dos alunos, assim como realizam pesquisas dos cursos da área de saúde. Em muitos estados, os Hospitais Universitários são os únicos a realizarem procedimentos de média e alta complexidade hospitalar (RIBEIRO JR., 2013; SODRE et al., 2013; MÉDICI, 2001).

O Ministério da Educação (MEC) define os hospitais universitários como centros de formação de recursos humanos, de desenvolvimento de tecnologia para a área de saúde que visa a efetiva prestação de serviços à população, e possibilitam o aprimoramento constante do atendimento e a elaboração de protocolos técnicos para as diversas patologias. Todos possuem papel de destaque nas comunidades que estão inseridos, elementos que garantem a estas instituições os “maiores padrões de eficiência à disposição do Sistema Único de Saúde” (BRASIL, 2012). A partir da definição do Ministério da Educação, fica evidente que os hospitais de ensino se diferenciam principalmente por sua tríplice missão: assistência, ensino e pesquisa. O Brasil possui atualmente 50 HUFs, distribuídos em todo território nacional. Segundo Sodré et al. (2013, p. 366) eles possuem um “papel político importante na comunidade inserida, visto sua escala, dimensionamento e custos projetados a partir da alta concentração de recursos humanos, físicos e financeiros”. Contudo, no início dos anos 2000, os Hospitais de Ensino (HE) de todo Brasil começaram a passar por dificuldades, caracterizando uma crise “crônica”, pois assumem diferentes dimensões:

Tomando como base a síntese proposta por Vasconcelos (2002), passou-se a considerar a possibilidade de se caracterizarem e distinguirem seis dimensões para a crise dos HE: política, gerencial, assistencial, financeira, acadêmica e social. A partir dessa constatação, o governo optou por enfrentá-la em suas diversas dimensões por meio da formulação de uma política global consistente. Reconhecia-se que a forma convencional de lidar com a crise dos HE vinha sendo pautada pelo imediatismo, com proposições e iniciativas direcionadas para a busca de recursos ou voltadas para a modernização técnica e gerencial (CHIORO DOS REIS; CECILIO, 2009, p. 90).

80 Tais aspectos são interligados entre si, ou seja, a crise em uma dessas dimensões leva a dificuldades para todo o hospital. Nesse contexto, umas das medidas do Governo Federal foi o Decreto 7.082 de 27 de janeiro de 2010, que instituiu o Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais, o REHUF. O intuito era de reestruturar, revitalizar e solucionar os déficits de recursos humanos dos HUF’s (BRASIL, 2010). Este programa foi fruto do acórdão n. 2.813/2009 do Tribunal de Contas da União, que na ocasião, discutiu quesitos relativos à autonomia, financiamento, estruturação, quadro de pessoal e inserção na rede do SUS dos hospitais de ensino (TCU, 2009). O acórdão foi construído a fim de definir procedimentos e metas para a revitalização e reestruturação dos hospitais universitários federais, incorporados ao SUS (LEMOS et al., 2015).

Os hospitais de ensino devem funcionar dentro de uma nova lógica, baseada no princípio da eficiência e eficácia, alterando-se desta maneira a gestão dos hospitais e a rotina dos funcionários que passaram a trabalhar com metas de quantidade e qualidade dos serviços prestados, sendo financiados pelo Ministério da Educação e o Ministério da Saúde (BRASIL, 2010). Com base nisso e considerando a crise nacional dos HUFs, desenvolveram dois novos elementos para a gestão dos hospitais: a certificação e a contratualização implantada por meio do REHUF.

A certificação dos hospitais é o processo que avalia e caracteriza seu perfil. Após o processo de reconhecimento enquanto Hospital de Ensino, direciona-se para o processo de contratualização. De acordo com a Portaria Interministerial nº 285, de 24 de março de 2015, que redefine o Programa de Certificação de Hospitais de Ensino (HE), é objetivo da certificação garantir qualidade na pesquisa, no ensino e nos serviços de saúde ofertados pelos HU, estimulando a participação dos HU em projetos que possam melhorar a qualidade e a oferta dos profissionais de saúde no SUS. Definiu-se, na Portaria 1.006/04, para os Hospitais Federais vinculados ao MEC, e da Portaria 1.702/04, para os demais HE, a contratualização como:

o meio pelo qual as partes, o representante legal do Hospital de ensino e o gestor local do SUS, estabeleceriam metas quantitativas e qualitativas do processo de atenção à saúde, de ensino e pesquisa e de gestão hospitalar que deveriam ser acompanhadas e atestadas pelo Conselho Gestor da Instituição ou pela Comissão Permanente de Acompanhamento de Contratos (CHIORO DOS REIS; CECILIO, 2009, p. 4. Grifo do autor).

81 Dessa maneira, alterou-se a relação dos hospitais com o SUS e quatro eixos estratégicos dessas instituições são estabelecidos: a gestão do hospital; a relação do hospital com a pesquisa; o ensino e a extensão e, por fim, a formação dos trabalhadores da saúde (LEMOS et al., 2015). Tanto a certificação quanto a contratualização são mecanismos de integração dos Hospitais de Ensino ao Sistema Único de Saúde (SUS), consolidados após o REHUF.

Dentre os objetivos específicos do REHUF destacam-se desenvolver programas de especialização e pós-graduação e residências; responder às necessidades da graduação na área de saúde; instalar programas de residência multiprofissional estimulando o trabalho em equipes multiprofissionais para garantir assistência integral à saúde; incentivar desenvolvimento de pesquisas que correspondam ao interesse do SUS. Quanto ao campo da assistência à saúde, os objetivos específicos apresentados são: oferecer serviços de média e alta complexidade; analisar as tecnologias em saúde que surgirem com o intuito de incorporar ao SUS; qualificar os estudantes para atuarem na rede SUS, dentre outros.

Dentre os principais problemas encontrados nos Hospitais Universitários Federais, cabe destacar que há em todos eles a coexistência de diferentes vínculos de trabalho, os principais são: servidores concursados pelo Regime Jurídico Único, trabalhadores contratados por tempo determinado pela instituição, as fundações de apoio e os terceirizados (SODRÉ et al., 2013). Tal característica acarreta impactos sobre os trabalhadores e as suas relações de trabalho, tanto no quesito da jornada de trabalho, plano de carreira, filiação sindical, entre outros elementos.

O Governo Federal passou a ser pressionado por órgãos jurídicos como o TCU (Tribunal de Contas da União), CGU (Controladoria Geral da União) e MPF (Ministério Público Federal) para resolver as irregularidades dos empregados em hospitais universitários contratados via fundações de apoio. Problema esse que influenciava diretamente no endividamento desses hospitais, visto que o pagamento dos servidores RJU é realizado pelo MEC, mas todos os outros vínculos são financiados pela própria instituição com o dinheiro destinado à manutenção, investimentos em ensino, pesquisa e extensão, ou seja, com a verba de custeio (CARMO, 2006 apud SODRÉ et al., 2013).

82 Nessa situação, o governo federal criou a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, a EBSERH, cuja justificativa oficial apresentada era que a empresa seria uma solução para essa crise e irregularidades nas formas de contratação, reforçadas com a pressão jurídica e das metas criadas pelo REHUF. Contudo, defende-se nesta pesquisa que a EBSERH se insere num conjunto de iniciativas como OSs, PPP dentre outras - que visam a terceirização no serviço público, contribuindo decisivamente para o desmantelamento do caráter social do Estado e acentuando suas políticas privatistas.